STJ. HC 697.581-GO

Enunciado: Consta dos autos que houve a contratação de trabalhos espirituais visando à morte de várias autoridades, incluindo autoridade policial, promotor de justiça, vereador, prefeito e repórter investigativo. O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, ou seja, deve estar configurada a intenção do agente de provocar medo na vítima. Na hipótese dos autos, a representação policial e a peça acusatória deixaram de apontar conduta da paciente direcionada a causar temor nas vítimas, uma vez que não há no caderno processual nenhum indício de que a profissional contratada para realizar o trabalho espiritual procurou um dos ofendidos, a mando da paciente, com o propósito de atemorizá-los. Não houve nenhuma menção a respeito da intenção em infundir temor, mas tão somente foi narrada a contratação de trabalho espiritual visando a "eliminar diversas pessoas". Como ressaltado pelo Parquet federal, dos elementos colhidos não ficou demonstrado que a ré: "teve a vontade livre e consciente de intimidar os ofendidos: a conduta dela consistiu em contratar uma 'profissional especializada' que trabalha com esse tipo serviço - que se pode denominar de metafísico -, a fim de que fosse causado mal grave e injusto aos ofendidos. Resta claro que ela esperava que a profissional mantivesse o sigilo, o que, contra sua vontade, não ocorreu. Não há, portanto, o dolo de ameaça, dirigida, direta ou indiretamente, aos ofendidos, como exige a objetividade jurídica do tipo penal, sob pena de, em não se levando em conta tal fator, adotar-se a configuração de responsabilidade penal objetiva na espécie. (...)". De toda forma, o tipo penal (art. 147 do CP), ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso. Diante das circunstâncias do caso, a instauração do inquérito policial, e as medidas cautelares determinadas, bem como a ação penal, porquanto baseadas em fato atípico (ameaça), são nulas, e consequentemente a imputação pela prática do crime previsto no art. 241-B, c/c o art. 241-E, ambos da Lei n. 8.069/1990.

Tese Firmada: A contratação de serviços espirituais para provocar a morte de autoridades não configura crime de ameaça.

Questão Jurídica: Ameaça. Contratação de trabalhos espirituais. Ausência de potencialidade de concretização. Atipicidade da conduta.

Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PLEITO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL E NULIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES. POSTERIOR OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA QUE INICIOU A INVESTIGAÇÃO. CONSEQUENTE NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO E ACESSO AOS DADOS, BEM COMO DA SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ACOHIMENTO DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Espécie em que a Autoridade Policial - após boletim de ocorrência formalizado por suposto destinatário de trabalho espiritual visando à morte de várias autoridades atuantes no Município de São Simão/GO (fl. 61) - representou "pela busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico/telemático por extração de dados em dispositivos móveis" (fl. 47), antevendo a possível prática do delito previsto no art. 147 do Código Penal. Com manifestação favorável do Ministério Público estadual, o Juízo de Direito da Comarca de São Simão/GO deferiu a medida de busca e apreensão, autorizando "o acesso aos dados constantes no(s) aparelho(s) celular(es) eventualmente apreendido(s) na posse da Investigada" (fl. 93). Efetivada a busca e apreensão dos dispositivos móveis, e analisados os dados neles constantes, "foram encontradas, além de fotos das vítimas das ameaças narradas anteriormente, fotografias pornográficas envolvendo M.O.N.". 2. O trancamento do inquérito policial ou da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a ausência de autoria e materialidade, a atipicidade da conduta ou a incidência de causa extintiva da punibilidade. No caso, a controvérsia posta neste writ prescinde de profunda incursão probatória, demandando, tão somente, a apreciação da representação da autoridade policial e da denúncia que se seguiu. 3. O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, ou seja, deve estar configurada a intenção do agente de provocar medo na vítima. Na hipótese dos autos, a representação policial e a peça acusatória deixaram de apontar conduta da Paciente direcionada a causar temor nas vítimas, uma vez que não há no caderno processual nenhum indício de que a profissional contratada para realizar o trabalho espiritual procurou um dos ofendidos, a mando da Paciente, com o propósito de atemorizá-los. Não houve nenhuma menção a respeito da intenção da Ré em infundir temor, mas tão somente foi narrada a contratação de trabalho espiritual visando a "eliminar diversas pessoas". 4. De toda forma, o tipo penal, ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso. 5. Diante das circunstâncias dos autos, a instauração do inquérito policial, e as medidas cautelares determinadas, bem como a ação penal, porquanto baseadas em fato atípico (ameaça), são nulas, e consequentemente a imputação pela prática do crime previsto no art. 241-B, c.c. o art. 241-E, ambos da Lei n. 8.069/1990. 6. Ordem de habeas corpus concedida para, acolhido o parecer do Ministério Público Federal, trancar a ação penal ajuizada em desfavor da Paciente, com anulação do inquérito policial e das medidas de busca e apreensão, quebra do sigilo telefônico e suspensão do exercício das funções públicas. (STJ. HC 697.581-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 15/3/2023 - Publicado no Informativo nº 771)