STJ. AgRg no AREsp 2.078.054-DF

Enunciado: A jurisprudência deste Tribunal possui entendimento consolidado de que a palavra da vítima detém especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal. Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição Federal. Por outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal. Contudo, no caso, não havia laudo emitido por médico particular, nem testemunha que tivesse presenciado o momento das agressões. Ao revés, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado, e as fotografias que instruem o feito não foram periciadas, a despeito de terem sido produzidas pelo irmão da vítima. Nesse sentido, verifica-se que a condenação por lesão corporal foi proferida sem a realização de exame de corpo de delito. Ademais, as provas que deveriam suprir essa deficiência consistiam em fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou diretamente os fatos. Com efeito, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos - se mostraram insuficientes para a manutenção da condenação. A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada.

Tese Firmada: O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime.

Questão Jurídica: Crime de lesão corporal. Contexto de violência doméstica. Exame de corpo de delito. Ausência. Fotografia não periciada. Insuficiência de outros meios de prova. Ausência de justificativa para a não realização de prova técnica. Absolvição.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL. CONTEXO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. FOTOGRAFIA NÃO PERICIADA. INSUFICIÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA TÉCNICA. SÚMULA 83 AFASTADA. ABSOLVIÇÃO. I - Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a palavra da vítima detém especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a aludida tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal. II - Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição. Por outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal. III - O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime acostadas aos autos. Precedentes. IV - Todavia, especificamente no caso em análise, o exame de corpo de delito de ixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos - se mostraram insuficientes para a manutenção do édito condenatório. Súmula 83 afastada. V - A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada. Agravo regimental provido. (STJ. AgRg no AREsp 2.078.054-DF, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 30/5/2023 - Publicado no Informativo nº 777)