STJ. HC 704.718-SP

Enunciado: A despeito da controvérsia doutrinária quanto à classificação do crime previsto no art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal - se preterdoloso ou não - fato é que, para se imputar o resultado mais grave (consequente) ao autor, basta que a morte seja causada por conduta meramente culposa, não se exigindo, portanto, comportamento doloso, que apenas é imprescindível na subtração (antecedente). O art. 13, caput, do Código Penal, acolheu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, ao prever que "considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". A aplicação da teoria em comento ao estudo das concausas implica concluir que as causas absolutamente independentes sempre excluirão a imputação do resultado mais gravoso, as relativamente independentes, nem sempre. Já o § 1º do art. 13 do Código Penal prevê uma hipótese de exclusão da imputação - denominada por alguns de "rompimento do nexo causal" -, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados. Essa hipótese, porém, apenas tem cabimento quando a concausa, além de relativamente independente, também for superveniente à ação do agente, conduzindo, por si só, ao resultado agravador. Ou seja, se a concausa relativamente independente for preexistente ou concomitante à ação do autor, não haverá exclusão do nexo de causalidade. No caso, o laudo pericial não atestou que a morte tenha sido causada exclusivamente pela doença cardíaca preexistente da vítima. Ao contrário, consignou-se que o infarto "pode ter sido ajudado pelo stress sofrido na data do óbito, pois há sinais de violência e tortura encontrados no exame" -, o que evidencia que a vítima apenas veio a falecer, exatamente, durante o crime praticado pelos acusados, que a agrediram severamente. Considerando que a doença cardíaca, in casu, é concausa preexistente relativamente independente, não há como afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio. Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva conduziria a outra conclusão. Segundo a doutrina, "[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico". Portanto, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa e usarem de exacerbada violência, os agentes criaram, sim, um risco juridicamente proibido - conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos réus (art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal).

Tese Firmada: A existência de doença cardíaca de que padecia a vítima configura-se como concausa preexistente relativamente independente, não sendo possível afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.

Questão Jurídica: Latrocínio. Desclassificação. Não cabimento. Alegação de ausência de dolo. Resultado agravador que pode ser imputado a título de culpa. Causa da morte. Infarto do miocárdio. Vítima que sofria de doença cardíaca. Concausa preexistente relativamente independente. Não afastamento do nexo causal.

Ementa: HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO. NÃO CABIMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO. RESULTADO AGRAVADOR QUE PODE SER IMPUTADO A TÍTULO DE CULPA. LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. REVOLVIMENTO DO ACERVO PROBATÓRIO INCABÍVEL NA VIA ELEITA. CAUSA DA MORTE. INFARTO DO MIOCÁRDIO. VÍTIMA QUE SOFRIA DE DOENÇA CARDÍACA. CONCAUSA PREEXISTENTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE. NÃO AFASTAMENTO DO NEXO CAUSAL. PACIENTES QUE CRIARAM RISCO JURIDICAMENTE PROIBIDO E O CONCRETIZARAM. PENA-BASE. COMETIMENTO DO DELITO DURANTE CUMPRIMENTO DE PENA POR CRIME DIVERSO. FUNDAMENTO ADEQUADO. MOTIVOS DO DELITO. COMPRA DE DROGA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. MULTIRREINCIDÊNCIA. CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO INTEGRAL. NÃO CABIMENTO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA, EM PARTE, APENAS PARA REDUZIR AS PENAS. 1. A despeito da controvérsia doutrinária a respeito da classificação do crime previsto no art. 157, § 3.º, inciso II, do Código Penal - se preterdoloso ou não - fato é que, para se imputar o resultado mais grave (consequente) ao autor, basta que a morte seja causada por conduta meramente culposa, não se exigindo, portanto, comportamento doloso, que apenas é imprescindível na subtração (antecedente). Portanto, é inócua a alegação de que não houve vontade dirigida com relação ao resultado agravador, porque, ainda que os Pacientes não tenham desejado e dirigido suas condutas para obtenção do resultado morte, essa circunstância não impede a imputação a título de culpa. 2. O sistema da persuasão racional, acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, garante ao Julgador a livre apreciação da prova, desde que, evidentemente, o faça de maneira fundamentada. No caso, após analisar a conclusão do laudo - atestando que as agruras vivenciadas pela vítima podem ter colaborado para o resultado morte - e as demais provas carreadas aos autos, concluiu o Juízo Sentenciante haver nexo causal entre as condutas dos Réus e o resultado morte. Para desconstituir tal conclusão, seria imprescindível incursionar, verticalmente, no acervo probatório, o que, como se sabe, é incabível na estreita via do habeas corpus. 3. O art. 13, caput, do Código Penal, acolheu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, ao prever que "considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". A aplicação da teoria em comento ao estudo das concausas implica concluir que as causas absolutamente independentes sempre excluirão a imputação do resultado mais gravoso, as relativamente independentes, nem sempre. 4. O Código Penal, em seu art. 13, § 1.º, prevê uma hipótese de exclusão da imputação - denominada por alguns de "rompimento do nexo causal" -, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados. Essa hipótese, porém, apenas tem cabimento quando a concausa, além de relativamente independente, também for superveniente à ação do agente, conduzindo, por si só, ao resultado agravador. Ou seja, se a concausa relativamente independente for preexistente ou concomitante à ação do autor, não haverá exclusão do nexo de causalidade. 5. No caso, o laudo pericial não atestou que a morte tenha sido causada exclusivamente pela doença cardíaca preexistente da vítima. Ao contrário, consignou-se que o infarto "pode ter sido ajudado pelo stress sofrido na data do óbito, pois há s inais de violência e tortura encontrados no exame" - o que evidencia que a vítima apenas veio a falecer, exatamente, durante o crime praticado pelos Pacientes, que a agrediram severamente. Considerando que a doença cardíaca, in casu, é concausa preexistente relativamente independente, não há como afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio. 6. Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva, mencionada pela zelosa Defesa, conduziria a outra conclusão. Como se sabe, "[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte geral: arts. 1 a 120. 27. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 161). Nos limites cognitivos possibilitados na via do habeas corpus, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa (um senhor de 84 anos) e usarem de exacerbada violência, os Pacientes criaram, sim, um risco juridicamente proibido - conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos Réus (art. 157, § 3. º, inciso II, do Código Penal). 7. O fato de o agente cometer o delito enquanto cumpre pena aplicada em razão da prática de crime pretérito é fundamento adequado para exasperar a pena-base. 8. A vetorial dos motivos, em crimes patrimoniais, não pode ser desabonada apenas porque a intenção dos agentes seria comprar entorpecentes com o proveito do delito. Precedentes. 9. Consoante entendimento fixado em precedente qualificado desta Corte, "nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade" (REsp 1.931.145/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 22/06/2022, DJe 24/06/2022). 10. Ordem de habeas corpus concedida, em parte, apenas para reduzir as penas aplicadas aos Pacientes. (STJ. HC 704.718-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023 - Publicado no Informativo nº 777)