STJ. HC 772.142-PE

Enunciado: Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de prosseguimento da investigação pela Polícia Federal, mesmo após o declínio da competência para o processamento do feito perante a Justiça estadual. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar a ausência de nulidade quando a investigação tem início perante uma autoridade policial e, posteriormente, há redistribuição do feito a outro órgão jurisdicional em razão da incompetência. No entanto, mesmo após a redistribuição do feito para a Justiça estadual, motivada pela declaração de incompetência do Juízo Federal, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, a despeito de determinação expressa do então detentor da jurisdição de encaminhamento do feito à Polícia Civil. No caso, embora não seja possível afirmar se a representação pela quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados antecedeu o declínio da competência em análise, é certo que as representações pelas prisões temporárias, buscas e apreensões e outras cautelares foram formuladas, pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça estadual. Assim, identifica-se flagrante ilegalidade na continuidade das investigações pela Polícia Federal, a despeito da decisão que declinou da competência para a Justiça estadual e determinou expressamente que o processamento do inquérito policial tivesse prosseguimento perante a Polícia Civil. Ante o exposto, é de se reconhecer a ilegalidade, por falta de atribuições, das investigações realizadas pela Polícia Federal a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça estadual. Entretanto, na limitada via do habeas corpus, não há como aferir, com precisão, se a ilegalidade declarada macula por completo o inquérito policial ou se há elementos informativos autônomos que possam ensejar a continuidade das investigações. Deverá o Juízo de primeiro grau, após descartar todos esses elementos viciados pela ilegalidade, averiguar se há outros obtidos por fonte totalmente independente, ou cuja descoberta seria inevitável a permitir o prosseguimento do feito.

Tese Firmada: Declinada a competência do feito para a Justiça estadual, não cabe à Polícia Federal prosseguir nas investigações.

Questão Jurídica: Inquérito policial. Investigação iniciada pela Justiça Federal. Declínio de competência para a Justiça estadual. Prosseguimento das diligências investigativas pela Polícia Federal. Nulidade.

Ementa: HABEAS CORPUS. NULIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO INICIADA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. POSTERIOR DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA ESTADUAL. PROSSEGUIMENTO DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS PELA POLÍCIA FEDERAL. DETERMINAÇÃO EXPRESSA DE CONTINUIDADE PELA POLÍCIA CIVIL. NULIDADE. ILEGALIDADE CONSTATADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de prosseguimento da investigação pela Polícia Federal, mesmo após o declínio da competência para o processamento do feito para a Justiça Estadual. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar a ausência de nulidade quando a investigação tem início perante uma autoridade policial, com a consequente redistribuição do feito a outro órgão jurisdicional em razão da incompetência. Precedentes. 3. Todavia, no caso em análise, mesmo após a redistribuição do feito para a Justiça Estadual, motivada pela declaração de incompetência do Juízo Federal, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, a despeito de determinação expressa do então detentor da jurisdição de encaminhamento do feito à Polícia Civil. 4. Embora não seja possível afirmar se a representação pela quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados antecedeu o declínio da competência em análise, é certo que as representações pelas prisões temporárias, buscas e apreensões e outras cautelares foram formuladas, pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça Estadual. 5. As circunstâncias descritas evidenciam a nulidade das investigações realizadas pela Polícia Federal a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual. 6. Entretanto, na limitada via deste writ, não há como aferir, com precisão, se a ilegalidade aqui declarada macula por completo o inquérito policial ou se há elementos informativos autônomos que possam ensejar a continuidade das investigações. 7. Fica ressalvada a possibilidade de, mediante devida provocação, autorizar o Juízo singular o compartilhamento das investigações pelas Polícias Civil e Federal. Todavia, a medida só será válida a partir do momento em que proferida decisão judicial nesse sentido. 8. Ordem concedida para reconhecer a ilegalidade, por falta de atribuições, das investigações realizadas pela Polícia Federal, no Inquérito Policial Federal n. 2021.19806, a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, ocorrida em 26/4/2021. Deverá Juízo de primeiro grau, após descartar todos esses elementos viciados pela ilegalidade: a) averiguar se há outros obtidos por fonte totalmente independente ou cuja descoberta seria inevitável a permitir o prosseguimento do feito; b) cumprir a determinação, exarada em 26/4/2021, de envio dos autos à Polícia Civil, para continuidade das investigações. (STJ. HC 772.142-PE, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/3/2023, DJe 3/4/2023 - Publicado no Informativo nº 773)