STJ. CC 194.981-SP

Enunciado: O conflito de competência decorre da divergência instaurada entre Juízo Federal e Juízo de Direito. O primeiro entendeu que somente seriam os homicídios julgados pela Justiça Federal se houvesse interesse federal específico quanto a eles, o qual entendeu inexistir no caso concreto, não sendo suficiente a sua conexão com o delito de contrabando. Para o segundo, a conexão com o crime federal (contrabando), bastava para fixar a competência da Justiça Federal e, por consequência, do Tribunal do Júri Federal. A existência da conexão instrumental entre os crimes de contrabando e os de homicídio qualificado, consumado e tentado que foram imputados na denúncia era incontroversa entre os Juízos suscitante e suscitado, tendo sido os crimes dolosos contra a vida praticados no mesmo contexto fático, para assegurar a vantagem ou a impunidade do crime de contrabando. Se o intento da prática dos homicídios era o de impedir o exercício do jus puniendi em relação ao crime de contrabando, ou seja, visavam embaraçar a persecutio in criminis que seria realizada na Justiça Federal, há o interesse federal na persecução, também, dos crimes dolosos contra a vida, pois cometidos para obstar ou dificultar o exercício de atribuições conferidas a órgãos federais. Além disso, a simples conexão ou continência com crime federal atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento de todos os delitos, nos termos da Súmula 122/STJ, na qual não faz nenhuma exceção quando se trata de delito doloso contra a vida. O raciocínio que faz prevalecer a competência do Júri estadual sobre a competência da Justiça Federal parte de uma premissa equivocada, que é a de que a previsão constitucional da competência do Tribunal do Júri se refere apenas ao Júri estadual e, portanto, se sobreporia à competência da Justiça Federal. No entanto, o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal, assegura a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sem fazer distinção alguma entre o Tribunal do Júri Estadual e o Tribunal do Júri Federal. Este último é expressamente previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 253/1967, recepcionado pela Constituição Federal. Não é possível se determinar o julgamento do contrabando, crime federal, pelo Tribunal do Júri Estadual. A competência da Justiça Federal é absoluta e tem previsão constitucional, assim como a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida. Ainda que se entendesse que deveria o Tribunal do Júri Estadual julgar os homicídios, deveria haver o desmembramento dos autos, permanecendo, na Justiça Federal, o delito de contrabando, mas não se admite a remessa deste último para ser julgado pela Justiça estadual, ainda que pelo Tribunal do Júri nela instalado. Overruling da orientação firmada no CC n. 153.506/RS.

Tese Firmada: Compete ao Tribunal do Júri Federal julgar causa na qual há demonstração de interesse federal específico em relação ao crime doloso contra a vida, ou quando há conexão deste com crime federal.

Questão Jurídica: Conflito negativo de competência. Homicídios qualificado, consumado e tentado. Contrabando. Conexão instrumental. Delitos dolosos contra a vida praticados para assegurar a impunidade em crime contra a administração. Interesse federal específico. Competência do Tribunal do Júri Federal. Overruling da orientação firmada no CC 153.306/RS.

Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. CONTRABANDO. CONEXÃO INSTRUMENTAL INCONTROVERSA. DELITOS DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS PARA ASSEGURAR A IMPUNIDADE DO CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. INTERESSE FEDERAL ESPECÍFICO EVIDENCIADO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI FEDERAL. OVERRULING DA ORIENTAÇÃO ANTERIORMENTE FIRMADA NO CC N. 153.306/RS. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO. 1. Na situação que deu origem ao presente Conflito, segundo a narrativa contida na denúncia, os homicídios qualificados, consumado e tentado, foram cometidos não apenas para assegurar a vantagem do contrabando, mas também a sua impunidade. Pela tese defendida pelo Juízo Suscitado, somente seriam os homicídios julgados pela Justiça Federal, se houvesse interesse federal específico quanto a eles, o qual entendeu inexistir no caso concreto, não sendo suficiente a sua conexão com o delito de contrabando. Para o Juízo Suscitante, a conexão com o crime federal (contrabando), seria suficiente para fixar a competência da Justiça Federal e, por consequência, do Tribunal do Júri Federal. 2. É incontroverso haver conexão instrumental entre os crimes de contrabando e os de homicídio qualificado consumado e tentado que foram imputados na denúncia, tendo sido os crimes dolosos contra a vida praticados no mesmo contexto fático, para assegurar a vantagem ou a impunidade do crime contra a Administração. A conexão foi expressamente reconhecida pelos Juízos Suscitante e Suscitado, e também pelo Tribunal Regional da 3.ª Região, nos julgamentos por ele proferidos no caso concreto . 3. Se um dos escopos da prática dos crimes dolosos contra a vida, no caso concreto, conforme narrou a denúncia, era o de impedir o exercício do jus puniendi em relação ao crime de contrabando, visaram eles embaraçar a persecutio in criminis que seria realizada na Justiça Federal. Nesse contexto, é evidente o interesse federal na persecução, também, dos crimes dolosos contra a vida, pois cometidos para obstar ou dificultar o exercício de atribuições conferidas a órgãos federais. 4. A simples conexão ou continência com crime federal atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento de todos os delitos, nos termos da Súmula n. 122 desta Corte Superior, a qual não faz nenhuma exceção quando se trata de delito doloso contra a vida. 5. O raciocínio que faz prevalecer a competência do Júri Estadual sobre a competência da Justiça Federal parte da premissa equivocada de que a previsão constitucional de competência do Tribunal do Júri diz respeito tão-somente ao Júri estadual e que, por essa razão, se sobreporia à competência da Justiça Federal. No entanto, o art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição da República, assegura a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não fazendo nenhuma distinção entre o Tribunal do Júri Estadual e o Tribunal do Júri Federal, sendo este último previsto expressamente no art. 4.º do Decreto-Lei n. 253/1967, recepcionado pela atual Carta de 1988. 6. Não é possível se determinar o julgamento do contrabando, crime federal, pelo Tribunal do Júri Estadual. A competência da Justiça Federal é absoluta e tem previsão constitucional, assim como a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida. Ainda que se entendesse que deveria o Tribunal do Júri Estadual julgar os homicídios, deveria haver o desmembramento os autos, permanecendo, na Justiça Federal, o delito de contrabando, mas não se admite a remessa deste último para ser julgado pela Justiça Estadual, ainda que pelo Tribunal do Júri nela instalado. 7. Não se pode atribuir à Justiça Estadual o julgamento de delito federal, pois "[a] competência constitucional atribuída à Justiça Federal não pode ser prorrogada à Justiça Estadual, ante a sua natureza absoluta." (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.289.926/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 22/4/2019). 8. A observância das competências constitucionalmente previstas para a Justiça Federal e para o Tribunal do Júri, determina que, no caso concreto, o julgamento dos delitos imputados na denúncia cabe ao Tribunal do Júri Federal, seja porque há demonstração do interesse federal específico em relação aos crimes dolosos contra a vida, seja porque está presente a conexão destes com crime federal (contrabando). 9. Overruling da orientação firmada no CC n. 153.306/RS. 10. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO FEDERAL DA 1.ª VARA DE MARÍLIA - SJ/SP, o Suscitado. (STJ. CC 194.981-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 24/5/2023 - Publicado no Informativo nº 778)