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STF. ADI 6338/DF
Tese Firmada: É constitucional o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segundo o qual é: (i) cabível a utilização da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para apuração de fraude à cota de gênero; e (ii) imperativa a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos beneficiados por essa fraude.
Questão Jurídica: Candidaturas femininas nas eleições proporcionais: punição no caso de fraudes e limitação de seu alcance
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 c/c art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990. Consequências pela fraude à cota de gênero. Inelegibilidade dos envolvidos e cassação do registro ou do diploma dos diretamente beneficiados. Pedido de atribuição de interpretação conforme à Constituição. Improcedência do pedido. 1. Rejeição da preliminar arguida pelo Procurador-Geral da República. Se constatada a existência de mais de uma interpretação possível da segunda parte do art. 22, XIV, da LC 64/1990, mostra-se viável, em tese, o emprego das técnicas hermenêuticas em conformidade com a Constituição e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto. 2. Segundo os dados disponibilizados pela Inter-Parlamentary Union, em dezembro de 2022, o Brasil ocupava a 129ª (centésima vigésima nona) posição no ranking de mulheres no parlamento do total de 187 (cento e oitenta e sete) países avaliados. 2.1. Na América do Sul, o Brasil, nos termos do relatório divulgado pela Inter-Parlamentary Union, só fica à frente do Paraguai (131º). Se considerarmos a América Central e a a América do Norte, só ficamos à frente de Belize (156º), de Antígua e Barbuda (160º) e de Santa Lúcia (160º). 2.2. Os números assustam e revelam que, apesar de uma pequena e gradual evolução nos últimos anos, a participação feminina na política ainda se mostra aquém do desejável, sendo necessário uma atuação mais energética do Estado para atingir melhores níveis de paridade entre os gêneros. 3. A atuação recente deste Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral consubstanciada em julgamentos proferidos por ambas as Cortes tem sido bastante enfática na necessidade de afastar estigmas históricos, culturais, sociais, profissionais e jurídicos no que diz respeito aos direitos das mulheres. 4. A transposição das disposições constitucionais e legais para o mundo factual não prescinde, na atual conjuntura social, de um arcabouço sancionatório adequado e eficiente que possibilite, ainda que por meio da coerção estatal, a transformação de condutas, em ordem a proporcionar no domínio fenomenológico a igualdade entre homens e mulheres. 5. Em 1997, aprovada a Lei 9.504/1997, que dispunha, no art. 10, § 3º, em sua redação original, sobre a reserva mínima de 30% (trinta por cento) de candidaturas para cada gênero. A prática, contudo, evidenciou a absoluta inefetividade da norma referida. 5.1. À época vigia o caput do art. 10 em sua redação original, que fixava um limite de candidaturas a serem registradas por partido até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de vagas em disputa. Havia, assim, um quantitativo absoluto de candidatos por agremiação partidária. Nessa ordem de ideias, aplicando a literalidade do § 3º do art. 10, o Tribunal Superior Eleitoral entendia que, a partir do máximo de postulantes estipulados por lei, 30% (trinta por cento) das vagas potencialmente registradas por cada partido deveriam ser reservadas para determinado gênero, sendo, no entanto, completamente desnecessário o seu preenchimento efetivo. 5.2. Assim, o não preenchimento do número mínimo de candidaturas por gênero trazia consequência nenhuma, desde que houvesse a reserva estabelecida em lei. A inexistência de sanção pelo descumprimento da reserva legal de vagas por gênero tornou a prescrição normativa rigorosamente ineficaz e irrelevante do ponto de vista prático. 6. O art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 foi alterado pela Lei 12.034/2009, passando a prescrever, em caráter imperativo, que, em eleições proporcionais, cada partido e coligação deve preencher o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Os percentuais fixados em lei passaram a ser cogentes e aferidos de acordo e em conformidade com o número de candidatos efetivamente lançados e registrados por cada partido. 7. Fraudar a cota de gênero – consubstanciada no lançamento fictício de candidaturas femininas, ou seja, são incluídos, na lista de candidatos dos partidos, nomes de mulheres tão somente para preencher o mínimo de 30% (trinta por cento), sem o empreendimento de atos de campanhas, arrecadação de recursos, dentre outros – materializa conduta transgressora da cidadania (CF, art. 1º, II), do pluralismo político (CF, art. 1º, V), da isonomia (CF, art. 5º, I). 8. A perpetração da fraude às cotas permite às agremiações o lançamento de maior número de candidatos, sem o efetivo adimplemento do percentual mínimo estipulado em lei, violando os valores constitucionais acima mencionados e tem efeito drástico e perverso na legitimidade, na normalidade e na lisura das eleições e na formação da vontade do eleitorado (CF, art. 1º, parágrafo único e art. 14, caput, § 9º). 9. O Direito, como instrumento de pacificação social e de transformação de condutas, em absoluto prescinde do uso da força em determinadas circunstâncias previamente estipuladas e por agentes devidamente legitimados. Na verdade, a expectativa de real e efetiva punição se mostra como elemento indispensável para atingir a conduta socialmente desejável. 10. O abrandamento das consequências que advém da fraude à cota de gênero acarretaria um incentivo, por meio de decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, ao descumprimento, sub-reptício, das disposições legais aplicáveis. 11. A interpretação conforme à Constituição postulada, no caso, conflita com a literalidade do dispositivo normativo e subverte a lógica da intenção legislativa, motivo pelo qual também se mostra inadequada, na espécie, ante a necessidade de manutenção da vontade do legislador. 12. Não há falar em violação do princípio da proporcionalidade. Isso porque a interpretação do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 c/c art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990 é: (i) adequada, porquanto apta punir todos os envolvidos nas práticas fraudulentas, bem como extirpar do ordenamento jurídico os efeitos decorrentes dos atos abusivos, mediante a cassação do registro ou do diploma de todos que deles se beneficiaram; (ii) necessária para evitar a contumaz recalcitrância das agremiações partidárias no adimplemento da ação afirmativa (cota de gênero) instituída pelo legislador, de modo a transformar as condutas eleitorais, incentivando, efetivamente, a participação feminina na política; (iii) proporcional em sentido estrito, tendo em vista que, ao contrário do sustentado, não acarreta desestímulo para participação do pleito e incentiva os partidos a fomentarem, a desenvolverem e a integrarem a participação feminina na política. 13. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Pedido julgado improcedente. (ADI 6338, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 06-06-2023 PUBLIC 07-06-2023)