STF. ADI 4859/PI

Enunciado: É inconstitucional — por violar a independência do Poder Judiciário — norma estadual que permite que a Secretaria de Fazenda do estado retenha, na fonte, as contribuições previdenciárias devidas pelo Poder Judiciário, e por seus membros e servidores. São constitucionais normas estaduais que impõem a participação do Poder Judiciário no financiamento do sistema previdenciário estadual mediante (i) a cobertura de déficits e o custeio do regime próprio de previdência social; (ii) o recolhimento da contribuição patronal relativa a seus servidores inativos e pensionistas; ou (iii) o custeio do abono de permanência dos seus membros e servidores.

Tese Firmada: “1. É constitucional norma de lei estadual que imponha ao Poder Judiciário (i) participar, juntamente com os demais poderes e órgãos autônomos, da cobertura de déficit e do custeio do regime próprio de previdência social e (ii) realizar o pagamento do abono de permanência dos seus membros e servidores. 2. É inconstitucional norma de lei estadual que autorize a Secretaria de Estado de Fazenda a reter o valor correspondente às contribuições previdenciárias devidas pelo Poder Judiciário, seus membros e servidores.”

Questão Jurídica: Sistema previdenciário estadual e participação do Poder Judiciário

Ementa: Direito constitucional e previdenciário. Ação direta de inconstitucionalidade. Leis complementares do Estado do Piauí. Participação do Judiciário no custeio do regime próprio de previdência social. 1. Ação direta contra dispositivos das Leis Complementares nºs 39/2004 e 40/2004, do Estado do Piauí, que, entre outras providências, (i) preveem como fonte de recursos do fundo de previdência o aporte de capital financeiro e a cobertura de déficit do regime próprio de previdência social por todos os poderes e órgãos autônomos do Estado, (ii) permitem à Secretaria de Fazenda do Estado reter na fonte as contribuições previdenciárias, inclusive as dos servidores e membros do Poder Judiciário e (iii) impõem a esse poder o custeio do abono de permanência dos seus membros e servidores. Alegação de afronta à autonomia financeira do Judiciário (CF, art. 99, § 1º). 2. A questão em debate é relevante. A independência do Poder Judiciário é um elemento essencial do Estado democrático de Direito. O controle recíproco entre as esferas de poder, que evita que alguma delas assuma um viés autoritário, somente se mostra efetivo quando exercido por órgãos independentes, livres de qualquer pressão externa. 3. Cobertura de déficit do regime previdenciário pelo Judiciário. Ausência de ofensa à sua independência. A cobertura de déficit, no regime de repartição simples (CF, art. 40, caput), é dever do Estado. A ótica contributiva e solidária desse regime impõe não só que uns segurados financiem as prestações de outros, mas também que o Estado, responsável pelo gerenciamento de todo o sistema, responda por eventuais insuficiências. E, ao falar-se em Estado, não há por que se considerar apenas o Poder Executivo se o regime próprio de previdência social é único para todo o ente federado, compreendendo não só os servidores titulares de cargo efetivo daquele poder, mas também os servidores e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas (art. 40, § 20, da CF). 4. Retenção, pela Secretaria de Fazenda, das contribuições devidas pelo Judiciário, seus membros e servidores. Inconstitucionalidade do art. 7º da LC nº 39/2004. A autonomia financeira e orçamentária do Poder Judiciário envolve dois aspectos principais: (i) a prerrogativa de elaborar a própria proposta orçamentária (CF, art. 99, § 1º); e (ii) o direito de receber os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, em duodécimos, até o dia 20 de cada mês (CF, art. 168). O repasse dos duodécimos deve abranger a integralidade das verbas destinadas a cada poder, porque a ele cabe gerenciar os seus próprios recursos. Precedentes. 5. Custeio do abono de permanência pelo Judiciário. O abono de permanência é uma contraprestação pela continuidade em serviço para além do tempo necessário, de caráter remuneratório. Assim sendo, compete a cada Poder ou órgão autônomo arcar com o pagamento dessa parcela, para os respectivos membros e servidores públicos. 6. Ação direta conhecida em parte e, nessa parte, pedido julgado parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei Complementar nº 39/2004, do Estado do Piauí. 7. Fixação da seguinte tese de julgamento: “É constitucional norma de lei estadual que imponha ao Poder Judiciário (i) participar, juntamente com os demais poderes e órgãos autônomos, da cobertura de déficit e do custeio do regime próprio de previdência social e (ii) realizar o pagamento do abono de permanência dos seus membros e servidores. 2. É inconstitucional norma de lei estadual que autorize a Secretaria de Estado de Fazenda a reter o valor correspondente às contribuições previdenciárias devidas pelo Poder Judiciário, seus membros e servidores”. (ADI 4859, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-03-2023 PUBLIC 28-03-2023)