STJ. REsp 1.707.468-RS

Enunciado: Com efeito, a Lei n. 11.101/2005 - que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária - dispõe que "a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (art. 47). De acordo com a doutrina, em razão da sua natureza principiológica, esse dispositivo legal deve servir de norte à condução dos trabalhos a serem desempenhados por todos os atores do processo de soerguimento, sobretudo pelo juiz, responsável por assegurar a legalidade do feito e a regular consecução das obrigações do plano, viabilizando o alcance do objetivo central da recuperação - de superação da situação de crise econômico-financeira pelo devedor empresário -, de sorte a compatibilizar o conjunto de interesses atingidos pela crise da empresa, isto é, credores, empregados, fornecedores e demais agentes, em observância à preservação da função social da empresa. A concessão da recuperação judicial, a seu turno, com homologação do respectivo plano, será efetuada pelo juiz, a requerimento do devedor (empresário ou sociedade empresária), se cumpridos os pressupostos legais, podendo "determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência" (art. 61 da Lei n. 11.101/2005). Esse período máximo pelo qual deve perdurar o estado recuperacional do devedor representa o limite pelo qual o cumprimento das obrigações do plano se sujeitará à supervisão judicial, inexistindo óbice de previsão, no plano, de obrigações excedentes a esse prazo, após o qual se transfere esse encargo aos credores. Disso decorre que a finalização exitosa da recuperação pressupõe a prolação de sentença judicial, não se operando automaticamente, com o implemento do segundo aniversário de concessão e homologação do plano de soerguimento, de forma a perdurar o estado de supervisão judicial, enquanto não proferida a respectiva decisão jurisdicional de ultimação do estado recuperacional (art. 63 da Lei n. 11.101/2005). Ocorrendo o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano durante o período de supervisão judicial, a lei de regência viabiliza a convolação da recuperação em falência, nos estreitos lindes estabelecidos nos arts. 61, § 1º, e 73, IV, da Lei n. 11.101/2005.

Tese Firmada: É possível a convolação da recuperação judicial em falência após o transcurso do prazo bienal de supervisão judicial, enquanto não houver decisão judicial de encerramento da recuperação.

Questão Jurídica: Recuperação judicial. Convolação em falência. Decurso do prazo bienal. Possibilidade. Supervisão judicial. Encerramento da recuperação. Decisão jurisdicional de ultimação do estado recuperacional.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONVOLAÇÃO EM FALÊNCIA. ROL LEGAL TAXATIVO. AMPLIAÇÃO DO ALCANCE DE DISPOSITIVO LEGAL. DESCABIMENTO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONSTANTE DO PLANO. CONJECTURA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional, a possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência após o transcurso do prazo bienal de supervisão judicial, mas sem que tenha havido decisão judicial de encerramento da recuperação, com base apenas em pedido da recuperanda de realização de nova assembleia geral de credores para modificação do plano de soerguimento, ante a alegada inviabilidade de consecução do plano vigente. 2. As hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência arroladas no art. 73 da Lei n. 11.101/2005 são taxativas, em virtude da consequência gravosa que dela decorre, equivalendo-se a uma penalidade legalmente imposta ao devedor em soerguimento, sendo suscetível, por isso, de interpretação restritiva. 3.Não cabe ao Juízo da recuperação antecipar-se no decreto falimentar, antevendo uma possível (mas incerta) inexecução das obrigações constantes do plano, a pretexto de incidência do art. 61, § 1º e, por conseguinte, do art. 73, IV, ambos da Lei n. 11.101/2005, sem que efetivamente tenha ocorrido o descumprimento, pois tal proceder caracteriza uma ampliação indevida do alcance da norma, conferindo interpretação extensiva a dispositivo legal que só comporta interpretação restritiva. 4. Inexistindo notícia nos autos acerca do efetivo cumprimento das obrigações do plano, a fim de subsidiar a sentença de encerramento da recuperação ou, caso contrário, de convolação em falência, impõe-se a devolução dos autos à origem para diligenciar nesse sentido e decidir conforme o entendimento ora delineado. 5. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.707.468-RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze,Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 8/11/2022 - Publicado no Informativo nº 762)