STJ. REsp 1.324.978-SP

Enunciado: A carta de crédito internacional (letter of credit) é uma modalidade de crédito utilizada para viabilizar operações de comércio internacional, envolvendo importação e exportação de mercadorias, a fim de garantir o pagamento dos bens adquiridos no estrangeiro. Em geral, o importador (tomador ou proponente) contrata o crédito com uma instituição financeira (banco emitente), que emite as cartas de crédito e se responsabiliza pelo pagamento da transação ao exportador (beneficiário) e, ao final, o importador deve pagar os valores contratados diretamente ao banco emitente. Trata-se de um crédito documentário, ou crédito documentado, uma vez que o pagamento dos valores contratados se vincula à entrega, pelo exportador estrangeiro, dos documentos de embarque, que comprovam o cumprimento dos termos e condições apostos na carta de crédito. No tocante à questão, a Quarta Turma já se manifestou no sentido de que o crédito documentário, ou crédito documentado, consiste "(...) no ajuste, geralmente, entre o comprador de mercadoria e instituição financeira, para que esta libere o crédito ao vendedor da mercadoria, mediante apresentação dos documentos exigidos. Contrato caracterizado pela triangularização de transações entre comprador, vendedor e instituição financeira, com liberação do crédito condicionada à apresentação da documentação da venda, comumente chamado de vendor" (REsp n. 1.022.034/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/3/2013, DJe 18/4/2013). Adicionalmente, é possível que as partes façam uso da figura de um segundo banco, normalmente domiciliado no país do exportador, o chamado de banco confirmador, o que enseja dupla garantia de pagamento dos valores ao exportador. Trata-se de uma obrigação autônoma na qual o banco confirmador se compromete a atender as obrigações assumidas pelo banco emitente perante o exportador. No caso ora em exame, o banco confirmador, cumprindo suas obrigações e compromissos para com o banco emissor da carta de crédito e os beneficiários exportadores, diante do inadimplemento do banco emitente, realizou os pagamentos diretamente aos exportadores estrangeiros, quitando a obrigação principal irrevogável e, assim, sub-rogou-se na condição de credor inerente ao banco emissor perante o importador nacional, devedor principal, o qual recebeu as mercadorias importadas e nada comprovou haver quitado, até esta parte, seja junto ao banco emissor, seja junto aos exportadores estrangeiros. Cumpre ressaltar que, nos termos da UCP 500 (Uniform Customs and Practice for Documentary Credits), vigente à época da contração, que estabelece costumes e práticas uniformes para créditos documentários, sendo amplamente adotada pelos bancos quanto à delimitação de responsabilidades das partes envolvidas na contratação de créditos documentários, ao autorizar ou solicitar outro banco para adicionar sua confirmação na carta de crédito, o banco emitente autoriza o banco confirmador, ao cumprir suas obrigações perante o beneficiário, desde que os documentos apresentados aparentem estar em conformidade com os termos e condições da carta de crédito, se comprometendo a reembolsá-lo, o que constitui um compromisso adicional ao do banco emissor. Ainda, conforme dispõe a UCP 500, as cartas de crédito, por sua natureza, são transações separadas dos contratos de compra venda ou de quaisquer outros contratos firmados durante a operação, não estando os bancos vinculados por tais contratos, ainda que a carta de crédito faça referência a eles. Isso significa que o banco confirmador é um típico terceiro interessado, pois seu compromisso de cumprir com as obrigações decorrentes da carta de crédito não está sujeito a reclamações ou oposição de exceções pessoais pelo tomador (importador nacional), em decorrência de suas relações com o banco emitente ou com o beneficiário (exportador estrangeiro). Nesse contexto, considerando a cadeia de relações existentes na contratação do crédito documentário, irrecusável a relação jurídica que obriga a importadora, junto ao banco confirmador, sub-rogado nos direitos e obrigações do banco emitente, podendo este exigir o pagamento dos valores relativos às cartas de crédito diretamente da importadora.

Tese Firmada: O importador nacional responde pelos valores pagos pelo banco confirmador ao exportador estrangeiro, na hipótese de insolvência do banco emissor de carta de crédito internacional (letter ofcredit - L/C) emitida ao amparo de operação de importação.

Questão Jurídica: Importação de mercadoria. Emissão de Cartas de Crédito Internacional (letter of credit - L/C). Inadimplência do banco emitente. Banco confirmador cumpriu as obrigações e compromissos para com o banco emissor da carta de crédito e os beneficiários exportadores. Subrogação na condição de credor inerente ao banco emissor. Importador nacional. Devedor principal. Pagamento. Incumbência.

Ementa: DIREITO BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CRÉDITO DOCUMENTÁRIO. CARTA DE CRÉDITO INTERNACIONAL. RELAÇÕES JURÍDICAS. AUTONOMIA. PAGAMENTO. OBRIGAÇÃO IRREVOGÁVEL. BANCO CONFIRMADOR. TERCEIRO INTERESSADO. SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO EXPORTADOR. LEGITIMIDADE DO BANCO CONFIRMADOR. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O crédito documentário engloba uma cadeia de distintas relações jurídicas, sendo a principal a que institui a obrigação irrevogável de pagamento da carta de crédito internacional, tida entre o banco emitente e o exportador estrangeiro. Eventualmente, a partes contratantes podem optar por fazer uso de um banco confirmador domiciliado no país do exportador. 2. Nos termos da UCP 500, vigente à época da contratação da operação sub judice, as cartas de crédito são transações separadas dos contratos de compra e venda. Todavia, o banco confirmador, ao efetuar o pagamento ao exportador estrangeiro em nome do banco emitente, atua como típico terceiro interessado, sub-rogando-se nos direitos do exportador, inclusive em relação ao contrato de compra/importação e venda/exportação. 3. Nesse contexto, em decorrência da sub-rogação operada, é patente a legitimidade do banco confirmador para exigir o pagamento dos valores relativos às cartas de crédito diretamente da importadora. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ. REsp 1.324.978-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023 - Publicado no Informativo nº 764)