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STJ. REsp 1.866.232-SP
Enunciado: A controvérsia diz respeito a verificar se seria possível, em ação visando à cessação da veiculação de publicidade supostamente enganosa, a inversão do ônus da prova a que alude o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo quando em demanda envolvendo concorrência desleal. No caso, sociedade empresária do ramo de lanchonetes busca fazer cessar propaganda supostamente enganosa veiculada por sociedade empresária concorrente consistente no uso da frase "The Best Burger in the World", traduzida em português por "O melhor hambúrguer do mundo" em todo seu material publicitário e nas fachadas dos restaurantes. De acordo com a teoria do diálogo das fontes, as fontes normativas, que hoje são plurais e, em muitos casos, convergentes, no lugar de apenas se excluírem mutuamente, devem também, frequentemente, dialogar entre si, cabendo ao aplicador do Direito coordená-las. Considerando especificamente a relação existente entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor, o diálogo se dá, nesse caso específico, sob a forma de coordenação e de adaptação sistemática. No entanto, esse diálogo de coordenação e de adaptação sistemática entre Direito da Concorrência e Direito do Consumidor apenas ocorre quando, de um lado, as normas consumeristas reforçam a proteção ao mercado concorrencial, ou quando, de outro lado, as normas concorrenciais somam esforços na proteção do consumidor. Isso, porém, não é o que se verifica no que diz respeito especificamente à norma prevista no art. 38 do CDC. A inversão automática do ônus da prova está fundada no pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, especialmente no que diz respeito à publicidade, com o objetivo de garantir a igualdade material e de reforçar a sua proteção, inclusive no acesso à Justiça. Com efeito, em demanda envolvendo Direito da Concorrência, não se mostra correta a presunção de vulnerabilidade da parte autora, não se justificando a inversão direta e automática determinada pelo art. 38 do CDC. Note-se que, na eventualidade de se verificar que, em determinada ação envolvendo Direito da Concorrência, seria particularmente impossível ou excessivamente dificultoso ao autor assumir o ônus da prova, é perfeitamente possível ao juízo da causa a distribuição dinâmica desse ônus, conforme autoriza o art. 373, § 1º, do CPC, que ocorreria ope judicis e especificamente para o caso concreto, diferentemente do quanto preconiza o art. 38 do CDC. Ademais, a aplicação da norma prevista no art. 38 do CDC às relações concorrenciais, além de não se mostrar necessária, diante do quanto previsto no art. 373, § 1º, do CPC, poderia - paradoxalmente - ser utilizada, em determinadas circunstâncias, justamente como instrumento anticoncorrencial. Com efeito, o abuso do direito de ação é uma das formas pelas quais se pode revestir a infração à ordem econômica. Em conduta que ficou conhecida pelo termo em inglês sham litigation, o agente econômico pode se valer de litígio simulado - cuja solução, a rigor, lhe seria irrelevante - para prejudicar a atividade de um pequeno concorrente, que passa a ter que se defender em processo longo e dispendioso, com resultado incerto. Nesses casos, o processo é utilizado não com o fim de obter o provimento jurisdicional, mas, sim, como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado. Nesse contexto, a inversão automática do ônus da prova prevista pelo art. 38 do CDC poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando esse tipo de estratégia anticoncorrencial, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda frívola, o ônus da prova estaria direta e automaticamente imposto ao concorrente com menor porte econômico.
Tese Firmada: A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.
Questão Jurídica: Ação fundada em publicidade enganosa. Autora. Sociedade empresária concorrente. Código de Defesa doConsumidor (CDC). Aplicação. Não cabimento. Inversão do ônus da prova ope legis. Diálogo das fontes. Diálogo de coordenação e de adaptação. Igualdade material entre as partes. Vulnerabilidade. Não configuração. Abuso de direito. Sham litigation. Possibilidade.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL E DIREITO ECONÔMICO. DIREITO DA CONCORRÊNCIA. AÇÃO FUNDADA EM PUBLICIDADE ENGANOSA, PROPOSTA POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA CONCORRENTE E NÃO POR CONSUMIDOR. ALEGADA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 38 DO CDC NÃO CONFIGURADA. NORMAS RELATIVAS À PUBLICIDADE PREVISTAS NO CDC QUE SE APLICAM TAMBÉM À RELAÇÃO ENTRE CONCORRENTES E NÃO APENAS À RELAÇÃO COM O CONSUMIDOR. NORMAS QUE ACABAM POR AMPLIAR TAMBÉM A DEFESA DA CONCORRÊNCIA. DIÁLOGO DAS FONTES. DIÁLOGO DE COORDENAÇÃO E DE ADAPTAÇÃO SISTEMÁTICA ENTRE DIREITO DA CONCORRÊNCIA E DIREITO DO CONSUMIDOR. ART. 38 DO CDC QUE, NO ENTANTO, NÃO DEVE SER OBSERVADO NA RELAÇÃO CONCORRENCIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA OPE LEGIS QUE NÃO SE JUSTIFICA EM RELAÇÕES CONCORRENCIAIS. NORMA QUE NÃO APENAS NÃO REPRESENTA INCREMENTO À DEFESA DA CONCORRÊNCIA COMO AINDA, EM DETERMINADAS CIRCUNSTÂNCIAS, PODE PREJUDICÁ-LA. 1. Violação do arts. 489, § 1º, IV, e do art. 1.022, II, do CPC não configurada, tendo o Tribunal de origem se manifestado de forma clara e suficiente acerca de todas as alegações relevantes à solução da lide. 2. Caso concreto em que a controvérsia recursal versa acerca da possibilidade de aplicação da inversão do ônus da prova operada de forma direta e automática pelo art. 38 do CDC às ações fundadas em publicidade enganosa propostas não por consumidor, mas por sociedade empresária concorrente. 3. Direito da Concorrência e Direito do Consumidor que apresentam relação simbiótica, pois, em termos gerais, quanto maior a concorrência, maior tende a ser o bem-estar do consumidor e que, quanto maior a proteção do consumidor, mais justa e leal tende a ser a concorrência. 4. Normas previstas no CDC relativas ao limites da publicidade ao consumidor, incluindo a proibição às publicidades enganosa e abusiva, que se aplicam também às relações concorrenciais, uma vez que elas acabam por reforçar a defesa da concorrência. 5. Diálogo de coordenação e de adaptação sistemática entre as normas do Direito da Concorrência e as do Direito do Consumidor que, no entanto, não alcança o art. 38 do CDC, que impõe, ope legis, a inversão do ônus da prova em desfavor do anunciante. 6. Norma que tem como fundamento a vulnerabilidade do consumidor e como objetivo garantir a igualdade material e reforçar sua proteção, inclusive no acesso à Justiça. 7. Vulnerabilidade que não pode ser pressuposta, como regra, na relação concorrencial. Norma do art. 38 do CDC cuja aplicação não se justifica nas relações concorrenciais por não reforçar a defesa da concorrência. 8. Eventual dificuldade ou mesmo impossibilidade de o autor arcar com o ônus da prova, verificada no caso concreto, que pode ser resolvida por meio da distribuição dinâmica do ônus da prova. Art. 373, § 1º, do CPC. 9. Inversão determinada "ope legis" que, em alguns casos, poderia até mesmo prejudicar a defesa da concorrência, já que acabaria por facilitar o abuso do direito de ação com finalidade anticoncorrencial, em prática amplamente conhecida pelo termo em inglês "sham litigation". 10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ. REsp 1.866.232-SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023 - Publicado no Informativo nº 768)