STJ. REsp 1.742.102-MG

Enunciado: Após a retomada do bem pelo credor fiduciário, a venda (judicial ou extrajudicialmente) é premissa básica, constituindo essa uma obrigação estabelecida por lei, razão pela qual a mercancia do bem e a aplicação do preço auferido no pagamento do crédito e nas despesas de cobrança, é algo certo. Com a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, o dispositivo específico do Decreto-Lei n. 911/1969 (artigo 2º) foi acrescido da obrigatoriedade do credor fiduciário promover a devida prestação de contas: "No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas". Como se vê, a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor, principalmente após a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, que alterou o art. 2° do Decreto-Lei n. 911/1969, a qual estabeleceu, expressamente, ser do proprietário fiduciário o dever de prestar contas. Obviamente, não é o devedor fiduciário quem deve promover a devida prestação de contas - não se presta contas de débito, notadamente quando não mais está na administração de interesses alheios - sendo tal obrigação do credor fiduciário, afinal foi esse quem retomou o bem e consolidou a propriedade fiduciária e tem o encargo de promover a sua venda e o devido abatimento dos custos da operação e da dívida, para, em havendo saldo, realizar a entrega ao devedor. Também não constitui ônus da devedora fiduciária apurar qual o valor/o preço obtido com a alienação, bem como das despesas relativas à cobrança do crédito, isso porque não foi ela quem promoveu a mercancia do produto (judicial ou extrajudicialmente), não tendo como lhe ser transferida uma obrigação alheia.

Tese Firmada: No procedimento da consolidação da propriedade fiduciária pelo Decreto n. 911/1969, compete ao credor fiduciário, após a consolidação da propriedade decorrente da mora do devedor, o ônus de comprovar a venda do bem e o valor auferido com a alienação.

Questão Jurídica: Busca e apreensão. Decreto n. 911/1969. Consolidação da propriedade fiduciária. Venda do bem. Eventual saldo. Credor fiduciário. Ônus de comprovar a alienação e o preço de venda.

Ementa: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO PELO DECRETO Nº 911/69 - CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA - VENDA DO BEM - TRIBUNAL A QUO QUE, DE OFÍCIO, CASSOU A SENTENÇA E DETERMINOU O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM A FIM DE QUE FOSSE ANALISADO PEDIDO DA DEMANDADA ATINENTE A EVENTUAL SALDO, CARREANDO Á DEVEDORA FIDUCIÁRIA O ÔNUS DE COMPROVAR A ALIENAÇÃO E O PREÇO DE VENDA - RECURSO INTERPOSTO SOMENTE PELA PARTE RÉ. Hipótese: Controvérsia atinente ao ônus de comprovar a venda do bem e o preço auferido com a alienação no procedimento da consolidação da propriedade fiduciária pelo Decreto nº 911/69. 1. É do credor fiduciário, após a consolidação da propriedade fiduciária decorrente da mora do devedor, o ônus de comprovar a venda do bem e o valor auferido com a alienação, porquanto a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor, principalmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.043/2014, que alterou o art. 2° do Decreto-Lei nº 911/1969, a qual consignou, expressamente, a obrigação do credor fiduciário de prestar contas. 2. As questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor, em princípio, não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. Precedentes. 2.1 Impossibilidade de aplicação do referido entendimento nesse momento processual, pois não houve recurso manejado pela autora/credora fiduciária contra o acórdão que, de ofício, cassou a sentença e determinou o retorno dos autos à origem para que houvesse expressa manifestação acerca do pleito formulado pela ré. Incidência do princípio do non reformatio in pejus. 3. Recurso especial parcialmente provido para consignar ser do credor fiduciário o ônus de comprovar a venda do bem, o valor auferido com a alienação e eventual saldo remanescente. (STJ. REsp 1.742.102-MG, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/3/2023 - Publicado no Informativo nº 769)