STJ. REsp 1.896.515-RS

Enunciado: A controvérsia consiste em definir se, à luz do art. 114 da Lei n. 8.213/1991, o crédito inscrito em precatório decorrente de parcelas vencidas de benefício previdenciário pode ser objeto de cessão a terceiros. Nos termos do art. 100, §§ 13 e 14, da Constituição Federal, na redação conferida pela EC n. 62/2009, o titular de créditos inscritos em precatório pode cedê-los a terceiros sem necessidade de anuência da Fazenda Pública, sendo a produção de efeitos do negócio jurídico condicionada apenas à comunicação ao tribunal de origem e à entidade devedora. Depreende-se que o legislador constituinte não restringiu a cessão de precatórios em função da natureza do crédito da qual se origina, alcançando, por conseguinte, os débitos alimentares, definidos pelo § 1º do art. 100 da Lei Maior como "[...] aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil". Nesses casos, por expressa previsão do destacado § 13, conquanto preservada a natureza alimentar dos precatórios cedidos, a transferência creditícia implica o afastamento das preferências subjetivas arroladas nos §§ 2º e 3º do art. 100 da Constituição Federal. Além disso, a instituição de mecanismo de transmissão desses créditos tem por escopo facultar ao credor, mediante negociações entabuladas com eventuais interessados na sua aquisição com deságio, a percepção imediata de valores que somente seriam obtidos quando da quitação da dívida pelo poder público, cujo notório inadimplemento fomenta a instituição de mercado dos respectivos títulos. Por essa sistemática, outorga-se ao credor juízo definitivo acerca do interesse em receber os valores a que faz jus de maneira expedita, embora com redução do montante em virtude de acordos onerosos firmados com terceiros, ou aguardar a quitação integral do título pela entidade devedora em momento posterior. Trata-se de regramento favorável ao credor, maior interessado na eventual formalização de ajustes privados para permitir a satisfação de direito reconhecido judicialmente em tempo hábil a suprir-lhe as necessidades financeiras. Portanto, a cessão de créditos inscritos em precatórios, autorizada pelo art. 100, §§ 13 e 14, da Constituição Federal, permite ao credor, mediante negociações entabuladas com eventuais interessados na aquisição do direito creditício com deságio, a percepção imediata de valores que somente seriam obtidos quando da quitação da dívida pelo poder público, cujo notório inadimplemento fomenta a instituição de mercado dos respectivos títulos, abrangendo, inclusive, as parcelas de natureza alimentar.

Tese Firmada: O crédito inscrito em precatório oriundo de ação previdenciária pode ser objeto de cessão a terceiros.

Questão Jurídica: Cessão de crédito inscrito em precatório. Possibilidade. Art. 100, §§ 13 e 14, da Constituição Federal.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 128, §§ 4º E 5º DA LEI N. 8.213/1991. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE OFENSA A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF. CESSÃO DE CRÉDITO INSCRITO EM PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. ART. 100, §§ 13 E 14, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 114 DA LEI N. 8.213/1991. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DO BENEFÍCIO PER SE QUE NÃO OBSTA A CESSÃO DE CRÉDITO ORIUNDO DE AÇÃO PREVIDENCIÁRIA INSCRITO EM PRECATÓRIO. VIABILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL EX OFFICIO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSMISSÃO CREDITÍCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 168, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015. II - A jurisprudência deste Tribunal Superior considera que quando a arguição de ofensa ao dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se, por analogia, o entendimento da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. III - A cessão de créditos inscritos em precatórios, autorizada pelo art. 100, §§ 13 e 14, da Constituição da República, permite ao credor, mediante negociações entabuladas com eventuais interessados na aquisição do direito creditício com deságio, a percepção imediata de valores que somente seriam obtidos quando da quitação da dívida pelo Poder Público, cujo notório inadimplemento fomenta a instituição de mercado dos respectivos títulos, abrangendo, inclusive, as parcelas de natureza alimentar. IV - Conquanto o princípio da intangibilidade das prestações da Previdência Social, estampado no art. 114 da Lei n. 8.213/1991, vede a cessão dos benefícios per se, obstando, por conseguinte, a alienação ou transmissão irrestrita de direitos personalíssimos e indisponíveis, ao titular de crédito inscrito em precatório, inclusive o oriundo de ação previdenciária, faculta-se a transferência creditícia do título representativo a terceiros, porquanto direito patrimonial disponível passível de livre negociação. V - A possibilidade de cessão de precatórios decorrentes de ações previdenciárias não impede o juiz de controlar ex officio a validade de sua transmissão, negando a produção de efeitos a negócios jurídicos eivados de nulidade, independentemente de ajuizamento de ação própria, como dispõe o art. 168, parágrafo único, do Código Civil. VI - Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ. REsp 1.896.515-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023, DJe 17/4/2023 - Publicado no Informativo nº 771)