STJ. REsp 1.402.929-DF

Enunciado: A reação adversa, por si só, não constitui em motivo suficiente para configurar a responsabilidade do fabricante do medicamento. Isso porque a teoria do risco da atividade do negócio ou empreendimento adotada no Sistema do Código de Defesa do Consumidor não tem caráter absoluto, integral ou irrestrito, na medida em que admite exceções ou exclusões, dado que o dever de indenizar exige requisitos específicos, entre os quais o defeito do produto, sem o qual não se configura a responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Os medicamentos caracterizam-se como produtos de risco intrínseco, inerente, nos quais os perigos decorrem da sua própria utilização e da finalidade para a qual se destinam, sendo do conhecimento comum que a inoculação de qualquer remédio, seja por via oral ou injetável, tem potencial para ensejar reações adversas, as quais, ainda que sejam suportadas pelo consumidor, não configuram defeito do produto, afastando, em consequência, a obrigação de indenizar, desde que a potencialidade e a frequência desses efeitos nocivos estejam descritas na bula, em cumprimento ao dever de informação do fabricante. A responsabilidade do fornecedor de medicamentos, segundo o sistema adotado pelo Código de Defesa de Consumidor, restringe-se aos casos em que for constatado defeito no produto, seja de concepção, fabricação ou de informação, e não os riscos normais e esperados, assim considerados os decorrentes da própria nocividade dos efeitos adversos de seus princípios ativos, situação que se verifica na generalidade dos casos de administração de remédios. Essa conclusão não se altera em decorrência do medicamento estar incluído entre aqueles que podem ser adquiridos sem necessidade de prescrição médica, por apresentarem baixo grau de risco em sua ingestão, nocividade reduzida, destinarem-se ao tratamento de enfermidades simples e passageiras e não terem potencial de causar dependência física ou psíquica, conforme previsto em regulamentação específica. A dipirona preenche esses requisitos, diante da constatação de que a possibilidade de reação alérgica é ocorrência imprevisível e de incidência remotíssima. Sendo incontestável a eficiência da dipirona para os fins a que se destina (analgésico e antitérmico), associada ao fato de que a reação alérgica que acometeu a parte autora da ação, a despeito de gravíssima, está descrita na bula, não decorre propriamente de defeito do fármaco, mas de imprevisível característica do sistema imunológico do paciente, não há que se falar em defeito do produto, pressuposto básico para a obrigação de indenizar do fornecedor.

Tese Firmada: Não é possível responsabilizar o fabricante de medicamento por reação adversa descrita na bula, risco inerente ou intrínseco à sua própria utilização.

Questão Jurídica: Medicamentos. Dipirona. Riscos inerentes à utilização. Descrição na bula. Dever de informação. Cumprimento. Reações adversas. Responsabilização do fornecedor. Não cabimento. Código de Defesa do Consumidor. Teoria do risco da atividade do negócio ou empreendimento. Inaplicabilidade. Inexistência de defeito do produto.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. USO DE MEDICAMENTO. NOVALGINA (DIPIRONA). REAÇÃO ADVERSA (ALERGIA). "SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON". NEXO CAUSAL DEMONSTRADO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRODUTO DE RISCO INERENTE. INEXISTÊNCIA DE DEFEITO DO PRODUTO. MEDICAMENTO ISENTO DE PRESCRIÇÃO. 1. A teoria do risco da atividade ou empreendimento adotada no sistema do Código de Defesa do Consumidor não tem caráter absoluto, integral ou irrestrito, podendo o fabricante exonerar-se do dever de indenizar se comprovar inexistente o defeito do produto (CDC, art. 12, §3º, II). 2. Os medicamentos em geral incluem-se entre os produtos que apresentam riscos intrínsecos, nos quais os perigos são inerentes à própria utilização e decorrem da finalidade a qual se destinam (CDC, art. 8º). 3. A ingestão de medicamentos tem potencial para ensejar reações adversas, que, todavia, não configuram, por si sós, defeito do produto, desde que a potencialidade e a frequência desses efeitos nocivos estejam descritas na bula, em cumprimento ao dever de informação do fabricante. 4. Hipótese em que a bula da novalgina contém advertência sobre a possibilidade de o princípio ativo do medicamento (dipirona), em casos isolados, causar a Síndrome de Stevens-johnson, que acometeu a autora da ação, ou a Síndrome de Lyell, circunstância que demonstra o cumprimento do dever de informação pelo fabricante do remédio. 5. "Em se tratando de produto de periculosidade inerente, cujos riscos são normais à sua natureza (medicamento com contra indicações) e previsíveis (na medida em que o consumidor é deles expressamente advertido), eventual dano por ele causado ao consumidor não enseja a responsabilização do fornecedor, pois, de produto defeituoso, não se cuida" (RESP 1.599.405/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 17.4.2017). 6. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.402.929-DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023 - Publicado no Informativo nº 771)