STJ. REsp 2.056.285-RS

Enunciado: O propósito recursal consiste em dizer se a notificação prévia à inscrição do consumidor em cadastro de inadimplentes, prevista no § 2º do art. 43 do CDC, pode ser realizada, exclusivamente, por e-mail ou por mensagem de texto de celular (SMS). Como é de conhecimento ordinário, a vulnerabilidade do consumidor, presumida pelo CDC, não decorre apenas de fatores econômicos, desdobrando-se em diversas espécies, a saber: a) vulnerabilidade informacional; b) vulnerabilidade técnica; c) vulnerabilidade jurídica ou científica; e d) vulnerabilidade fática ou socioeconômica. Assim, admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail ou por simples mensagem de texto de celular representaria diminuição da proteção do consumidor - conferida pela lei e pela jurisprudência desta Corte -, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido. A regra é que os consumidores possam atuar no mercado de consumo sem mácula alguma em seu nome; a exceção é a inscrição do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes, desde que autorizada pela lei. Está em mira a própria dignidade do consumidor (Art. 4º, caput, do CDC). De acordo com a doutrina, "os arquivos de consumo, em todo o mundo, são vistos com desconfiança. Esse receio não é destituído de fundamento, remontando a quatro traços básicos inerentes a esses organismos e que se chocam com máximas da vida democrática contemporânea, do Welfare State: a unilateralidade (só arquivam dados de um dos sujeitos da relação obrigacional), a invasividade (disseminam informações que, normalmente, integram o repositório da vida privada do cidadão), a parcialidade (enfatizam os aspectos negativos da vida financeira do consumidor) e o descaso pelo due process (negam ao 'negativado' direitos fundamentais garantidos pela ordem constitucional). Por isso mesmo, submetem-se eles a rígido controle legal". Em outras palavras "apesar de facilitar a circulação de informações aptas a subsidiar a concessão de crédito, notou-se que a atividade da coleta, do armazenamento e do fornecimento de dados sobre os hábitos de consumo põe em risco os direitos da personalidade dos consumidores. Há, de fato, manifesta tensão entre os proveitos econômicos da atividade de coleta de dados e a proteção constitucional aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana, razão pela qual se vislumbrou interesse público em sua regulação" (REsp n. 1.630.659/DF, Terceira Turma, julgado em 11/9/2018, DJe de 21/9/2018). Desse modo, não há como se admitir que a notificação do consumidor seja realizada, tão somente, por simples e-mail ou mensagem de texto de celular, por se tratar de exegese ampliativa que, na espécie, não deve ser admitida. Além disso, do exame dos precedentes que deram origem à Súmula 404 do STJ, constata-se que, muito embora afastem a necessidade do aviso de recebimento (AR), não deixam de exigir que a notificação do § 2º do art. 43 do CDC seja realizada mediante envio de correspondência ao endereço do devedor. Não se pode olvidar que a referida súmula, ao dispensar o aviso de recebimento (AR), já operou relevante flexibilização nas formalidades da notificação ora examinada, não se revelando razoável nova flexibilização em prejuízo da parte vulnerável da relação de consumo sem que exista justificativa alguma para tal medida. Nesse sentido, em âmbito doutrinário, é comum a afirmação de que, para o cumprimento da exigência prevista no § 2º do art. 43 do CDC, embora não seja necessário o aviso de recebimento (AR), "basta a comprovação de sua postagem para o endereço informado pelo devedor ao credor".

Tese Firmada: A notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o prévio envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva por meio de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS).

Questão Jurídica: Cadastro de proteção ao crédito. Prévia notificação. Necessidade. Notificação por e-mail ou mensagem de texto de celular. Impossibilidade. Necessidade de correspondência ao endereço do consumidor.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. NECESSIDADE. NOTIFICAÇÃO POR E-MAIL OU MENSAGEM DE TEXTO DE CELULAR. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CORRESPONDÊNCIA AO ENDEREÇO DO CONSUMIDOR. 1. Ação de cancelamento de registro e indenizatória ajuizada em 21/1/2022, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/12/2022 e concluso ao gabinete em 15/3/2023. 2. O propósito recursal consiste em dizer se a notificação prévia à inscrição do consumidor em cadastro de inadimplentes, prevista no §2º, do art. 43, do CDC, pode ser realizada, exclusivamente, por e-mail ou por mensagem de texto de celular (SMS). 3. O Direito do Consumidor, como ramo especial do Direito, possui autonomia e lógica de funcionamento próprias, notadamente por regular relações jurídicas especiais compostas por um sujeito em situação de vulnerabilidade. Toda legislação dedicada à tutela do consumidor tem a mesma finalidade: reequilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, reforçando a posição da parte vulnerável e, quando necessário, impondo restrições a certas práticas comerciais. 4. É dever do órgão mantenedor do cadastro notificar o consumidor previamente à inscrição - e não apenas de que a inscrição foi realizada -, conferindo prazo para que este tenha a chance (I) de pagar a dívida, impedindo a negativação ou (II) de adotar medidas extrajudiciais ou judiciais para se opor à negativação quando ilegal. 5. Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica. 6. A partir de uma interpretação teleológica do §2º, do art. 43, do CDC, e tendo em vista o imperativo de proteção do consumidor como parte vulnerável, conclui-se que a notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva através de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS). 7. Na hipótese dos autos, merece reforma o acórdão recorrido, com o cancelamento das inscrições mencionadas na inicial, pois, à luz das disposições do CDC, não se admite a notificação do consumidor, exclusivamente, através de e-mail ou mensagem de texto de celular. 8. No que diz respeito à eventual compensação por danos morais, não é possível o seu arbitramento neste momento processual, pois não se extrai dos fatos delineados pelo acórdão recorrido a existência ou não, em nome da parte autora, de inscrições preexistentes e válidas além daquelas que compõem o objeto da presente demanda, o que afastaria a caracterização do dano extrapatrimonial alegado. 9. Recurso especial conhecido e provido para determinar o cancelamento das inscrições mencionadas na exordial por ausência da notificação exigida pelo art. 43, § 2º, do CDC, e o retorno dos autos à origem para que examine a caracterização ou não dos danos morais, a partir das peculiaridades da hipótese concreta. (STJ. REsp 2.056.285-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 27/4/2023 - Publicado no Informativo nº 773)