STJ. EREsp 1.559.348-DF

Enunciado: A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário. Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Esta Corte Superior, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018). Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis. Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a "impenhorabilidade" do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a "alienabilidade" do bem. Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: "a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário" (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019). Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.

Tese Firmada: A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.

Questão Jurídica: Alienação fiduciária. Transmissão condicional da propriedade. Bem de família dado em garantia.

Ementa: PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TRANSMISSÃO CONDICIONAL DA PROPRIEDADE. BEM DE FAMÍLIA DADO EM GARANTIA. VALIDADE DA GARANTIA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS. ACÓRDÃO EMBARGADO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA ATUAL DO STJ. SÚMULA Nº 168 DO STJ. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. 1. A controvérsia envolvendo o presente caso diz respeito a suposto dissenso jurisprudencial sobre a impenhorabilidade do bem de família, na hipótese em que ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário. 2. O bem de família legal, previsto na Lei nº 8.009/90, não gera inalienabilidade, possibilitando a sua disposição pelo proprietário, inclusive no âmbito de alienação fiduciária, em que a propriedade resolúvel do imóvel é transferida ao credor do empréstimo como garantia do adimplemento da obrigação principal assumida pelo devedor. 3. A divergência viabilizadora dos embargos não ficou configurada, em razão da ausência de similitude fática e jurídica entre os acórdãos confrontados, uma vez que os acórdãos paradigmas trataram da garantia hipotecária, matéria distinta da hipótese sob análise, que diz respeito ao instituto da alienação fiduciária. 4. Os embargos de divergência visam harmonizar precedentes conflitantes proferidos em Turmas distintas do STJ, pressupondo a comprovação de dissídio pretoriano atual (art. 266 do RISTJ). 5. Na hipótese dos autos não se encontra presente a finalidade de uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional, uma vez que a matéria já se encontra pacificada pela Segunda Seção do STJ, no sentido de que (a) a proteção conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não importa em sua inalienabilidade, revelando-se possível a disposição do imóvel pelo proprietário, inclusive no âmbito de alienação fiduciária; e (b) a utilização abusiva de tal direito, com evidente violação do princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerada, afastando-se o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico (AgInt nos EDv nos EREsp n. 1.560.562/SC, relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, REPDJe de 30/6/2020, DJe de 9/6/2020). 6. Incidência da Súmula nº 168 do STJ: Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. 7 . Embargos de divergência não conhecidos. (STJ. EREsp 1.559.348-DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/5/2023 - Publicado no Informativo nº 776)