STJ. HC 790.283-SP

Enunciado: A controvérsia diz respeito à legalidade das determinações do Juízo da Infância de suspensão das visitas maternas e de autorização para o início de busca de pretendentes à adoção de criança que, atualmente com 9 anos de idade, está em abrigo institucional há quase 3 anos, sem que ainda tenha sido proferida sentença destituindo o poder familiar de sua genitora. Toda criança tem o direito de ser criada e educada, prioritariamente, no seio de sua família natural ou extensa e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a sua convivência familiar em ambiente que garanta o seu desenvolvimento e proteção integral (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/1990, arts. 15 e 19). Na análise de questões dessa natureza, a jurisprudência desta Corte Superior, com esse norte, consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento de colocação de menor em abrigo institucional. No caso, todos os relatórios técnicos apresentados pela Rede Socioassistencial e do Setor Técnico do Juízo, foram unânimes em recomendar que a criança fosse colocada em família substituta o mais rápido possível diante da constatação da impossibilidade de retorno para a família natural, pois ela seria novamente submetida a uma situação de risco (negligência e abandono), na medida em que genitora não teria condições mínimas de assumir os cuidados da filha. O longo período de permanência em abrigo institucional tem trazido problemas de ordem emocional, o que causa preocupação e revela que o seu melhor interesse não está sendo observado com a sua permanência no abrigo, conforme constatou a perícia psicossocial do Juízo da Infância. Nesse sentido, a duradoura permanência em abrigo institucional é manifestamente prejudicial aos interesses da infante. O art. 163 do ECA dispõe que o procedimento para perda e suspensão do poder familiar deverá ser concluído no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias e, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, caberá ao Juiz dirigir esforços para preparar a criança ou adolescente com vistas à colocação em família substituta. Portanto, no caso, o fato de a ação de destituição do poder familiar dos genitores estar tramitando há mais de 3 anos e não ter sido sentenciada não impede sejam tomadas providências para abreviar o tempo de abrigamento institucional. A notória inviabilidade de manutenção do poder familiar reclama que, pelo menos, sejam tomadas as providências para início de colocação dela em família substituta. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça - CNJ n. 289, de 14/8/2019, que a respeito da implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, no seu anexo I dispõe acerca da regulamentação técnica, que prevê em seus arts. 3º e 4º que "A colocação de criança ou do adolescente na situação 'apta para adoção' deverá ocorrer após o trânsito em julgado do processo de destituição ou extinção do poder familiar, ou ainda quando a criança ou o adolescente for órfão ou tiver ambos os genitores desconhecidos" . E, ainda, que "O juiz poderá, no melhor interesse da criança ou do adolescente, determinar a inclusão cautelar na situação 'apta para adoção' antes do trânsito em julgado da decisão que destitui ou extingue o poder familiar, hipótese em que o pretendente deverá ser informado sobre o risco jurídico". Dessa forma, sem prejuízo do que possa ser decidido nos autos da ação de destituição do poder familiar, a manutenção da paciente em abrigo institucional, além de manifestamente ilegal, não atende ao interesse prioritário e superior de criança, que por previsão constitucional e legal, tem o direito absoluto à dignidade como pessoa em processo de desenvolvimento e como sujeito de direito.

Tese Firmada: A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta.

Questão Jurídica: Medida protetiva na modalidade acolhimento institucional. Destituição de poder familiar. Criança em situação de risco. Negligência materna. Tentativas do Juízo da Infância e da Rede Socioassistencial de reintegração na família natural sem êxito. Ausência de adesão da genitora aos acompanhamentos. Resistência injustificada em atender às orientações técnicas. Permanência em abrigo institucional. Caráter temporário. Ilegalidade flagrante. Violação do princípio do melhor interesse e da proteção integral.

Ementa: HABEAS CORPUS. FAMÍLIA. CRIANÇA E ADOLESCENTE. EXECUÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO. DETERMINAÇÕES DE SUSPENSÃO DE VISITA MATERNA E DE PROCURA DE INTERESSADOS NA ADOÇÃO DE MENOR, ATUALMENTE COM 9 (NOVE) ANOS DE IDADE E QUE ESTÁ ABRIGADA HÁ 3 (TRÊS) ANOS. WRIT UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. EXAME DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. MEDIDA PROTETIVA NA MODALIDADE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL C/C PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. CRIANÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO, EM VIRTUDE DE NEGLIGÊNCIA MATERNA. TENTATIVAS DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA REDE SOCIOASSISTENCIAL DE REINTEGRAÇÃO NA FAMÍLIA NATURAL SEM ÊXITO. AUSÊNCIA DE ADESÃO DA GENITORA AOS ACOMPANHAMENTOS E RESISTÊNCIA INJUSTIFICADA EM ATENDER AS ORIENTAÇÕES TÉCNICAS. A PERMANÊNCIA EM ABRIGO INSTITUCIONAL DEVE SER TEMPORÁRIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL. INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE NA SUSPENSÃO DAS VISITAS MATERNAS. PRETENSÃO DE GUARDA DA AVÓ MATERNA. TEMA NÃO SUBMETIDO À AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Não é admissível a utilização de habeas corpus como sucedâneo ou substitutivo do cabível recurso ordinário. Possibilidade excepcional de concessão da ordem de ofício. Precedentes. 2. Por expressa previsão constitucional e infraconstitucional, as crianças e os adolescentes têm o direito de ver assegurado pelo Estado e pela sociedade o atendimento prioritário do seu melhor interesse e garantida suas proteções integrais, devendo tais premissas orientar o seu aplicador, principalmente, nas situações que envolvem abrigamento institucional. 3. A jurisprudência desta Eg. Corte Superior, em observância a tal princípio, consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional. 4. Há flagrante ilegalidade na permanência de criança por mais de 3 (três) anos em abrigo institucional, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a providência deve ser temporária e revista a cada 3 (três) meses. 4.1. O procedimento de destituição do poder familiar deve durar o prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias. 5. A prova pré-constituída trazida na impetração revelou que houve por parte do Poder Judiciário e da Rede Socioassistencial tentativas de reintegração familiar da menor na família natural, que segundo a lei deve ter preferência. 5.1. Tentativas infrutíferas em virtude, notadamente, da conduta negligente da genitora que sumia por tempos e não interagia nas visitas com a filha, não aderia aos programas sociais e não aceitava a ajuda, orientação e intervenção dos órgãos sociais envolvidos. 6. A circunstancia de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta, nos termos do § 5º do art. 28 do ECA, e em virtude do disposto no § 1º do art. 19 do referido estatuto principalmente em observância aos princípios norteadores antes destacados. 6.1. Sem prejuízo do que for decidido nos autos da ação de destituição do poder familiar, a manutenção da paciente em abrigo institucional que já dura mais de 3 (três) anos, além de ser manifestamente ilegal, não atende seu superior interesse e tem potencial de lhe acarretar dano grave e de difícil reparação psicológica, até porque o tempo está passando e vai ficando mais difícil a sua colocação em família substituta. 7. Considerando que o relatório técnico da equipe multidisciplinar, que acompanha a criança desde o seu abrigamento, noticiou que o contato com a genitora não estava sendo produtivo para o seu desenvolvimento emocional, a decisão que entendeu pela suspensão das visitas materna, não se mostrou ilegal ou teratológico. 8. A questão relativa ao pedido de guarda da avó materna não foi objeto de análise pela autoridade apontada como coatora, não podendo o Superior Tribunal de Justiça examiná-la em virtude da indevida supressão de instância. 9. Habeas corpus não conhecido, com recomendações de providências urgentes por parte Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Ribeirão Preto/SP. (STJ. HC 790.283-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023 - Publicado no Informativo nº 776)