STJ. REsp 1.900.843-DF

Enunciado: De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, para fins de aplicação da denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não se exige prova da fraude ou do abuso de direito, tampouco é necessária a prova de confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. Considerando que o § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, em virtude do mero inadimplemento e da ausência de bens suficientes à quitação do débito, admite, a princípio, a responsabilização pessoal do sócio, torna-se necessário investigar a atuação na condução dos negócios da empresa. A rigor, a considerar as origens históricas da disregard doctrine, não se poderia afirmar que a hipótese contemplada no § 5º do art. 28 do CDC trata do mesmo instituto, a despeito das expressões utilizadas pelo legislador, tendo em vista que a desconsideração propriamente dita está necessariamente associada à fraude e ao abuso de direito, com desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, criada com personalidade distinta da de seus sócios. Como bem acentua a doutrina, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é frequentemente confundido com hipóteses em que se atribui aos sócios, por mera opção legislativa, a responsabilidade ordinária por dívidas da sociedade. No julgamento do REsp n. 1.766.093/SP, tratou-se da possibilidade da inclusão, no polo passivo de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de restituição de valores pagos, já em fase de cumprimento de sentença, de membros do conselho fiscal de uma cooperativa habitacional, à luz do disposto no § 5º do art. 28 do CDC. Nesse julgado, tudo o que se disse a respeito das regras aplicáveis às sociedades cooperativas teve como único propósito fixar a premissa de que membros do conselho fiscal desse tipo de sociedade não praticam, em regra, atos de gestão, a exigir, por isso, a comprovação da presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração. Também destacou-se que, de acordo com a doutrina, ainda que seja possível considerar o § 5º do art. 28 do CDC como hipótese autônoma e independente daquelas previstas em seu caput, na linha do que já decidiu esta Corte Superior, a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em tal hipótese, somente pode atingir pessoas incumbidas da gestão da empresa. Assim, a denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o § 5º do art. 28 do CDC, a despeito de dispensar a prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, não dá margem para admitir a responsabilização pessoal I) de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor, e II) de quem, embora ostentando a condição de sócio, não desempenha atos de gestão, independentemente de se tratar ou não de empresa constituída sob a forma de cooperativa. Vale lembrar que a desconsideração, mesmo sob a vertente da denominada Teoria Menor, é uma exceção à regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, "instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos" (art. 49-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.874/2019), a justificar, por isso, a interpretação mais restritiva do art. 28, § 5º, do CDC.

Tese Firmada: A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.

Questão Jurídica: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Relação de consumo. Art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor. Teoria Menor. Sócio. Atos de gestão. Prática. Comprovação.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. INCIDENTE. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. TEORIA MENOR. SÓCIO. ATOS DE GESTÃO. PRÁTICA. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA. MULTA. AFASTAMENTO. 1. Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor e o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. 2. A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem, embora ostentando a condição de sócio, não desempenha atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração. 3. Na hipótese em que os embargos de declaração objetivam prequestionar a tese para fins de interposição de recurso especial, deve ser afastada a multa do art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973. Súmula nº 98/STJ. 4. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.900.843-DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (in memorian), Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria julgado em 23/5/2023, DJe 30/5/2023 - Publicado no Informativo nº 777)