STJ. REsp 1.657.424-AM

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a determinar, em ação reivindicatória, qual propriedade deve prevalecer caso existam dois títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros distintos em cartórios diferentes na mesma cidade. A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a possua, daí por que é preciso averiguar não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório), mas também se a posse do réu é injusta. O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse da ré não é injusta, já que, assim como a autora, também tem um título de propriedade hígido. Fixou-se que não logrou a autora provar que o título da ré é írrito. Esse silogismo da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do Código Civil (CC). A posse injusta a que alude o dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta, clandestina e precária), mas, de acordo com a doutrina, também "aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse". Ao se falar de posse, não se está trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi); é a prevalência do direito de propriedade da ré sobre o da autora. Não há falar em violação do art. 186 da Lei 6.015/1973 (O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente), já que o registro da ré é anterior ao registro da autora. Não altera esse entendimento o fato de a cadeia dominial da autora remontar ao ano de 1900, anterior à data do registro da ré (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o "direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão". Assim, tendo o registro da ré (1974) prioridade sobre o da autora (1980), foi observado o princípio da prioridade.

Tese Firmada: Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado.

Questão Jurídica: Ação reivindicatória. Existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel. Duplicidade de registros. Cartórios distintos da mesma cidade. Prevalência do primeiro título aquisitivo registrado.

Ementa: DIREITO CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMPROCEDÊNCIA. RÉ, TAMBÉM PROPRIETÁRIA, NA POSSE DO IMÓVEL. TÍTULO AQUISITIVO REGISTRADO ANTES DA ESCRITURA DA AUTORA. DOIS REGISTROS PARA O MESMO TERRENO. PREVALÊNCIA DO PRIMEIRO REGISTRO E DE QUEM TEM A POSSE DO BEM. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO DE USUCAPIÃO POR FALTA DE CITAÇÃO DA ORA RECORRENTE. MATÉRIA A SER DIRIMIDA EM QUERELA NULLITATIS. 1. Em ação reivindicatória, constatado ser a ré detentora da posse do imóvel, também proprietária, com título aquisitivo devidamente registrado no registro de imóveis em data anterior à do registro da autora, o resultado da demanda só pode ser a improcedência, notadamente se a cadeia dominial da ré decorre de usucapião que, como se sabe, é meio de aquisição originário da propriedade. É, inclusive, hipótese que excepciona o princípio da continuidade registral. 2. No caso concreto, ambos os registros foram considerados hígidos, prevalecendo o antecedente sobre o posterior. 3. Note-se que, quando da propositura da anterior ação de usucapião, no início da década de 1970, antes ainda do CPC/1973, a autora da posterior ação reivindicatória, ora recorrente, não detinha registro imobiliário do imóvel, somente obtido em 1980. Logo, não tinha direito de ser obrigatoriamente citada para aquela ação de usucapião, pois não era proprietária do bem usucapiendo. 4. Como quer que seja, eventual equívoco na citação, na ação de usucapião, deve ser esgrimido em querela nullitatis insanabilis, e não na via eleita, quase cinquenta anos depois de encerrado o processo que se alvitra nulo. Precedentes. 5. Recurso especial desprovido. (STJ. REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023 - Publicado no Informativo nº 777)