STJ. REsp 1.818.661-PE

Enunciado: O Código de Processo Civil de 2015, inspirado no princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º), voltado à superação de vícios processuais sanáveis, passou a admitir a regularização do preparo não só na hipótese de recolhimento a menor do respectivo valor, mas, também, nos casos de ausência de comprovação do recolhimento no ato da interposição do recurso. É o que dispõem os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015. Nesse caso, o recorrente será intimado para realizar o recolhimento em dobro; naquele, a intimação será apenas para complementar o respectivo valor. Ademais, nos termos do § 5º do art. 1.007 do CPC/2015, "É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º". Dessa forma, caso o recorrente, no momento da interposição do recurso, não comprove o recolhimento do preparo ou efetue o pagamento de valor insuficiente, terá o direito de ser intimado, antes do reconhecimento da deserção. Em tal circunstância, houve interposição de apelação e, passadas duas horas desse ato, o recorrente juntou o comprovante de pagamento do preparo relativo a outro recurso interposto no processo conexo. Antes de qualquer intimação, o recorrente protocolou petição juntando o comprovante de pagamento do preparo do processo correto, o qual foi realizado também na data do protocolo da apelação, ou seja, em momento posterior à interposição do recurso. Assim, como não houve o recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, pois o pagamento do valor foi feito após o protocolo da apelação, seria o caso de intimação da parte para recolher em dobro, nos termos do § 4º do art. 1.007 do CPC/2015. O Tribunal de origem, por sua vez, não oportunizou a intimação para regularizar a situação, sob o fundamento de que "a parte apelante interpôs o recurso desacompanhado de comprovação de qualquer valor a título de preparo e, posteriormente, efetuou o recolhimento em valor insuficiente, visto que não procedeu com o recolhimento com base no proveito econômico pretendido e nem sequer recolheu na forma dobrada", sendo o caso, portanto, de aplicação da regra do § 5° do art. 1.007 do CPC/2015, que estabelece ser "vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retomo, no recolhimento realizado na forma do § 4º". Ocorre que a parte recorrente tem o direito de ser intimada para regularizar eventual vício no recolhimento do preparo, nos termos do que dispõe o art. 1.007, §§ 2º e 4º, do CPC/2015, devendo o Magistrado esclarecer, inclusive, o que deverá ser feito para regularizar a situação, em consonância com o princípio da cooperação processual, estabelecido no art. 6º do CPC/2015 ("Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva"). Logo, a manifestação espontânea da apelante, ao juntar o comprovante pertinente ao recurso correto, ainda que em valor insuficiente, não tem o condão de suprir a necessidade de intimação para regularização do vício, que constitui direito da parte, o qual não deve ficar submetido a juízo de discricionariedade do magistrado.

Tese Firmada: Em consonância com o princípio da cooperação processual, é indispensável ao reconhecimento da deserção que o juiz intime a parte para regularizar o preparo - especificando qual o equívoco deverá ser sanado.

Questão Jurídica: Recurso. Ausência de comprovação do recolhimento no ato de interposição. Manifestação espontânea da parte recorrente comprovando o recolhimento posteriormente. Art. 1.007, § 4º, do Código de Processo Civil. Necessidade de recolhimento em dobro. Pena de deserção. Não cabimento. Intimação. para regularizar o preparo. Especificação do vício a ser regularizado. Imprescindibilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. DESERÇÃO. QUESTÕES SUSCITADAS NO APELO QUE NÃO FORAM EXAMINADAS PELO TRIBUNAL LOCAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DO STF. APELANTE QUE JUNTOU CÓPIA DO COMPROVANTE DE PREPARO REFERENTE AO PROCESSO CONEXO. JUNTADA POSTERIOR DO COMPROVANTE CORRETO, O QUAL DEMONSTROU QUE O RECOLHIMENTO DO VALOR OCORRERA QUASE DUAS HORAS APÓS O PROTOCOLO DO RECURSO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA APELANTE PARA RECOLHIMENTO EM DOBRO DO VALOR, NOS TERMOS DO QUE DISPÕE O ART. 1.007, § 4º, DO CPC/2015. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO QUE NÃO SUPRE A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO. ACÓRDÃO REFORMADO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. O Tribunal de origem não conheceu do recurso de apelação, em razão da deserção reconhecida, razão pela qual não se manifestou acerca das matérias suscitadas no apelo. Logo, não há como conhecer do presente recurso especial em relação a essas questões, tendo em vista a falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ). 2. Não cabe a esta Corte Superior analisar eventual violação do art. 5°, incisos LV e LVI, da Constituição Federal, ao argumento de que o acórdão recorrido teria afrontado os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 3. O recorrente deve comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do respectivo preparo, que corresponde às custas judiciais e ao porte de remessa e de retorno, sob pena de não conhecimento do recurso em razão da deserção (CPC/2015, art. 1.007 ). 4. Os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015, no entanto, estabelecem que, caso o recorrente, no momento da interposição do recurso, não comprove o recolhimento do preparo ou efetue o pagamento de valor insuficiente, terá o direito de ser intimado, antes do reconhecimento da deserção, para recolher em dobro o respectivo valor ou para complementá-lo, a depender do caso. 5. Assim, o fato de a apelante ter juntado, espontaneamente, o comprovante do preparo recursal após a interposição da apelação, ainda que em valor insuficiente, não tem o condão de suprir a necessidade de intimação para regularização do vício, que constitui direito da parte, o qual não deve ficar submetido a juízo de discricionariedade do magistrado. 6. Com efeito, o juiz tem o dever de provocar a parte para a regularização do preparo - indicando, inclusive, qual o equívoco deverá ser sanado, em consonância com o princípio da cooperação (CPC, art. 6º) -, iniciativa processual que se tornou condição indispensável ao reconhecimento da deserção, sem a qual o escopo da lei, de possibilitar à parte a regularização do preparo recursal, não será atingido. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ. REsp 1.818.661-PE, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 25/5/2023 - Publicado no Informativo nº 778)