STF. ADI 3396/DF

Tese Firmada: As regras previstas nos arts. 18 a 21 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) (1) — que tratam da relação de emprego, salário, jornada de trabalho e honorários de sucumbência — são aplicáveis aos advogados empregados de empresas públicas e de sociedade de economia mista que atuam no mercado em regime concorrencial (sem monopólio).

Questão Jurídica: Aplicabilidade das regras do Estatuto da Advocacia a advogados empregados públicos

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONHECIMENTO. ART. 4º DA LEI N. 9.527/1997. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO A SERVIDORES PÚBLICOS DE DIREITOS PRÓPRIOS DE ADVOGADOS EMPREGADOS EM EMPRESA PRIVADA (LEI N. 8.906/1994, ARTS. 18 A 21). ADVOGADOS EMPREGADOS EM EMPRESAS PÚBLICAS OU SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA SUJEITAS À CONCORRÊNCIA. ART. 171, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (NA REDAÇÃO ORIGINAL). INTERPRETAÇÃO CONFORME. 1. A questão constitucional posta nos autos consiste em decidir sobre afastar-se a incidência de uma das leis (no caso a Lei n. 9.527/1997, art. 4º), em favor de outra (Lei n. 8.906/1994 – Estatuto da OAB –, arts. 18 a 21), por inconstitucionalidade da primeira. O conflito não se dá propriamente entre as normas legais (até porque, fosse assim, se resolveria mediante a mera revogação da lei anterior pela posterior), mas, sim, de uma destas com a Constituição, ao intentar afastar a aplicação da outra. 2. A ausência de impugnação do art. 3º, § 1º, do Estatuto da OAB não prejudica o conhecimento da ação direta. Na verdade, o autor deseja ver confrontado com a Constituição o dispositivo da Lei n. 9.527/1997 (art. 4º) que especificamente retira dos advogados da Administração Pública parcela de direitos reconhecidos aos advogados empregados, ao passo que o art. 3º do mesmo Estatuto faz justamente o contrário, incluindo os advogados servidores públicos no amplo conceito de “atividade de advocacia”. Logo, seria paradoxal impugnar, nesta ação, esse último dispositivo. 3. O servidor público que exerce a advocacia na Administração direta, autárquica ou em fundação de direito público, ocupando cargo público, naturalmente não é alcançado pela disciplina típica do advogado empregado, na medida em que se submete a regramento constitucional e legal específico, de direito público, o qual lhe confere direitos e obrigações peculiares ao servidor público. 4. O Estatuto da Advocacia, cujo projeto nasceu no âmbito do Congresso Nacional (PL n. 2.938/1992, de iniciativa do deputado Ulisses Guimarães, do PMDB/SP), não poderia dirigir-se à disciplina dos advogados servidores públicos senão subsidiariamente, pois as leis que regem tais agentes são de iniciativa privativa do Presidente da República (e, por correspondência, nos âmbitos estadual, distrital e municipal, dos governadores e prefeitos), conforme disciplina do art. 61, § 1º, II, “c”, da Constituição Federal. 5. A não aplicação dos arts. 18 a 21 do Estatuto da Advocacia às carreiras dos advogados servidores públicos não lhes gera prejuízo. Tais profissionais, como prevê o art. 3º, § 1º, do mesmo diploma, submetem-se a dois regimes – o do Estatuto da OAB e outro próprio do serviço público –, devendo neles haver acomodações recíprocas. Nessa coexistência entre regimes jurídicos, por vezes a norma de um derrogará a de outro, tudo à luz da Constituição Federal e dos princípios consagrados na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). 6. Se a empresa pública ou sociedade de economia mista é monopolista, isto é, não sujeita à concorrência de congêneres estritamente privadas, então eventual distinção de tratamento feita por lei federal relativamente aos empregados públicos (inclusive advogados), para atender peculiaridades do serviço, é constitucional, ainda que essa empresa não receba subsídios do Estado. Tal empresa, não estando sujeita à concorrência privada, se aproxima mais de um ente estatal que de uma empresa privada, de modo que não é lógico aplicar-se a regra niveladora do art. 173, § 1º, da Constituição Federal. Precedente. 7. O poder público, quando exerce atividade econômica em regime de livre concorrência, precisa nivelar-se aos demais agentes produtivos para que não se façam olvidar princípios da ordem econômica, em especial o da livre concorrência (CF, art. 170, IV), que seria malferido se o Estado pudesse atuar na ordem econômica privada observando disciplina mais generosa para seus empreendimentos. Por isso, as empresas estatais não monopolistas devem submeter-se às mesmas regras legais aplicáveis à concorrência privada, inclusive no que tange às normas trabalhistas. 8. Analisando-se o disposto nos arts. 18 a 21 do Estatuto da OAB, cuja aplicação aos advogados das empresas públicas e sociedades de economia mista foi vedada pela lei impugnada, observa-se que nada ali pode ser negado a advogado empregado público de empresa concorrencial, a saber: a) independência técnica; b) desobrigação de prestar serviços fora da relação de trabalho; c) limite de 8 horas diárias de trabalho; d) salário mínimo profissional; e) horas extras com 100% de acréscimo; f) adicional noturno com 25% de acréscimo; e g) percepção de honorários de sucumbência nas ações em que o empregador for parte. 9. A orientação do Supremo tem sido no sentido de que o recebimento de honorários por advogados públicos não pode implicar a superação do teto remuneratório do serviço público (ADIs 6.165, 6.178, 6.181, 6.197, Relator o ministro Alexandre de Moraes; e ADI 6.053, Relator do acórdão o ministro Alexandre de Moraes, todas julgadas na sessão virtual de 12 a 19 de junho de 2020). Essa orientação é aplicável aos advogados com vínculo de emprego público, já que o art. 37, XI, da Constituição também se dirige aos empregados públicos. 10. Empregados de empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária que não seja monopolista nem receba recursos da Fazenda Pública para despesas de pessoal e custeio em geral não estão sujeitos ao teto remuneratório do serviço público, como já consignou o Supremo em vários precedentes, ao interpretar o disposto no art. 37, § 9º, da Carta da República, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998 (por exemplo: AI 563.842 AgR, Primeira Turma, Relator o ministro Marco Aurélio, DJe de 1º de agosto de 2013; RE 572.143 AgR, Primeira Turma, Relator o ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 25 de fevereiro de 2011). 11. Ação conhecida e pedido julgado parcialmente procedente para, atribuindo-se interpretação conforme ao art. 4º da Lei n. 9.527, de 10 de dezembro de 1997, excluir-se de seu alcance apenas os advogados empregados públicos de empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias não monopolistas (isto é, que se submetam à livre concorrência econômica com empresas privadas), observado o teto remuneratório, quanto à remuneração total (salário mais gratificações, adicionais e honorários) do advogado empregado público de empresa estatal dependente da entidade pública que autorizou sua criação (CF, art. 37, § 9º, na redação dada pela Emenda de n. 19/1998, c/c art. 2º, III, da Lei Complementar n. 101/2000). 12. Se o advogado empregado público já foi admitido por meio de concurso cujo edital previa condições diversas daquelas constantes dos arts. 18 a 21 do Estatuto da OAB, prevalece o edital aceito pelo candidato sem impugnação sobre a presente interpretação conforme, em respeito às situações jurídicas constituídas. (ADI 3396, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 30-09-2022 PUBLIC 03-10-2022)