STF. ADI 4709/DF

Tese Firmada: É constitucional a requisição, sem prévia autorização judicial, de dados bancários e fiscais considerados imprescindíveis pelo Corregedor Nacional de Justiça para apurar infração de sujeito determinado, desde que em processo regularmente instaurado mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato.

Questão Jurídica: CNJ e transferência do sigilo de dados fiscais e bancários

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, V, DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATRIBUIÇÕES DO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. REQUISIÇÃO DE DADOS SIGILOSOS EM PROCESSOS OU PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE SUA COMPETÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. CONHECIMENTO PARCIAL QUANTO A DADOS BANCÁRIOS E FISCAIS. NORMA FORMALMENTE CONSTITUCIONAL À LUZ DO ART. 5º, § 2º, DA EC Nº 45/2004. HIPÓTESE DE TRANSFERÊNCIA DE SIGILO QUE SE COMPATIBILIZA COM O DESENHO INSTITUCIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS FISCALIZADOS PELO ÓRGÃO, OBSERVADAS AS DEVIDAS GARANTIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL, NA PARTE CONHECIDA. INTERPRETAÇÃO CONFORME. 1. Controvérsia constitucional sobre a atribuição, do Corregedor Nacional de Justiça, de "requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação, dando conhecimento ao Plenário" (art. 8º, V, Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça). 2. Cognoscibilidade da ação. I. Rejeitada preliminar de conhecimento parcial, no que concerne às "autoridades fiscais", por ausência de impugnação de todo o complexo normativo. Conquanto o art. 198, § 1º, II, CTN, também preveja o compartilhamento de informações fiscais com autoridades administrativas, a norma contestada se apresenta ao mesmo tempo subjetivamente mais específica e objetivamente mais ampla, a justificar o reconhecimento da existência de interesse de agir em sua impugnação autônoma. II. Restringido, de ofício, o objeto da ação ao que especificamente impugnado, a requisição de dados fiscais e bancários às autoridades competentes. Precedentes. 3. Norma formalmente constitucional, editada com respaldo no art. 5º, § 2º, da EC nº 45/2004, que confere competência ao Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, para disciplinar seu funcionamento e definir as atribuições do Corregedor, enquanto não normatizada a matéria pelo Estatuto da Magistratura. Competência transitória atribuída pelo Poder Constituinte derivado ao CNJ para evitar vácuo normativo a inviabilizar a implementação da arquitetura institucional do controle interno do Poder Judiciário. Resolução que, no ponto, encontra amparo direto na Constituição Federal e equivale à normatização pelo Estatuto da Magistratura. 4. Atribuição requisitória que, prima facie, colide com o direito à privacidade, à intimidade, à vida privada e à proteção de dados (art. 5º, X e XII, CRFB) resulta constitucional, por se tratar de hipótese de transferência de sigilo justificada diante do papel institucional do CNJ e do Corregedor Nacional de Justiça. O controle interno do Poder Judiciário coaduna-se com os valores republicanos e com a necessidade de manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição (ADI 3367). 5. Consoante interpretação jurídica definida por este Supremo Tribunal Federal, ainda que os sigilos bancário e fiscal tenham estatura constitucional, não há direitos absolutos em atenção a outros valores públicos: RE 601314 (Tema nº 225 da Repercussão Geral), ADIs 2386, 2390, 2397 e 2859 e RE 1055941 (Tema nº 990 da Repercussão Geral). Quanto a agentes públicos, enquanto exercem função pública, é relativizada a inacessibilidade a dados da vida patrimonial de maneira ainda mais ampla, forte no art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), no art. 29 da Lei 5.010/1966 e na Lei nº 8.730/1993. 6. Ao assentar a constitucionalidade das hipóteses de transferência de sigilo examinadas, considerou, este Plenário do STF, a existência de garantias ao contribuinte que tem seus dados bancários ou fiscais compartilhados. Atribuição requisitória que se sustenta, do ponto de vista constitucional, na hipótese de existência de processo devidamente instaurado para averiguação de conduta de pessoa determinada. Em particular, no caso do Corregedor Nacional de Justiça, para apuração de infrações de sua competência, em desfavor de sujeito certo, e mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos. 7. A Corregedoria Nacional de Justiça é órgão destacado, pela Constituição Federal, na arquitetura do CNJ e do controle interno do Poder Judiciário e da magistratura nacional. O arranjo institucional permite perceber atribuições próprias que visam a densificar o papel constitucional de concretização dos valores republicanos, o que afasta a alegação de inconstitucionalidade na atribuição requisitória por decisão singular do Corregedor, e não do Plenário. 8. Ação conhecida apenas no que concerne à requisição de dados bancários e fiscais às autoridades competentes, e, na parte conhecida, julgado parcialmente procedente o pedido, para, em interpretação conforme a Constituição (art. 5º, X, XII e LIV, CRFB), estabelecer que a requisição dos dados bancários e fiscais imprescindíveis, nos moldes do art. 8º, V, do Regimento Interno do CNJ, é constitucional em processo regularmente instaurado para apuração de infração por sujeito determinado, mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato. (ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 08-06-2022 PUBLIC 09-06-2022)