STJ. REsp 1.966.556-SP

Enunciado: A controvérsia consiste em definir a possibilidade de arbitramento de aluguel, pelo uso exclusivo e gratuito de imóvel comum indiviso por um dos condôminos, em favor de coproprietário que foi privado do uso e gozo do bem devido à decretação judicial de medida protetiva em ação penal proveniente de suposta prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher. A jurisprudência desta Corte Superior, alicerçada no art. 1.319 do Código Civil de 2002 (equivalente ao art. 627 do revogado Código Civil de 1916), assenta que a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis. Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum, na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tais casos. Ao ensejo, registre-se que a interpretação conforme a constituição de lei ou ato normativo, atribuindo ou excluindo determinado sentido entre as interpretações possíveis em alguns casos, não viola a cláusula de reserva de plenário, consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 572.497 AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2008, e no RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/3/2007 (ambos reproduzindo o entendimento delineado no RE 184.093/SP, Rel. Moreira Alves, publicado em 29/4/1997). Outrossim, a imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitime o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor. Portanto, afigura-se descabido o arbitramento de aluguel, com base no disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade constatada em cotejo com o art. 226, § 8º, da CF/1988, seja pela ausência de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/2002). Saiba mais:

Tese Firmada: Incabível o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

Questão Jurídica: Imóvel em condomínio. Posse direta e exclusiva exercida por um dos condôminos. Privação de uso e gozo do bem por coproprietário em virtude de medida protetiva contra ele decretada. Arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa pela vítima de violência doméstica e familiar. Descabimento.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. CÍVEL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSE DIRETA E EXCLUSIVA EXERCIDA POR UM DOS CONDÔMINOS. PRIVAÇÃO DE USO E GOZO DO BEM POR COPROPRIETÁRIO EM VIRTUDE DE MEDIDA PROTETIVA CONTRA ELE DECRETADA. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL PELO USO EXCLUSIVO DA COISA PELA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. DESCABIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE CONSTATADA E INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir a possibilidade de arbitramento de aluguel, pelo uso exclusivo e gratuito de imóvel comum indiviso por um dos condôminos, em favor de coproprietário que foi privado do uso e gozo do bem devido à decretação judicial de medida protetiva em ação penal proveniente de suposta prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. A jurisprudência desta Corte Superior, alicerçada no art. 1.319 do Código Civil de 2002 (equivalente ao art. 627 do revogado Código Civil de 1916), assenta que a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis. Precedentes. 3. Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum, na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tal caso. 4. Ao ensejo, registre-se que a interpretação conforme a constituição de lei ou ato normativo, atribuindo ou excluindo determinado sentido entre as interpretações possíveis em alguns casos, não viola a cláusula de reserva de plenário, consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 572.497 AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2008, e no RE n. 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/3/2007 (ambos reproduzindo o entendimento delineado no RE n. 184.093/SP, Rel. Moreira Alves, publicado em 29/4/1997). 5. Outrossim, a imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitimasse o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor. 6. Portanto, afigura-se descabido o arbitramento de aluguel, com base no disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade constatada em cotejo com o art. 226, § 8º, da CF/1988, seja pela ausência de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/2002). Na hipótese, o Tribunal de origem decidiu em consonância com a referida tese, inexistindo, assim, reparo a ser realizado no acórdão recorrido. 7. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ. REsp 1.966.556-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022 - Publicado no Informativo nº 724)