STJ. REsp 1.929.288-TO

Enunciado: O mero desrespeito à legislação local acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à responsabilização por danos morais. Tal fato representa relevante critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais, sejam coletivos, como reconhece esta Corte Superior. Assim, ao lado do excesso de tempo de espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, deve-se aferir, por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o atraso no atendimento, se a violação do limite máximo previsto na legislação foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para sanar as falhas apresentadas; etc. Nesse passo, deve-se ressaltar que o tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes à função social da atividade produtiva e aos deveres de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, que são impostos aos fornecedores de produtos e serviços. A proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor, que conduz à responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou vital. Com efeito, a teoria do desvio produtivo preceitua a responsabilização do fornecedor pelo dispêndio de tempo vital do consumidor prejudicado, desviando-o de atividades existenciais. No âmbito jurisprudencial, a Terceira Turma, em julgamento envolvendo a má prestação de serviços bancários e a excessiva espera em filas, já teve oportunidade de consignar que "o desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor" (REsp 1.737.412/SE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 08/02/2019). Naquela oportunidade, restabeleceu-se a condenação à compensação por danos morais coletivos, ao fundamento de que a instituição financeira haveria optado "por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo". Desse modo, é imperioso concluir que a inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.

Tese Firmada: A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.

Questão Jurídica: Agências bancárias. Caixas eletrônicos inoperantes. Falta de numerário. Desabastecimento. Excessiva espera em filas por tempo superior ao limite previsto em lei municipal. Reiteração das condutas. Teoria do desvio produtivo. Dano moral coletivo. Caracterização.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OMISSÃO. AUSÊNCIA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. COMPATIBILIDADE. DANO MORAL COLETIVO. AFERIÇÃO IN RE IPSA. CAIXAS ELETRÔNICOS INOPERANTES. FALTA DE NUMERÁRIO. DESABASTECIMENTO. EXCESSIVA ESPERA EM FILAS POR TEMPO SUPERIOR AO LIMITE PREVISTO EM LEI MUNICIPAL. REITERAÇÃO DAS CONDUTAS. DANO MORAL COLETIVO CARACTERIZADO. VALOR DA COMPENSAÇÃO. RAZOABILIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. ASTREINTES. BIS IN IDEM. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MULTA DIÁRIA. VALOR ARBITRADO. SÚMULA 7 DO STJ. SÚMULA 284 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1- Recurso especiais interpostos em 30/09/2019 e 19/09/2019 e conclusos ao gabinete em 26/3/2021. 2- Os propósitos recursais consistem em dizer se: a) o acórdão recorrido conteria omissão; b) é possível a condenação ao pagamento de danos morais coletivos em demanda em que se discute direitos individuais homogêneos; c) em demanda em que se discute a caracterização de dano moral coletivo é necessária a prova concreta do dano; d) a reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e o consequente excesso de espera em filas de agências bancárias por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal são causas suficientes de dano moral coletivo; e) o valor arbitrado a título de compensação pelos danos morais coletivos é excessivo; f) os juros de mora devem incidir a partir da sentença que constituiu a obrigação de compensar os danos morais coletivos ou da citação na ação civil pública; g) a imposição de multa diária configura bis in idem, tendo em vista que a Lei Municipal nº 2.111/2002, da cidade de Araguaína/TO, já estabelece punição para a hipótese de vício de qualidade no serviço bancário prestado; e h) o valor fixado a título de multa diária seria excessivo. 3- Na hipótese em exame é de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia. 4- Não bastasse ser possível cumular, na mesma ação coletiva, pretensões relativas a diversos interesses transindividuais, é forçoso concluir que, na espécie, não se está a tratar de ofensa a direitos individuais homogêneos, mas sim a direitos difusos com a imposição de obrigação de fazer e de compensar os danos morais coletivos perpetrados. 5- Ao contrário do que argumentam as recorrentes, a responsabilização por dano moral coletivo se verifica pelo simples fato da violação, isto é, in re ipsa, não havendo que se falar, portanto, em ausência de prova do dano na hipótese em apreço. 6- A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos. 7- Na hipótese, não se evidencia a exorbitância apta a permitir a redução do valor fixado pela Corte de origem a título de compensação pelos danos morais coletivos, porquanto entende-se razoável o quantum fixado correspondente a R$ R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada instituição financeira. 8- Na hipótese de danos morais coletivos, os juros de mora devem incidir desde o evento danoso, notadamente por não se tratar, na espécie, de responsabilidade civil contratual. 9- Quanto a alegação de que a imposição de multa diária configuraria bis in idem, tem-se, no ponto, inviável o debate, porquanto não se vislumbra o efetivo prequestionamento, o que inviabiliza a apreciação da tese recursal apresentada, sob pena de supressão de instância. 10- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o valor arbitrado a título de astreintes somente pode ser revisto excepcionalmente, quando irrisório ou exorbitante, sob pena de ofensa ao disposto na Súmula 7 do STJ. 11- A parte recorrente não logrou êxito em demonstrar a exorbitância do valor fixado a título de multa diária, limitando-se a tecer considerações genéricas sem desenvolver argumentação jurídica capaz de conferir sustentação à tese engendrada, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 284 do STF. 12- No que diz respeito a interposição dos recursos pela alínea "c" do permissivo constitucional, importa consignar que não se pode conhecer dos recursos pela referida alínea, uma vez que pretendem as partes recorrentes discutir idêntica tese já afastada, ficando prejudicada a divergência jurisprudencial aduzida. 13- Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nesta extensão, não providos. (STJ. REsp 1.929.288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 22/02/2022, DJe 24/02/2022 - Publicado no Informativo nº 726)