STJ. REsp 1.348.503-SE

Enunciado: Inicialmente cumpre salientar que, a par das discussões doutrinárias suscitadas em relação à legitimidade passiva no mandado de segurança, mormente no que se refere à controvérsia acerca de recair sobre a própria pessoa jurídica ou sobre a autoridade coatora, é assente a necessidade de que o ato impugnado seja emanado de autoridade pública ou esteja vinculado a funções/atividades públicas (delegadas ou concedidas) exercidas por particulares. Na hipótese, a pessoa jurídica interessada - Federação Esportiva - detém natureza de direito privado (art. 44, II, do Código Civil). Conforme disposto no artigo 16 da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé), as entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais. Especificamente no que se refere à autonomia, à gestão e à natureza das funções desempenhadas, o artigo 82 da referida lei assim preceitua: "os dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto, inscritas ou não no registro de comércio, não exercem função delegada pelo Poder Público, nem são consideradas autoridades públicas para os efeitos desta Lei". Deste modo, é inviável a subsunção ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública, sobressaindo o caráter privado da atividade desempenhada, declarando-se a ilegitimidade passiva, a obstar o exame de mérito do mandado de segurança.

Tese Firmada: É inviável a subsunção de dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública, sobressaindo o caráter privado dessas atividades, declarando-se a ilegitimidade passiva a obstar o exame de mérito do mandado de segurança.

Questão Jurídica: Mandado de segurança. Dirigente de Federação Esportiva. Entidade privada que não desempenha atividade pública delegada. Art. 82 da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé). Ilegitimidade passiva.

Ementa: RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO EM FACE DE ATO DE DIRIGENTE DE FEDERAÇÃO DESPORTIVA - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE CONCEDERAM A SEGURANÇA PARA DETERMINAR A ANULAÇÃO DO INDIGITADO ATO COATOR (decisão de desclassificação da prova de ciclismo). INSURGÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA INTERESSADA. MANDADO DE SEGURANÇA - NATUREZA DE REMÉDIO CONSTITUCIONAL - LEGITIMIDADE PASSIVA - AUTORIDADE PÚBLICA - DIRIGENTE DE FEDERAÇÃO - ENTIDADE PRIVADA QUE NÃO DESEMPENHA ATIVIDADE PÚBLICA DELEGADA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 82 DA LEI Nº 9.615/98. Hipótese: trata-se de mandado de segurança impetrado por atleta em face de ato praticado por dirigente de federação desportiva, consistente em desclassificação de prova de competição ciclística. Instâncias ordinárias que concederam a ordem para determinar a anulação do ato apontado como coator. 1. Consoante dispõe o artigo 5º da Constituição da República, em seu inciso LXIX, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público". Cuida-se, portanto, de remédio constitucional destinado às violações ou abusos a direito líquido e certo cometidos no exercício de funções públicas. 2. A par das discussões doutrinárias suscitadas em relação à legitimidade passiva no mandamus, mormente no que se refere à controvérsia acerca de recair sobre a própria pessoa jurídica ou sobre a autoridade coatora, é assente a necessidade de que o ato impugnado seja emanado de autoridade pública ou esteja vinculado a funções/atividades públicas (delegadas ou concedidas) exercidas por particulares. 3. Na hipótese, a pessoa jurídica interessada - Federação Sergipana de Ciclismo - detém natureza de direito privado (art. 44, inc. II, do CC). 3.1 Conforme disposto no artigo 16 da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), as entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais. 3.2 Especificamente no que se refere à autonomia, à gestão e à natureza das funções desempenhadas, o artigo 82 da legislação de regência (Lei Pele - Lei nº 9.615/98) assim preceitua: "os dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto, inscritas ou não no registro de comércio, não exercem função delegada pelo Poder Público, nem são consideradas autoridades públicas para os efeitos desta Lei". 3.3 Não subsiste, portanto, a argumentação empreendida pela Corte de origem, pautada pela extensão do entendimento inserto na Súmula 510 STF (Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial) às federações desportivas. Isso porque a própria legislação de regência afasta o caráter de delegação, conforme dispõe o artigo 82 citado acima, expondo especificamente não serem consideradas autoridades públicas os dirigentes, unidades ou órgãos de administração do desporto. 3.4 Uma vez inviável a subsunção ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública, sobressaindo o caráter privado da atividade desempenhada, declara-se a ilegitimidade passiva, a obstar o exame de mérito do mandado de segurança. 4. Recurso especial provido, a fim de reformar o acórdão recorrido, para declarar a ilegitimidade passiva do impetrado, vinculada à pessoa jurídica ora recorrente, e, assim, julgar extinto o processo, sem apreciação de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. (STJ. REsp 1.348.503-SE, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/02/2022 - Publicado no Informativo nº 726)