STJ. REsp 1.969.217-SP

Enunciado: A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a nulidade do processo por ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público apenas deverá ser decretada quando sobressair prejuízo à pessoa cujos interesses deveriam ser zelados pelo Parquet no processo judicial. Não há, em regra, nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em 2º grau. Entretanto, a regra do art. 178, II, do CPC/2015, ao prever a necessidade de intimação e intervenção do Ministério Público no processo que envolva interesse de incapaz, refere-se não apenas ao juridicamente incapaz, mas também ao comprovadamente incapaz de fato, ainda que não tenha havido prévia declaração judicial da incapacidade. Na hipótese, a indispensabilidade da intimação e da intervenção do Ministério Público se justifica pelo fato incontroverso de que a parte possui doença psíquica grave, aliado ao fato de que todos os legitimados ordinários à propositura de eventual ação de interdição (art. 747, I a III, do CPC/2015) não existem ou possuem conflito de interesses com a parte enferma, de modo que a ausência de intimação e intervenção do Parquet teve, como consequência, prejuízo concreto à parte. Vislumbra-se, assim, que o único legitimado habilitado a eventualmente propor a ação de interdição seria, justamente, o Ministério Público (art. 747, IV, do CPC/2015), que possui legitimidade residual para a hipótese em que haja doença mental grave (art. 748, caput, do CPC/2015), mas não tenha havido o ajuizamento da ação de interdição pelos demais legitimados (art. 748, I, do CPC/2015). Dessa forma, constata-se que o único legitimado indiscutivelmente isento e potencialmente interessado em avaliar a eventual necessidade de promover a ação de interdição - o Ministério Público - não foi intimado da existência da ação em 1º grau de jurisdição, oportunidade em que teria ciência da enfermidade psíquica grave da autora e poderia adotar as medidas adequadas para salvaguardar os seus interesses. Assim, é inaplicável o entendimento segundo o qual não há nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em segundo grau, uma vez que a ciência do Parquet acerca da ação e da situação da parte ainda em primeiro grau poderia, em tese, conduzir à ação a desfecho substancialmente diferente. De fato, percebe-se que a intervenção desde o início se fazia necessária não apenas para a efetiva participação do Parquet na fase instrutória (por exemplo, requerendo diligências para melhor elucidar a situação econômica dos filhos e a suposta impossibilidade de prestar auxílio à mãe), mas também para, se necessário, propor a ação de interdição apta a, em tese, influenciar decisivamente o desfecho desta ação.

Tese Firmada: É nulo o processo em que não houve a intimação e a intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição, apesar da presença de parte com enfermidade psíquica grave e cujos legitimados para propor eventual ação de interdição possuem conflitos de interesses.

Questão Jurídica: Parte com enfermidade psíquica grave. Prévia declaração judicial de incapacidade. Irrelevância. Eventual ação de interdição. Legitimados ordinários. Conflito de interesses. Ministério Público. Ausência de intimação e intervenção em primeiro grau. Prejuízo concreto configurado. Nulidade processual.

Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA EM FACE DE EX-CÔNJUGE E FILHOS. PRETENSÃO DE OBTENÇÃO DE ACOLHIMENTO OU CUSTEIO DE LOCAL ESPECIALIZADO PARA RESIDÊNCIA DE PESSOA COM COMPROVADA ENFERMIDADE PSÍQUICA GRAVE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO E DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIA DECLARAÇÃO JUDICIAL DA INCAPACIDADE. IRRELEVÂNCIA. PROTEÇÃO AO FATICAMENTE INCAPAZ ABRANGIDA PELA REGRA DO ART. 178, II, DO CPC. VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO À PARTE. LEGITIMADOS À PROPOSITURA DE EVENTUAL AÇÃO DE INTERDIÇÃO INEXISTENTES OU QUE POSSUEM CONFLITO DE INTERESSES COM A PARTE. LEGITIMIDADE RESIDUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO INTIMADO. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO CAPAZES DE, EM TESE, INFLUENCIAR O DESFECHO DA CONTROVÉRSIA NO MÉRITO. PREJUÍZO CONCRETO CONFIGURADO. 1- Ação proposta em 22/02/2019. Recurso especial interposto em 24/02/2021 e atribuído à Relatora em 16/11/2021. 2- O propósito do recurso especial é definir se é nulo o processo em que não houve a intimação e a intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição, a despeito da presença de parte que possuía enfermidade psíquica grave, ainda que não declarada previamente por decisão judicial. 3- A nulidade do processo por ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público apenas deverá ser decretada quando sobressair prejuízo à pessoa cujos interesses deveriam ser zelados pelo Parquet no processo judicial. Precedentes. 4- Não há, em regra, nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em 2º grau. Precedentes. 5- A regra do art. 178, II, do CPC/15, ao prever a necessidade de intimação e intervenção do Ministério Público no processo que envolva interesse de incapaz, refere-se não apenas ao juridicamente incapaz, mas também ao comprovadamente incapaz de fato, ainda que não tenha havido prévia declaração judicial da incapacidade. 6- Na hipótese, a indispensabilidade da intimação e da intervenção do Ministério Público se justifica pelo fato incontroverso de que a parte possui doença psíquica grave, aliado ao fato de que todos os legitimados ordinários à propositura de eventual ação de interdição (art. 747, I a III, do CPC/15) não existem ou possuem conflito de interesses com a parte enferma, de modo que a ausência de intimação e intervenção do Parquet teve, como consequência, prejuízo concreto à parte. 7- Inaplicabilidade, na hipótese, do entendimento segundo o qual não há nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em 2º grau, uma vez que a ciência do Parquet acerca da ação e da situação da parte ainda em 1º grau poderia, em tese, conduzir à ação a desfecho substancialmente diferente. 8- Recurso especial conhecido e provido, para decretar a nulidade do processo desde a citação. (STJ. REsp 1.969.217-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/03/2022, DJe 11/03/2022 - Publicado no Informativo nº 729)