STJ. REsp 1.788.216-PR

Enunciado: Registra-se, inicialmente, que as normas analisadas e as suas redações são aquelas vigentesquando da prolação do acórdão recorrido, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020.A legislação de regência, mediante o enunciado normativo do art. 58, §1º, da Lei n. 11.101/2005,permitiu que o juiz, inobstante a rejeição pela assembleia geral de credores do plano de recuperaçãoproposto, concedesse a recuperação, deixando, assim, de declarar a falência da sociedadeempresária.Referido instituto tem a sua nomenclatura importada do direito americano, denominando-secram down.A doutrina esclarece didaticamente as peculiaridades do instituto. Assim, "terá o juiz, no entanto,a faculdade de impor a aceitação de um plano não aprovado pelos credores, desde que os demaisrequisitos tenham sido atendidos e seja 'fair and equitable' (justo e equitativo) em relação a cadauma das classes que o tiverem rejeitado. O plano deve obedecer à regra 'in the best interest ofcreditors'(no melhor interesse dos credores), ou seja, deve proporcionar-lhes pelo menos o que lhescaberia na hipótese de liquidação (falência) da empresa. Ao juiz competirá homologar (confirm) oplano".O objetivo do plano de recuperação não é outro senão alcançar aos credores, que agora decidemos rumos da empresa em precária situação econômico-financeira, ferramenta para alteraramplamente as obrigações, novando as dívidas de que são titulares, pelo que submetem a minoria àvontade da maioria, tendo em vista o propósito maior de superação da crise.Assim, não se pode pretender que o prazo de solvabilidade esteja amarrado ao prazo defiscalização pelo juízo dentro da recuperação de judicial, até mesmo porque tal conclusão não foraexpressada pelo legislador, que deixou ao alvedrio dos contratantes, quando da celebração do plano,o estabelecimento das regras que lhe são pertinentes.A Assembleia é soberana para a aprovação do plano que se mantenha dentro da legalidade e dosprincípios gerais de direito e, no que concerne, não há empecilho legal à previsão de carênciaassíncrona à fiscalização judicial do juízo da recuperação.O plano de recuperação é um negócio jurídico celebrado entre o devedor e os credores (a maioriadeles, pelo menos), tendo convolado vontades de ambas as partes no sentido de estender carências.Por outro lado, não houve um total e irrestrito estabelecimento de carências para após o prazo defiscalização.O que se quer, afinal, dizer é que, primeiro, não se pode pretender que a liberdade contratual -que deve sobrelevar entre credores e devedor no estabelecimento de uma reengenharia dos débitospara o alcance do propósito final da recuperação judicial - possa estar vinculada inexoravelmente aobiênio de fiscalização legalmente previsto.Por outro lado, mesmo que adotada a premissa de que a fiscalização iniciasse apenas quando doinício dos pagamentos, ainda assim, a amortização remanesceria por multifários meses sem areferida fiscalização.A alteração por que passara a Lei n. 11.101/2005, mediante a Lei n. 14.112/2020, evidencia opropósito que era latente do legislador de 2005, no sentido de que o biênio fiscalizatório não possuisincronicidade com o início do pagamento.A atual redação do art. 61 estabeleceu que aprovado o plano "o juiz poderá determinar amanutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigaçõesprevistas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperaçãojudicial, independentemente do eventual período de carência."Por derradeiro, não se pode fazer tábula rasa do que disposto no art. 62 da Lei n. 11.101/2005,que previra, mesmo ao final do biênio da recuperação concedida, o dever de cumprimento dasobrigações traçadas no plano, pois, ocorrido o inadimplemento, o credor poderá ajuizar ação deexecução de título judicial ou requerer a falência da sociedade por impontualidade. Esta a suaredação, que há de ser lida conjuntamente à norma do art. 94, III, "g" da Lei n. 11.101/2005.

Tese Firmada: É cabível a homologação pelo juízo do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores em assembleia (cram down), cumpridos os requisitos legais previstos no art. 58 da Lei n. 11.101/2005.

Questão Jurídica: Recuperação judicial. Assembleia geral de credores. Rejeição do plano. Declaração de falência. Inocorrência. Faculdade do juiz. Cram down. Cabimento. Art. 58 da Lei n. 11.101/2005. Período anterior à Lei n. 14.112/2020.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. PRETENSAS ILEGALIDADES NO PLANO DE RECUPERAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Controvérsia: Polêmica em torno da possibilidade de homologação do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores presentes na assembleia diretamente pelo juízo (cram down), discutindo-se o cumprimento dos requisitos legais, bem como a validade de determinadas cláusulas aprovadas. 2. Prazo de carência e biênio de fiscalização: A Lei 11.101/05, quando da prolação do acórdão recorrido, nada dispunha acerca da obrigatoriedade de os prazos de carência previstos no plano de recuperação serem inferiores ao período de fiscalização do juízo. Complexas são as crises enfrentadas pelas empresas, o momento por que passa a economia de um país, os efeitos generalizados de crises externas, globais ou não, a depender do setor em que atua a sociedade empresária, razão por que multifárias são as formas de recuperação que podem ser sustentadas para o soerguimento da empresa, assim como o é o cabedal de carências, abatimentos, reorganização social e da atividade, e os equacionamentos de receitas e despesas. A Assembleia é soberana para a aprovação do plano que se mantenha dentro da legalidade e dos princípios gerais de direito e, no que concerne, não há empecilho legal à previsão de carência assíncrona à fiscalização judicial do juízo da recuperação. 3. Alegação de crime, fraude a credores e favorecimento de um dos quirografários (fornecedora de energia elétrica): Alegação constante no recurso especial que se limita à prática de crime contra credores. O legislador procurou coibir atos fraudulentos e insidiosos pelos quais o devedor, mediante a prática de atos de disposição ou oneração, favorece determinado credor antes ou após a homologação do plano de recuperação. A recuperanda, ao contrário, submeteu a proposta à assembleia de credores, justificando-a na essencialidade do serviço prestado pela concessionária de energia, não tendo levado a efeito qualquer ato ao arrepio da assembleia. Ausente, assim, a tipificação do referido crime. Não se indicou, ademais, dispositivo de lei federal outro que tivesse sido afrontado a acerca do pedido de declaração da nulidade da Cláusula 3.3.3 do Plano de Recuperação Judicial. 4. Alienação ou oneração dos bens do ativo ou UPI's e destino dos valores realizados: O acórdão recorrido reconheceu atendidos os critérios legais no tocante à alienação dos bens do ativo, destacando que a cláusula constante no plano de recuperação aprovado pelo juízo "trata de alienação de bens prevista no artigo 66 da Lei n° 11.101/05 e descreve expressamente a destinação dos valores a serem obtidos a partir da alienação." A revisão dessas conclusões não pode ser levada a efeito por esta Corte Superior sem a reanálise do contexto fático probatório, revelando-se atraídos os enunciados 5 e 7/STJ. Previsão de que a venda de ativo da sociedade empresária poderá ser utilizado para o fomento de sua atividade e no sentido de superação da crise na verdade entra em comunhão com os objetivos da recuperação. Inexistência de ilegalidade, senão consonância com os fins últimos da recuperação. 5. Requisito quantitativo de aprovação: Tendo sido quase alcançada a aprovação por parte dos credores presentes na assembleia na forma do art. 45 da Lei 11.101/05, o juízo, com base no §1º do art. 58 da referida lei, procedeu ao que se entendeu por bem denominar de cram-down. Não há, assim, interesse em se ver reconhecida a afronta ao art. 45 da Lei 11.101/05, já que a aprovação do plano fora levada a efeito ante o cumprimento dos requisitos previstos no art. 58. 6. Defeito de representação do Fundo Invista: Esta Corte Superior não tem como acatar a alegação de defeito de representação do Fundo Invista e, assim, reconhecer a afronta ao art. 37, §4º, sem que revise os documentos segundo os quais o recorrente embasa a sua arguição, providência esta vedada, sabidamente, pelo óbice do enunciado 7/STJ. 7 . RECURSO ESPECIAL EM PARTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (STJ. REsp 1.788.216-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022 - Publicado no Informativo nº 730)