- TJ-SP
- STF
- STJ
-
TST
- Súmulas
- Orientações Jurisprudenciais
- Precedentes normativos
- TSE
- JEFs
- CJF
STJ. REsp 1.842.613-SP
Enunciado: Cinge-se a controvérsia a determinar se houve excesso por membro do Ministério Público por ocasião da entrevista coletiva por meio da qual, na qualidade de Procurador da República, divulgava os termos da denúncia ofertada em desfavor do então denunciado. Importa avaliar se houve o 'agir midiático' por parte do réu e abuso na divulgação da denúncia, capaz de gerar dano moral ao autor, porém, em nenhuma hipótese, o questionamento acerca do oferecimento, em si, da denúncia criminal ou os termos em que a peça fora elaborada ou os tipos penais que dela fazem parte. É indispensável à solução do caso que seja examinada a configuração do alegado excesso no exercício do direito de informar, de divulgar o oferecimento da denúncia criminal, a partir dos parâmetros traçados pela responsabilidade extracontratual. Com efeito, Código Civil orienta que "o abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito" e a exclusão deste ilícito, apta a afastar a responsabilidade civil, deve estar associada ao regular exercício de um direito, cuja prática não tolera excessos Destarte, de maneira objetiva, abusar do direito é extravasar os seus limites quando de seu exercício. Assim, configurado estará o abuso de direito, quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, desconsideradamente, ocasiona prejuízo a outrem. Na circunstância em análise, para verificação da ocorrência da subsunção dos fatos à cláusula geral do abuso do direito, em virtude da realização de coletiva de imprensa transmitida em rede nacional, cujo pretexto era informar a apresentação de denúncia criminal contra denunciado, o Procurador da República utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, imagem e não técnicas. Nessa ordem ideias, o processo é o alicerce sobre o qual se materializa a tutela jurisdicional. Sendo o direito penal a última ratio, o processo penal se revela como plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, apto à concretização das garantias e direitos fundamentais de estatura constitucional. A partir desse entendimento, não há espaço para dúvidas de que todos os agentes envolvidos nas bem delimitadas etapas da persecução penal devem cuidar para que o procedimento não se desvie de fundamentos éticos, assim como trabalhar pela preponderância intensificada dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não apenas vilipendiar-se direitos subjetivos, mas, também, e com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico. Na linha desse raciocínio, no caso em exame, revela-se inadequada, evidenciando o abuso de direito, a conduta do membro do Ministério Público ao caracterizar o denunciado de forma pejorativa, assim como ao anunciar a imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia que se conferia publicidade por meio da coletiva convocada. Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações "atécnicas", evidente que a sua anunciação também deveria reguardar-se daquelas qualificadores, que enviesam a notícia e a afasta da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo (princípio da publicidade) e a coloca, indesejavelmente, como narrativa do narrador, por isso que, gerando dano moral a vítima, é passível de sancionamento civil.
Tese Firmada: O excesso no exercício do direito de informar é capaz de gerar dano moral ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar, na mídia, o oferecimento da denúncia criminal.
Questão Jurídica: Oferecimento de denúncia. Divulgação de termos da denúncia. Excesso no exercício do direito de informar. Agir midiático. Abuso cometido por membro do Ministério Público. Indenização por dano moral. Possibilidade.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ENTREVISTA COLETIVA PARA INFORMAR O OFERECIMENTO DE DENÚNCIA CRIMINAL. EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA ENTRE OS DENUNCIADOS. DIVULGAÇÃO COMANDADA POR PROCURADOR DA REPÚBLICA. ENTREVISTA DESTACADA POR NARRATIVA OFENSIVA E NÃO TÉCNICA. UTILIZAÇÃO DE POWERPOINT. DECLARAÇÃO DE CRIMES QUE NÃO CONSTAVAM DA PEÇA ACUSATÓRIA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO CAUSADOR DO DANO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA DECIDIDA E NÃO IMPUGNADA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. ASSISTÊNCIA SIMPLES. ATUAÇÃO EM CONFORMIDADE COM A DO ASSISTIDO E NOS SEUS LIMITES. ACESSORIEDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. ILEGITIMIDADE ALEGADA EM CONTESTAÇÃO. DETERMINAÇÃO APÓS INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. DECISÃO MERITÓRIA. STF. TEMA N. 940. CONDUTA DANOSA QUE SE IDENTIFICA COM A ATIVIDADE FUNCIONAL. CONDUTA DANOSA IRREGULAR, FORA DAS ATRIBUIÇÕES FUNCIONAIS. AGENTE PODE SER O LEGITIMADO PASSIVO. 1. É firme o entendimento do STJ no sentido de que o magistrado é o destinatário da prova, competindo, portanto, às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da imprescindibilidade daquelas que foram ou não produzidas, nos termos do art. 130 do CPC. 2. Não havendo a parte recorrida impugnado, oportunamente, o reconhecimento pelo Tribunal de origem de sua legitimidade passiva ad causam, consolidou-se a preclusão, sendo vedado o exame do tema por este Tribunal Superior. 3. As matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão pro judicato, de modo que não podem ser novamente analisadas se já tiverem sido objeto de anterior manifestação jurisdicional. Precedentes. 4. O assistente, mormente a espécie simples, não propõe nenhuma demanda ao intervir no processo, limitando-se a sustentar as razões de uma das partes. Sua atuação é complementar à do assistido e não poderá contradizê-lo. 5. Na linha dos precedentes desta Corte, à assistência simples impõe-se o regime de acessoriedade, cessando a intervenção do assistente caso o assistido não recorra. 6. As condições da ação são apuradas de acordo com a teoria da asserção. Assim, o reconhecimento da legitimidade das partes se dá com base nos argumentos apresentados na inicial, que devem possibilitar a dedução, em abstrato, de que o autor pode ser o titular da relação jurídica levada a juízo. 7. Na linha do julgamento pelo STF do RE n. 1.027.633/SP, nas ações de indenização, quando a conduta danosa derivar do exercício das funções públicas regulares, o autor prejudicado não possuirá mais a opção de escolher quem irá ocupar o polo passivo da demanda ressarcitória: se o próprio agente ou se a entidade estatal a que o agente seja vinculado ou se ambos. Nessa individualizada situação, a demanda, necessariamente, será ajuizada em face do Estado, que, em ação regressiva, poderá acionar o agente público. 8. Nas situações em que o dano causado ao particular é provocado por conduta irregular do agente público, compreendendo-se "irregular" como conduta estranha ao rol das atribuições funcionais, a ação indenizatória cujo objeto seja a prática do abuso de direito que culminou em dano pode ser ajuizada em face do próprio agente. 9. Não é possível a declaração da revelia por inadequação da representação processual quando a regularidade daquela representação apenas se define após instrução probatória e análise do mérito da causa. 10. O direito é meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, nessa condição, estabelece regras, formas e cria instituições, apontando para a necessidade de garantias jurídico-formais capazes de evitar comportamentos arbitrários e irregulares de poderes políticos. 11. Age com abuso de direito, ofendendo direitos da personalidade, o sujeito que, a pretexto de divulgar o oferecimento de denúncia criminal em entrevista coletiva, utiliza-se de termos e adjetivações ofensivos ("comandante máximo do esquema de corrupção", "maestro da organização criminosa") e marcados pelo desapego à técnica, assim como insinua a culpabilidade do denunciado por crimes antes que se realize o julgamento imparcial imparcial, referindo-se ainda a fatos e tipo penal que não constem da denúncia a que se dá publicidade. 12. É norma fundamental o dever de não prejudicar outrem. Essa "regra de moral elementar", de conteúdo mais amplo do que o do princípio da liberdade individual, é, forçosamente, limitativa das faculdades que o exercício desta comporta. O abuso de direito é, na origem, ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado ilícito. 13. Abusar do direito é extravasar os seus limites quando de seu exercício. Assim, quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, desconsideradamente, ocasiona prejuízo a outrem, estará configurado o abuso de direito. 14. Sempre que os limites socialmente aceitos forem ultrapassados, dando lugar a situações geradoras de perplexidade, espanto ou revolta decorrentes do exercício de direitos, a resposta do ordenamento só pode ser uma: a repulsa ao agir abusado, desarrazoado. 15. O processo é o alicerce sobre o qual se materializa a tutela jurisdicional e, nessa linha, o processo penal se revela como plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, apto à concretização das garantias e dos direitos fundamentais, sem se desviar de fundamentos éticos, trabalhando pela preponderância intensificada dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 16. O oferecimento de uma denúncia deve orientar-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se à sua formação a certeza, a densidade e a precisão, quanto à narração dos fatos, e a coerência, quanto à sua conclusão, além do mister de ser juridicamente fundamentada.. 17. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não somente vilipendiar direitos subjetivos, mas, também, com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico. 18. Para a fixação definitiva da indenização, ajustando-se às circunstâncias particulares do caso, considera-se a gravidade do fato, ofensa à honra e reputação da vítima, ex-Presidente da República, com base em imputações da prática de crimes que não foram objeto da denúncia e em qualificações não técnicas; os meios utilizados na divulgação, com convocação dos principais canais de TV para transmissão para o Brasil e outros países, com ampla repercussão; a responsabilidade do agente, Procurador da República, capaz tecnicamente de identificar os termos utilizados em seu discurso e a repercussão do que se propagava, com razoável capacidade financeira para suportar o pagamento. 19. Recurso especial parcialmente provido, para condenar o recorrido ao pagamento de indenização no valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais). (STJ. REsp 1.842.613-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 22/03/2022 - Publicado no Informativo nº 730)