STJ. EREsp 1.265.625-SP

Enunciado: Trata-se de embargos de divergência que visam a compor o antagonismo de interpretações dadas quanto à necessidade ou não de seguimento do feito na Justiça Federal ante a intervenção da União na demanda, na qualidade de assistente simples pela Quarta e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. No caso, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do agravo interno deu provimento ao recurso especial, acolhendo a alegação de violação do art. 535 do CPC/1973 (atual art. 1.022 do CPC/2015), determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem - Tribunal de Justiça do Estado. A União ingressou no processo na qualidade de assistente, logo após a interposição de agravo interno pela assistida, interpôs embargos de declaração objetivando reparo de ordem processual no que tange à determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, uma vez que, ao reconhecer a União como assistente simples, a remessa dos autos deveria ser determinada ao Tribunal Regional Federal. À luz da interpretação dada pela Quarta Turma, no caso em comento seria aplicável o art. 43 do CPC, que estabelece a regra da perpetuatio jurisdictionis em favor do Tribunal de Justiça, para se evitar deslocamentos indesejáveis do foro, consignando ainda que, tendo as decisões de mérito sido proferidas pela Justiça Estadual, tanto no 1º como no 2º grau de jurisdição, não há que se falar em possibilidade revisional pela Justiça Federal. Por outro lado, entende a Segunda Turma, no julgamento do AgRg na RCDESP no REsp n. 556.382/DF, sendo relator para o acórdão o Ministro Herman Benjamin, que, havendo a intervenção da União na demanda, bem como o provimento do recurso por ofensa ao art. 535 do CPC, a remessa dos autos deve ser feita não mais ao Tribunal de Origem, mas sim ao Tribunal Regional Federal da circunscrição, de modo a respeitar efetivamente o art. 109, I, da Constituição Federal, sob pena de nulidade de qualquer ato decisório praticado em relação à União no foro estadual. No caso, deve prevalecer o entendimento da Segunda Turma. O art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997 traz em sua redação a previsão legal da modalidade da intervenção anômala. Referida norma legal possibilita que, nas demandas que figurarem como parte - na qualidade de autoras ou rés - autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, a União e demais pessoas jurídicas de direito público intervenham de maneira ampla, não sendo necessária a demonstração de interesse jurídico, bastando que os atos realizados no processo possam lhes gerar algum reflexo, ainda que meramente econômico. Outrossim, no que diz respeito à competência por ocasião da ocorrência da intervenção anômala, conforme entendimento desta Corte Superior, a intervenção anômala da União no processo não é causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. A assistência simples, por seu turno, encontra previsão nos arts. 119 a 123 do Código de Processo Civil/2015. Nos termos do referido código, o assistente simples deve atuar como auxiliar da parte principal, na qual exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido, sendo ainda que do art. 119 extraem-se pressupostos de admissibilidade da assistência, quais sejam: i) a existência de uma relação jurídica entre uma das partes do processo e o terceiro e; ii) a possibilidade de a sentença influir na relação jurídica. Dessa forma, verifica-se que, na assistência simples, pela própria dicção do Código de Processo Civil, o terceiro interessado necessita ter interesse jurídico na causa, diferentemente do que ocorre na intervenção anômala, na qual basta, tão somente, o interesse meramente de natureza econômica. No caso em análise, no momento da admissão da habilitação da União na demanda, esta foi realizada na qualidade de assistente simples e em decisão que passou irrecorrida, sendo que, conforme anteriormente citado, nesses casos de intervenção, o interesse jurídico na causa deve estar presente e assim o fora reconhecido. O interesse jurídico específico da União a ser tutelado encontra-se presente, tendo em conta que reflete em evidente interesse público demonstrado - consubstanciado no abastecimento nacional de combustíveis, considerado de utilidade pública, conforme § 1º do art. 1º da Lei n. 9.847/1999, uma vez que, com a condenação da assistida, poderá ser afetada a continuidade das atividades desta e, consequentemente a atividade de distribuição de combustíveis no âmbito nacional, sendo que a alienação de participação societária noticiada não tem o condão de desconstituir tal interesse. Com efeito, o art. 109, I, da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, fato que implicaria a remessa dos autos ao Juízo federal. Assim, existindo o interesse da União no feito, na condição de assistente simples, a competência afigura-se como da Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, I, da Constituição Federal, motivo pelo qual devem ser acolhidos os embargos de declaração opostos pela União para determinar a baixa não mais ao Tribunal de origem, mas ao Tribunal Regional Federal competente para a análise do feito, para o que desinfluente o fato de que o acórdão a ser integrado fora proferido no Juízo estadual, uma vez que se trata de matéria atinente à competência absoluta, não sujeita à perpetuatio jurisdictionis, consoante expresso no art. 43 do CPC, parte final, tudo nos termos do paradigma. Dessa forma, deve prevalecer o entendimento dado pela Segunda Turma do STJ, reconhecer a competência da Justiça Federal, sendo o Tribunal Regional Federal competente para novo julgamento dos embargos de declaração.

Tese Firmada: Existindo interesse jurídico da União no feito, na condição de assistente simples, a competência afigura-se da Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, I, da Constituição da República, motivo pelo qual compete ao Tribunal Regional Federal o julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão proferido pela Justiça Estadual.

Questão Jurídica: Acordão proferido pela Justiça Estadual. Habilitação da União na qualidade de assistente simples. Interesse jurídico específico demonstrado. Intervenção anômala não configurada. Deslocamento da competência para a Justiça Federal. Perpetuatio jurisdictionis. Não incidência. Julgamento dos embargos de declaração que compete ao Tribunal Regional Federal.

Ementa: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO QUE DÁ PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. HABILITAÇÃO DA UNIÃO NO FEITO NA QUALIDADE DE ASSISTENTE SIMPLES. INTERESSE JURÍDICO ESPECÍFICO DEMONSTRADO. INTERVENÇÃO ANÔMALA NÃO CONFIGURADA. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. BAIXA DOS AUTOS PARA O TRF COMPETENTE. I - Cuida-se de embargos de divergência em recurso especial interpostos pela União, que litiga com Forte Comércio Importação, Exportação e Administração Ltda. e Outros, discorrendo que ingressou no processo na qualidade de assistente da Petrobras Distribuidora S.A., deferido à fl. 4.933, logo após a interposição de agravo interno pela assistida, contra decisão que, monocraticamente, negou provimento ao seu recurso especial, tudo em demanda de rescisão contratual cumulada com indenização a envolver valores ainda não liquidados, mas estimados pelas partes entre R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), segundo a União, e R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais), segundo os Autores/Embargados. II - A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do agravo interno interposto por BR Distribuidora, deu provimento ao recurso especial, acolhendo a alegação de violação do art. 535 do CPC/1973 (atual art. 1.022 do CPC/2015), determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Opostos embargos de declaração pela União, alegando unicamente "sanar o vício processual, indicando a necessidade de remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vez que, a partir do momento da intervenção da União no feito, a Justiça Federal tornou-se absolutamente competente para a análise da questão". III - Rejeitados os embargos de declaração, entendendo o e. relator que se aplica ao caso o art. 43 do CPC (regra da perpetuatio jurisdictionis em favor do TJ/SP), "pontuando ainda que, tendo sido as decisões de mérito proferidas pela Justiça Estadual, tanto no 1º como no 2º grau de jurisdição, não há falar em possibilidade revisional pela Justiça Federal". IV - Nos embargos de divergência, sustenta-se que, ao adotar tal entendimento, a Quarta Turma divergiu de posicionamento da Segunda e Terceira Turmas, indicando, da Terceira Turma, como paradigma, o REsp n. 843.924/RS e, da Segunda Turma, indicou o REsp n. 556.382/DF. Pugnou pelo provimento dos embargos de divergência para reparo de ordem processual no que tange à determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, uma vez que, ao reconhecer a União como assistente simples da BR Distribuidora, a remessa dos autos deveria ser determinada ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. V - O art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997 traz em sua redação a previsão legal da modalidade da intervenção anômala - intervenção promovida pelas pessoas jurídicas de direito público - ao dispor nos seguintes termos: "Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes. " VI - Referida norma legal possibilita que, nas demandas que figurarem como parte - na qualidade de autoras ou rés - autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, a União e demais pessoas jurídicas de direito público intervenham de maneira ampla, não sendo necessária a demonstração de interesse jurídico, bastando que os atos realizados no processo possam lhes gerar algum reflexo, ainda que meramente econômico. VII - Outrossim, no que diz respeito à competência por ocasião da ocorrência da intervenção anômala, conforme entendimento desta Corte Superior, a intervenção anômala da União no processo não é causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Nesse sentido: (AgInt no CC 152.972/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 11/4/2018, DJe 19/4/2018); (AgInt no REsp 1.535.789/PE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 9/3/2020, DJe 11/3/2020); (AgInt no CC 150.843/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 3/12/2019, DJe 6/12/2019.) VIII - A assistência simples, por seu turno, encontra previsão nos arts. 119 a 123 do Código de Processo Civil/2015. Nos termos do referido código, o assistente simples deve atuar como auxiliar da parte principal, na qual exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido, sendo ainda que do art. 119 extraem-se pressupostos de admissibilidade da assistência, quais sejam: i) a existência de uma relação jurídica entre uma das partes do processo e o terceiro e; ii) a possibilidade de a sentença influir na relação jurídica. IX - Em outras palavras, a assistência é admissível quanto for viável o auxílio e enquanto não houver trânsito em julgado da sentença, em qualquer tempo ou grau de jurisdição. Ainda, para intervir no processo, o assistente simples precisa, necessariamente, demonstrar presente interesse jurídico em sentença favorável ao assistido. X - Dessa forma, verifica-se que, na assistência simples, pela própria dicção do Código de Processo Civil, o terceiro interessado necessita ter interesse jurídico na causa, diferentemente do que ocorre na intervenção anômala, na qual basta, tão somente, o interesse meramente de natureza econômica. XI - No caso dos autos, no momento da admissão da habilitação da União na demanda, esta foi realizada na qualidade de assistente simples e em decisão que passou irrecorrida, sendo que, conforme anteriormente citado, nesses casos de intervenção, o interesse jurídico na causa deve estar presente e assim o fora reconhecido. XII - O interesse jurídico específico da União a ser tutelado encontra-se presente, tendo em conta que reflete em evidente interesse público demonstrado na petição de fls. 4.751-4.754 - consubstanciado no abastecimento nacional de combustíveis, considerado de utilidade pública, conforme § 1º do art. 1º da Lei n. 9.847/1999, uma vez que, com a condenação da BR Distribuidora, ora assistida, poderá ser afetada a continuidade das atividades desta e, consequentemente a atividade de distribuição de combustíveis no âmbito nacional, sendo que a alienação de participação societária noticiada não tem o condão de desconstituir tal interesse. XIII - Com efeito, o art. 109, I, da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, fato que implicaria a remessa dos autos ao Juízo federal. Assim, existindo o interesse da União no feito, na condição de assistente simples, a competência afigura-se como da Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, I, da Constituição Federal, motivo pelo qual devem ser acolhidos os embargos de declaração opostos pela União para determinar a baixa não mais ao Tribunal de origem, mas ao Tribunal Regional Federal competente para a análise do feito, para o que desinfluente o fato de que o acórdão a ser integrado fora proferido no Juízo estadual, uma vez que se trata de matéria atinente à competência absoluta, não sujeita à perpetuatio jurisdictionis, consoante expresso no art. 43 do CPC, parte final, tudo nos termos do paradigma. XIV - Embargos de divergência providos para, prevalecendo o entendimento dado pela Segunda Turma do STJ, reconhecer a competência da Justiça Federal, determinando a baixa dos autos ao Tribunal Regional Federal competente para novo julgamento dos embargos de declaração. (STJ. EREsp 1.265.625-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, por maioria, julgado em 30/03/2022 - Publicado no Informativo nº 731)