STJ. REsp 1.789.505-SP

Enunciado: O escopo da Lei n. 8.009/1990 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. Ademais, a fiança e a caução são institutos explicitamente diferenciadas pelo legislador enquanto modalidades de garantia do contrato de locação, nos termos do art. 37 da Lei n. 8.245/1991. Trata-se de mecanismos com regras e dinâmica de funcionamento próprias, cuja equiparação em suas consequências implicaria inconsistência sistêmica. Sobre o tema, a doutrina esclarece que "a caução é a cautela, precaução e, juridicamente, a submissão de um bem ou uma pessoa a uma obrigação ou dívida pré-constituída. Portanto, a caução é gênero, do qual são espécies a hipoteca, o penhor, a anticrese, o aval, a fiança etc". Assim sendo, consoante asseverado pela eminente Min. Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.873.594/SP, julgado em 02/03/2021 pela Terceira Turma, "o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem para dúvidas [...]. Caso o legislador desejasse afastar da regra da impenhorabilidade o imóvel residencial oferecido em caução o teria feito, assim como o fez no caso do imóvel dado em garantia hipotecária (art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990)". Dessa forma, violaria a isonomia e a própria previsibilidade das relações jurídicas estender à caução as gravosas consequências aplicadas à fiança pela Lei n. 8.009/1990. É que o ofertante do bem em caução não aderiu aos efeitos legais atribuídos ao contrato de fiança. Noutros termos, a própria autonomia da vontade, elemento fundamental das relações contratuais, restaria solapada se equiparados os regimes jurídicos em tela. Deste modo, a caução levada a registro, embora constitua garantia real, não encontra previsão em qualquer das exceções legais, devendo prevalecer a impenhorabilidade do imóvel, quando se tratar de bem de família.

Tese Firmada: É impenhorável o bem de família oferecido como caução em contrato de locação comercial.

Questão Jurídica: Locação comercial. Bem de família oferecido em caução. Impenhorabilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM CAUÇÃO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE REJEITARAM O PEDIDO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AGRAVANTE. Hipótese: possibilidade de penhora de bem de família oferecido como caução, pelos recorrentes, em contrato de locação comercial firmado entre o recorrido e terceiro. 1. O escopo da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. Precedentes. 2. O benefício conferido pela mencionada lei é norma cogente, que contém princípio de ordem pública, motivo pelo qual o oferecimento do bem em garantia, como regra, não implica renúncia à proteção legal, não sendo circunstância suficiente para afastar o direito fundamental à moradia, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 3. A caução levada a registro, embora constitua garantia real, não encontra previsão em qualquer das exceções contidas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990, devendo, em regra, prevalecer a impenhorabilidade do imóvel, quando se tratar de bem de família. 4. Na hipótese, contudo, verifica-se inviável reconhecer, de plano, a alegada impenhorabilidade, pois os requisitos para que o imóvel seja considerado bem de família não foram objeto de averiguação na instância de origem, sendo inviável proceder-se à aplicação do direito à espécie no âmbito desta Corte Superior por demandar o exame de fatos e provas, cuja análise compete ao Tribunal de origem. 5. Recurso especial parcialmente provido a fim de determinar o retorno dos autos à Corte a quo para que, à luz da proteção conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990 e afastada a exceção invocada no acórdão recorrido, proceda ao reexame do agravo de instrumento, analisando-se se o imóvel penhorado no caso concreto preenche os requisitos para se caracterizar como tal. (STJ. REsp 1.789.505-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 07/04/2022 - Publicado no Informativo nº 732)