STJ. REsp 1.443.290-GO

Enunciado: Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, em razão de empresas do setor agroindustrial se valerem da queima da palha da cana-de-açúcar como ato preparatório para o cultivo e a colheita nos canaviais, o que resultou na liberação de resíduos sólidos que poluem o meio ambiente e causam danos à população local. O artigo 27 da Lei n. 4.771/1965, já revogado, mas que se aplica ao caso em razão do princípio tempus regit actum, dipunha que: Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução (grifo nosso). O parágrafo único do artigo 27 da Lei n. 4.771/1965, foi regulamentado pelo Decreto n. 2.661, de julho de 1998, que estabeleceu normas de precaução relativas ao emprego de fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante autorização de Queima Controlada, conforme se observa inicialmente da redação do artigo 2º, contido no Capítulo II, que trata da Permissão do Emprego do Fogo. O artigo 16 do Decreto n. 2.661/1998, por sua vez, tratou especificamente da redução gradativa do emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar. A Primeira Seção desta Corte e das Turmas que a compõem, já sob a vigência do Decreto n. 2.661/1998, manifestaram-se sobre a interpretação do parágrafo único do artigo 27 da Lei n. 4.771/1965 e a respeito do Decreto Federal n. 2.661/1998, tendo sido assentada a compreensão segundo a qual, não obstante prejuízos inequívocos à qualidade do meio ambiente, é lícita a queima da palha de cana-de-açúcar, desde que devidamente autorizada pelo Órgão ambiental competente e com a observância da responsabilidade civil por eventuais danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente ou a terceiros. Não se desconhece que há dois julgados da Segunda Turma desta Corte Superior que enfrentaram a questão e nos quais foi fixado o entendimento de que a atividade desenvolvida pela agroindústria não se amoldaria ao conceito de atividade agropastoril. Confiram-se: REsp 1.285.463/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe 6/3/2012; e o AgRg nos EDcl no REsp 1.094.873/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4/8/2009, DJe 17/8/2009. Evidencia-se, entretanto, que a Primeira e Segunda Turmas mantiveram o entendimento segundo o qual Administração Pública pode autorizar a queima das palhas da cana-de-açúcar em atividades agrícolas industriais, desde que se atente para determinados requisitos que viabilizem amenizar e recuperar os danos ao meio ambiente.

Tese Firmada: Sob a vigência da Lei n. 4.771/1965, é lícita a queima da palha de cana-de-açúcar em atividades agroindustriais, desde que devidamente autorizada pelo órgão ambiental competente e com a observância da responsabilidade civil por eventuais danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente ou a terceiros.

Questão Jurídica: Queima da palha de cana-de-açúcar. Aplicação do art. 27, parágrafo único, da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal) e art. 16 do Decreto n. 2.661/1998 às atividades agroindustriais. Possibilidade.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 326 E 535, II, DO CPC/1973. SÚMULA 284/STF. QUEIMA DA PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. APLICAÇÃO DO ART. 27, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 4.771/1965 E ART. 16 DO DECRETO N. 2.661/1998 ÀS ATIVIDADES AGROINDUSTRIAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo n. 2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 9/3/2016). 2. Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, em razão de os réus (empresas do setor agroindustrial) se valerem da queima da palha da cana-de-açúcar como ato preparatório para o cultivo e a colheita nos canaviais. A ação foi julgada improcedente em segundo grau, pois as rés, ora recorridas, estão amparadas por autorização da Administração Pública para proceder a queima controlada da vegetação. O Parquet estadual, por sua vez, recorre a esta Corte Superior e alega: (a) violação dos arts. 27 da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal) e 16 do Decreto n. 2.661/1998, porque a Corte de origem chancelou a possibilidade da queima da palha de cana-de-açúcar às rés, empresas agroindustriais, o que não seria possível; (b) violação do art. 326 do CPC/1973, pois seria devido a inversão do ônus da prova a fim de que as rés comprovassem ter obtido a autorização do Poder Público para a queima controlada; (c) subsidiariamente, seja reconhecida a ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973 "[...] em razão da ausência de uma análise aprofundada das teses relevantes suscitadas porém rejeitadas nos embargos de declaração (fl. 2.661)". 3. Não se conhece da suposta afronta ao artigo 535, II, do CPC/1973, pois o recorrente se limitou a afirmar, de forma genérica, a ofensa ao referido normativo sem demonstrar qual questão de direito não foi abordada no acórdão proferido em sede de embargos de declaração e a sua efetiva relevância para fins de novo julgamento pela Corte de origem. Incide à hipótese a Súmula 284/STF. 4. O art. 326 do CPC/1973 não apresenta comando capaz de autorizar, por si só, a inversão do ônus da prova ao réu, como pretende o recorrente, razão por que a alegação de malferimento à norma federal, sob essa perspectiva, não deve ser conhecida, nos termos do óbice contido na Súmula 284/STF. 5. "A jurisprudência do STJ afirma que, ainda que se entenda que é possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento, com a implementação de medidas que viabilizem amenizar os danos e recuperar o ambiente (REsp 1.668.060/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017". No mesmo sentido, confiram-se: AgInt no AREsp 1.071.566/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9/5/2019; e AgInt no REsp 1.702.892/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/10/2018. 6. Novo exame da regularidade da autorização da queima controlada da palha de cana-de-açúcar, tal como pretendido no apelo especial, impõe, inequivocamente, o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que encontra vedação no enunciado da Súmula 7/STJ. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ. REsp 1.443.290-GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022, DJe 28/04/2022 - Publicado no Informativo nº 734)