STJ. RHC 158.083-RO

Enunciado: Cinge-se a controvérsia acerca de provável litispendência na imputação de dois crimes de organização criminosa, um na esfera estadual e outro na esfera federal. Contudo, as instâncias ordinárias consignaram que a hipótese não revela a existência de litispendência, uma vez que a imputação formulada na Justiça Federal (Operação Deforest II) e a formulada na Justiça Estadual (Operação Deforest I) possuem em comum apenas a participação do agente. Diante do contexto fático delineado, com base em elementos concretos dos autos, tem-se devidamente definida a independência entre as organizações criminosas. A Operação Deforest I, em trâmite na Justiça Estadual, diz respeito a organização criminosa armada, destinada à prática de crimes de extorsão, os quais ocorreram entre 2018 e 22/10/2019. Já a Operação Deforest II, em trâmite na Justiça Federal, se refere a organização criminosa dedicada à extração ilegal e comercialização de madeiras retiradas de áreas de proteção ambiental, praticada entre 2012 e 2020. Ademais, não há identidade quanto aos integrantes de cada organização criminosa, com ressalva apenas de uma pessoa, que, em tese, lidera ambas. De outro lado, a prática dos fatos em localidades distintas também reforça a independência das organizações criminosas, já assentada com fundamento em diversos outros elementos fáticos. Dessa forma, o fato de as localidades se encontrarem na mesma região metropolitana em nada altera a configuração das duas organizações criminosas, uma vez que se trata de mera circunstância acidental. Ainda que assim não fosse, não é possível vincular a extorsão praticada em Ariquemes/RO e Cujubim/RO aos crimes ambientais ocorridos em Ponta do Abunã/RO. Ademais, o fato de a Polícia Federal, durante as investigações, ter afirmado se tratar de uma única organização criminosa ou o fato de a denúncia apresentada na Justiça Estadual afirmar a possibilidade de prática de outros crimes não tem o condão de vincular a descoberta de outros crimes à mesma organização criminosa ou à mesma competência, cuidando-se de frase que denota, em verdade, a continuidade das investigações, as quais, de fato, revelaram uma série de outros crimes. No entanto, a adequada delimitação e tipificação das condutas é atribuição do Ministério Público, cabendo ao judiciário analisar eventuais ilegalidades. Além disso, a Corte local assentou não haver conexão entre as ações penais, haja vista as organizações criminosas possuírem "objetivos que não se convergem, sendo que o simples compartilhamento de provas da Operação Deforest I (em trâmite perante juízo estadual) para a Operação Deforest II (em trâmite perante juízo federal), não implica na conexão capaz de ensejar a competência do juízo federal para processo e julgamento da ação penal que tramita perante o juízo estadual". Ademais, a ação penal em trâmite na Justiça Estadual já foi sentenciada, o que, nos termos do art. 82 do CPP excepciona eventual possibilidade de se avocar o processo.

Tese Firmada: A imputação de dois crimes de organização criminosa ao agente não revela, por si só, a litispendência das ações penais, se não ficar demonstrado o liame entre as condutas praticadas por ambas as organizações criminosas.

Questão Jurídica: Imputação de participação em duas organizações criminais. Alegação de litispendência. Não verificação. Condutas independentes e autônomas. Prolação de sentença na Justiça Estadual. Impossibilidade de reunião dos processos. Art. 82 do CPP.

Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. IMPUTAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM DUAS ORGANIZAÇÕES CRIMINAIS. ALEGAÇÃO DE LITISPENDÊNCIA. BIS IN IDEM. NÃO VERIFICAÇÃO. CONDUTAS INDEPENDENTES E AUTÔNOMAS. MOMENTO, LOCAL, CRIMES, MODUS OPERANDI, INTEGRANTES E OBJETIVOS DISTINTOS. 2. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA AFERIDA A PARTIR DA DOCUMENTAÇÃO TRAZIDA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. PANORAMA QUE NÃO REVELA CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 3. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ALEGAÇÃO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. DISTRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DE COMPETÊNCIAS. MATÉRIA NÃO EXAMINADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 4. ALEGADA CONEXÃO. NÃO CONSTATAÇÃO. AÇÕES PENAIS COM OBJETIVOS QUE NÃO CONVERGEM. PROLAÇÃO DE SENTENÇA NA JUSTIÇA ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO DOS PROCESSOS. ART. 82 DO CPP. SÚMULA 235/STJ. 5. RECURSO EM HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO. 1. O impetrante se insurge, em um primeiro momento, contra a imputação de dois crimes de organização criminosa, um na esfera estadual e outro na esfera federal, por considerar se tratar de litispendência. Contudo, as instâncias ordinárias consignaram que a hipótese não revela a existência de litispendência, uma vez que a imputação formulada na Justiça Federal (Operação Deforest II) e a formulada na Justiça Estadual (Operação Deforest I) possuem em comum apenas a participação do paciente. - Diante do contexto fático delineado, com base em elementos concretos dos autos, tem-se devidamente definida a independência entre as organizações criminosas. A Operação Deforest I, em trâmite na Justiça Estadual, diz respeito a organização criminosa armada, destinada à prática de crimes de extorsão, os quais ocorreram entre 2018 e 22/10/2019. Já a Operação Deforest II, em trâmite na Justiça Federal, se refere a organização criminosa dedicada à extração ilegal e comercialização de madeiras retiradas de áreas de proteção ambiental, praticada entre 2012 e 2020. Ademais, não há identidade quanto aos integrantes de cada organização criminosa, com ressalva apenas do recorrente, que, em tese, lidera ambas. - A prática dos fatos em localidades distintas também reforça a independência das organizações criminosas, já assentada com fundamento em diversos outros elementos fáticos. Dessa forma, o fato de as localidades se encontrarem na mesma região metropolitana em nada altera a configuração das duas organizações criminosas, uma vez que se trata de mera circunstância acidental. Ainda que assim não fosse, não é possível vincular a extorsão praticada em Ariquemes/RO e Cujubim/RO aos crimes ambientais ocorridos em Ponta do Abunã/RO. - O fato de a Polícia Federal, durante as investigações, ter afirmado se tratar de uma única organização criminosa ou o fato de a denúncia apresentada na Justiça Estadual afirmar a possibilidade de prática de outros crimes não tem o condão de vincular a descoberta de outros crimes à mesma organização criminosa ou à mesma competência, cuidando-se de frase que denota, em verdade, a continuidade das investigações, as quais, de fato, revelaram uma série de outros crimes. No entanto, a adequada delimitação e tipificação das condutas é atribuição do Ministério Público, cabendo ao judiciário analisar eventuais ilegalidades, não verificadas na hipótese. 2. O exame dos fatos trazidos nos autos é feito a partir dos documentos juntados pela defesa, em observância às decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, uma vez que não compete ao STJ, na via eleita, o revolvimento de fatos e provas. Nessa linha de intelecção, a partir do panorama delineado, não se verifica o alegado constrangimento ilegal. 3. No que diz respeito à alegada incompetência da Justiça Estadual, constato que não seria possível o reconhecimento da mencionada incompetência pelo TRF. De fato, a distribuição constitucional e legislativa das competências não autoriza a ingerência da Justiça Federal na Estadual, quando atua em sua competência ordinária, havendo mecanismos processuais próprios para se discutir eventual incompetência. Assim, não competindo ao TRF reconhecer eventual incompetência da Justiça Estadual, tem-se, no ponto, supressão de instância, o que inviabiliza o conhecimento da alegação pelo STJ. 4. A Corte local assentou não haver conexão entre as ações penais, haja vista as organizações criminosas possuírem "objetivos que não se convergem, sendo que o simples compartilhamento de provas da Operação Deforest I (em trâmite perante juízo estadual) para a Operação Deforest II (em trâmite perante juízo federal), não implica na conexão capaz de ensejar a competência do juízo federal para processo e julgamento da ação penal que tramita perante o juízo estadual". Ademais, conforme explicitado pelo próprio impetrante, a ação penal em trâmite na Justiça Estadual já foi sentenciada, o que, nos termos do art. 82 do CPP excepciona eventual possibilidade de se avocar o processo. No mesmo sentido, tem-se a Súmula 235/STJ. 5. Recurso em habeas corpus conhecido em parte e improvido. (STJ. RHC 158.083-RO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 17/05/2022, DJe 20/05/2022 - Publicado no Informativo nº 737)