STJ. HC 662.690-RJ

Enunciado: Trata-se de hipótese em que o Ministério Público estadual deflagrou investigação para apuração de suposta realização de escuta ambiental indevida, realizada por advogado, delito tipificado no art. 10 da Lei n. 9.296/96. Primeiramente, acerca da inviolabilidade (art. 133 da CF; artigo 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94), esta é limitada quando o próprio advogado é o investigado porque, naturalmente, o sigilo profissional se presta a assegurar o exercício do direito de defesa, não tendo como vocação a proteção da prática de ilícitos. Contudo, a realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito - em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato - não se confunde com a escuta ambiental indevida e é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do art. 387, § 6º, do Código de Processo Civil, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral. Na hipótese, trata-se de uma gravação ambiental em que as advogadas participaram do ato, na presença do inquirido e dos representantes do Ministério Público, inclusive se manifestando oralmente durante a sua realização, sendo certo que a gravação, ainda que clandestina ou inadvertida, realizada por um dos interlocutores, não configura crime, escuta ambiental, muito menos interceptação telefônica, mas apenas gravação ambiental. Com efeito, a adequação típica alvitrada pelo Ministério Público como justificativa para a instauração do procedimento investigativo é carente de mínima plausibilidade, afigurando-se insuficiência de justa causa à persecução. Em razão disso, a decisão judicial de busca e apreensão é fulminada pela nulidade por desdobramento (fruits of the poisonous tree). Embora não se afigure ética e moralmente louvável a realização de gravação clandestina, contrária às diretrizes preconizadas pela autoridade incumbida para o ato, a realidade é que, naquela conjuntura, não se revelou ilegal, muito menos criminosa.

Tese Firmada: A gravação ambiental em que advogados participam do ato, na presença do inquirido e dos representantes do Ministério Público, inclusive se manifestando oralmente durante a sua realização, ainda que clandestina ou inadvertida, realizada por um dos interlocutores, não configura crime, escuta ambiental, muito menos interceptação telefônica.

Questão Jurídica: Procedimento Investigatório Criminal Autônomo instaurado pelo Ministério Público estadual. Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Participação das advogadas no ato, na presença do inquirido e dos representantes do Ministério Público. Licitude. Prestígio aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Ementa: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL AUTÔNOMO INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. BUSCA E APREENSÃO. ILEGALIDADE. INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. INADEQUAÇÃO DA CORREIÇÃO PARCIAL. INOCORRÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA INVESTIGADA. TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO CRIMINAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ANULAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO. SUBSUNÇÃO CONTROVERSA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. LICITUDE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. PRESTÍGIO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. WRIT CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. A prerrogativa de instauração de procedimentos investigatórios criminais pelo Ministério Público não o exime de se submeter ao permanente controle jurisdicional. 2. Hipótese em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro deflagrou investigação em desfavor das pacientes para apuração de suposta realização de escuta ambiental indevida, delito tipificado no art. 10 da Lei n. 9.296/96. 3. A inviolabilidade (art. 133 da CF; artigo 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94) é limitada quando o próprio advogado é o investigado porque, naturalmente, o sigilo profissional se presta a assegurar o exercício do direito de defesa, não tendo como vocação a proteção da prática de ilícitos. Precedentes do STF e do STJ. 4. A correição parcial é espécie de impugnação de atos judiciais de natureza híbrida (administrativa/jurisdicional). Daí não ser censurável o seu conhecimento em hipóteses que tais - à luz, ainda, da fungibilidade recursal - não se afigurando teratologia. 5. A realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito - em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato - não se confunde com a escuta ambiental indevida e é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do art. 387, § 6º, do Código de Processo Civil, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral. 6. Adequação típica alvitrada pelo Ministério Público como justificativa para a instauração do procedimento investigativo carente de mínima plausibilidade, afigurando-se insuficiência de justa causa à persecução. Consequente decisão judicial de busca e apreensão fulminada pela nulidade por desdobramento (fruits of the poisonous tree). 7. Embora não se afigure ética e moralmente louvável a realização de gravação clandestina, contrária às diretrizes preconizadas pela autoridade incumbida para o ato, a realidade é que, naquela conjuntura, não se revelou ilegal, muito menos criminosa. 8. Inviável, portanto, o prosseguimento dos procedimentos objeto desta Impetração. 9. Writ em parte conhecido e, nessa extensão, concedida a ordem de habeas corpus para trancamento do Procedimento Investigatório Criminal n. 2020.00659710, instaurado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, anulando-se, de conseguinte, todos os atos de investigação e atos judiciais derivados de requerimentos nele formulados, notadamente a busca e apreensão realizada, com determinação de restituição dos bens das pacientes ilegalmente apreendidos. (STJ. HC 662.690-RJ , Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, QuintaTurma, por unanimidade, julgado em 17/05/2022 - Publicado no Informativo nº 737)