STJ. REsp 1.830.327-SC

Enunciado: A Lei n. 9.847/1999, que cuida da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, estabelece, de forma expressa, que os juros e a multa moratória eventualmente incidentes sobre as multas impostas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP devem fluir após o término do prazo de trinta dias de que dispõe o autuado para efetuar o pagamento, contados da decisão administrativa definitiva (art. 4º, § 1º). Por outro lado, a Lei n. 10.522/2001, que disciplina o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais - CADIN, adota, como dies a quo, por remissão à Lei n. 9.430/1996, o dia seguinte ao vencimento da obrigação, no caso da multa, e o primeiro dia do mês subsequente ao vencimento, no caso dos juros (art. 37-A), traduzindo, no ponto, antinomia aparente entre as normas. Isso porque, enquanto o diploma de 1999 prescreve que o valor originário da multa sofrerá a incidência dos encargos somente após ultimada a instância administrativa, o diploma de 2001 permite a sua fluência em momento anterior, quando esgotado o trintídio para pagamento fixado na decisão de primeira instância confirmatória da autuação, vale dizer, quando ainda não finalizado o procedimento administrativo. Todavia, verifica-se que a Lei n. 10.522/2001 disciplina, original e particularmente, a inscrição de créditos não pagos no CADIN, revelando, por conseguinte, objeto genérico e distinto do regramento acerca da incidência dos apontados encargos, foco da presente controvérsia. Já a Lei n. 9.847/1999, diferentemente, contém disciplina especial quanto ao procedimento, forma de pagamento e consectários das multas aplicadas especificamente pela ANP, como resultado da sua ação fiscalizadora sobre as atividades do abastecimento nacional de combustíveis. Segue-se, portanto, que estão presentes os elementos especializantes objetivo (processo administrativo com disciplina própria para apuração de infração praticada no mercado de combustíveis) e subjetivo (autuação promovida pela ANP). Assim, embora cronologicamente ulterior, a previsão inserida na Lei n. 10.522/2001 não tem o condão de afastar a aplicação do preceito específico, pois, conforme advertiu a doutrina, "não pode o aparecimento da norma ampla causar, só por si, sem mais nada, a queda da autoridade da prescrição especial vigente". Fato é que, quando ausente disposição legal específica quanto à forma de contagem dos acréscimos moratórios - o que não ocorre na espécie -, a legislação de regência de algumas agências reguladoras remete a atualização da multa para outros diplomas, a exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, cujo decreto regulamentador dispõe que a autarquia "atualizará os valores das multas segundo os critérios fixados pela legislação federal específica" (art. 17, § 5º, do Decreto n. 2.335/1997), e da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, que alude à legislação dos tributos federais (art. 29-A da Lei n. 11.182/2005). Por conseguinte, trata-se de opção legislativa que estabelece o termo inicial da fluência dos juros e da multa moratória para depois do epílogo da instância administrativa, ainda que o sujeito autuado não apresente defesa nem alegações finais, porquanto, considerando a ausência de data de vencimento da obrigação no auto de infração, somente se imporá o prazo de trinta dias para recolher o valor após decorridos, ao menos, os lapsos temporais para tais manifestações. Noutro giro, será apenas na decisão administrativa de procedência da autuação que se determinará o pagamento da multa com vencimento em trinta dias, esgotados os quais o montante poderá sofrer a incidência dos encargos (arts. 26 e 27 do Decreto n. 2.953/1999). Até aqui, portanto, não há, a rigor, conflito entre os diplomas legais envolvidos, uma vez que, tanto a lei específica, quanto a geral, prescrevem a fluência dos acréscimos tomando como baliza para o marco inicial o vencimento da obrigação encartado na decisão confirmatória irrecorrida. O dissenso desponta, efetivamente, quando o autuado recorre do pronunciamento administrativo de primeiro grau decisório, o que faz deslocar o termo inicial da fluência dos encargos do dia seguinte ao vencimento do trintídio fixado no pronunciamento para o dia subsequente ao trânsito em julgado da decisão do recurso, vale dizer, da decisão final ou definitiva. Cuida-se, no entanto, de marco legitimamente eleito pela lei especial e previsto na norma regulamentadora, dos quais defluem a prioridade do exercício de defesa pelo agente autuado em detrimento da satisfação adiantada da sanção pecuniária. No ponto, oportuno registrar que a Lei n. 9.847/1999 desestimula eventual conduta protelatória do infrator, ao lhe conferir a significativa redução de trinta por cento do valor da multa, caso renuncie expressamente ao direito de recorrer da decisão confirmatória da autuação, no prazo disponível para a interposição do recurso. Nesse cenário, o art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.847/1999, pela especialidade que ostenta, afasta a incidência dos arts. 37-A da Lei n. 10.522/2001, e 61, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.430/1996, relativamente ao termo inicial da incidência dos juros e da multa moratória de multa administrativa imposta pela ANP.

Tese Firmada: Interposto recurso contra a decisão de primeiro grau administrativo que confirma a pena de multa imposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, os juros e a multa moratórios fluirão a partir do fim do prazo de trinta dias para o pagamento do débito, contados da decisão administrativa definitiva, nos termos da Lei n. 9.847/1999.

Questão Jurídica: Multa administrativa imposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP. Termo inicial dos juros e da multa moratória. Art. 4º, § 1º, Lei n. 9.847/1999. (Tema IAC 11/STJ).

Ementa: INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC NOS AUTOS DE RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA IMPOSTA PELA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. TERMO INICIAL DOS JUROS E DA MULTA MORATÓRIA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015. II - A Lei n. 9.847/1999 contém disciplina especial quanto ao procedimento, forma de pagamento e consectários das multas aplicadas especificamente pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, como resultado da sua ação fiscalizadora sobre as atividades do abastecimento nacional de combustíveis. III - Tese vinculante fixada, nos termos dos arts. 947, § 3º, do CPC/2015, e 104-A, III, do RISTJ: Interposto recurso contra a decisão de primeiro grau administrativo que confirma a pena de multa imposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, os juros e a multa moratórios fluirão a partir do fim do prazo de trinta dias para o pagamento do débito, contados da decisão administrativa definitiva, nos termos da Lei n. 9.847/1999. IV - Recurso especial da ANP desprovido. (STJ. REsp 1.830.327-SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 08/06/2022. - Publicado no Informativo nº 740)