STJ. REsp 1.986.064-RS

Enunciado: Destaca-se, inicialmente, que o art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950, prevê que "o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos". Ao interpretar tal dispositivo, o STJ firmou orientação no sentido de que para fazer jus ao benefício do prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, como é o caso dos núcleos de prática jurídica das instituições públicas de ensino superior, não se aplicando tal benefício aos núcleos de prática jurídica vinculados às universidades privadas. Todavia, o Novo Código de Processo Civil, por meio do art. 186, § 3º, estendeu a prerrogativa do prazo em dobro "aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública". É verdade que o CPC/2015 revogou expressamente alguns dispositivos da Lei n. 1.060/1950, dentre os quais não se encontra o art. 5º, No entanto, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a lei posterior revoga a anterior não apenas quando expressamente o declare (revogação expressa), mas também quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita). Considerando que a nova norma (art. 186, § 3º, do CPC/2015) é de mesma hierarquia da anterior (art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950) e passou a prever, de forma expressa, a aplicação do prazo em dobro aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei, não exigindo que elas sejam mantidas pelo Estado, ao menos com relação a tais entidades, o novo dispositivo legal é incompatível com o anterior e, por ser posterior deve prevalecer. No entanto, a interpretação literal do art. 186, § 5º, do CPC/2015 revela que o legislador não fez qualquer diferenciação entre escritórios de prática jurídica de entidades de caráter público ou privado. Em consequência, limitar tal prerrogativa aos núcleos de prática jurídica das entidades públicas de ensino superior significaria restringir indevidamente a aplicação da norma mediante a criação de um pressuposto não previsto em lei. Assim, a partir da entrada em vigor do art. 186, § 3º, do CPC/2015, a prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino superior.

Tese Firmada: A prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino superior.

Questão Jurídica: Instituições privadas de ensino superior. Escritórios de prática jurídica. Art. 186, § 3º do CPC. Prerrogativa de prazo em dobro. Aplicabilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO. TEMPESTIVIDADE. PARTE REPRESENTADA POR NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DE INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO SUPERIOR. PRAZO EM DOBRO. APLICAÇÃO. 1. Ação revisional de contrato de financiamento ajuizada em 02/10/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 15/02/2021 e concluso ao gabinete em 24/03/2022. 2. O propósito recursal consiste em definir se a prerrogativa de prazo em dobro prevista no art. 186, § 3º, do CPC/2015 se aplica aos núcleos de prática jurídica das instituições privadas de ensino superior. 3. O art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, prevê que "o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos". Ao interpretar tal dispositivo, o STJ firmou orientação no sentido de que para fazer jus ao benefício do prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, como é o caso dos núcleos de prática jurídica das instituições públicas de ensino superior, não se aplicando tal benefício aos núcleos de prática jurídica vinculados às universidades privadas. 4. Todavia, o Novo Código de Processo Civil, por meio do art. 186, § 3º, estendeu a prerrogativa do prazo em dobro "aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública". 5. É verdade que o CPC/2015 revogou expressamente alguns dispositivos da Lei nº 1.060/50, dentre os quais não se encontra o art. 5º. No entanto, nos termos do art. 2º, § 1º, da LINDB, a lei posterior revoga a anterior não apenas quando expressamente o declare (revogação expressa), mas também quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita). Considerando que a nova norma (art. 186, § 3º, do CPC/2015) é de mesma hierarquia da anterior (art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50) e passou a prever, de forma expressa, a aplicação do prazo em dobro aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei, não exigindo que elas sejam mantidas pelo Estado, ao menos com relação a tais entidades, o novo dispositivo legal é incompatível com o anterior e, por ser posterior, deve prevalecer. 6. A interpretação literal do art. 186, § 5º, do CPC/2015 revela que o legislador não fez qualquer diferenciação entre escritórios de prática jurídica de entidades de caráter público ou privado. Em consequência, limitar tal prerrogativa aos núcleos de prática jurídica das entidades públicas de ensino superior significaria restringir indevidamente a aplicação da norma mediante a criação de um pressuposto não previsto em lei. 7. Quanto ao método teleológico, dado que os núcleos de prática jurídica vinculados às unidades de ensino superior, sejam elas públicas ou privadas, prestam assistência judiciária aos hipossuficientes, é absolutamente razoável crer que eles experimentam as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, as quais são conhecidamente vivenciadas no âmbito da Defensoria Pública, de modo que o benefício do prazo em dobro é um instrumento criado para viabilizar a sua atuação. Também é razoável crer que tanto os escritórios jurídicos vinculados às instituições públicas quanto aqueles atrelados às universidades privadas são constantemente procurados por pessoas que não têm condições de arcar com as despesas para a contratação de advogado particular, recebendo um alto número de demandas. Por mais essa razão, o prazo em dobro constitui uma ferramenta imprescindível para o desempenho das atividades desenvolvidas pelos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito. 8. Assim, a partir da entrada em vigor do art. 186, § 3º, do CPC/2015, a prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino superior. 9. Na espécie, o Tribunal de origem afastou a prerrogativa de prazo em dobro à recorrente, porque representada por núcleo de prática jurídica vinculado à instituição de ensino privada, o que não se coaduna com a ordem jurídica vigente. 10. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 1.986.064-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 01/06/2022, DJe 08/06/2022 - Publicado no Informativo nº 740)