STJ. REsp 1.937.846-RJ

Enunciado: Na hipótese, o clube esportivo ingressou com ação em face do Banco Central do Brasil, buscando anular decisão administrativa que determinou a imposição de multa. O Banco Central do Brasil (BACEN), por meio de processo administrativo, concluiu pela existência de irregularidades em negociação de passe de atletas e excursões realizadas pela equipe de futebol profissional. Tais irregularidades estariam consubstanciadas nas Operações ilegítimas de câmbio, nos termos do art. 1º do Decreto n. 23.258/1933, decorrente da falta de comprovação da regular negociação da moeda estrangeira em estabelecimento autorizado a operar em câmbio no país e na compensação privada de créditos relativamente à aquisição de atleta, nos termos do art. 10 do Decreto-Lei n. 9.025/1946, uma vez que configurada administrativamente a compensação privada de créditos quando da negociação do passe de atleta de futebol com o outro clube esportivo. No que tange à primeira irregularidade encontrada pelo BACEN, o acórdão proferido pelo Tribunal de origem está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o Decreto n. 23.258/1933 foi recepcionado como lei e, por isso, não poderia ser revogado pelo Decreto s/n. editado em 1991. No que tange à segunda irregularidade encontrada pelo BACEN, a compensação, nos termos do art. 369 do CC/2002, diz respeito a coisas fungíveis, que se compensam em um contexto de dívidas líquidas e vencidas. Na hipótese, a negociação do passe de um atleta de futebol não se enquadra em uma obrigação cujo objeto é fungível; pelo contrário, a prestação consistente em transferir o passe de um atleta de futebol específico é, por essência, uma obrigação de natureza infungível e de execução específica. Portanto, com razão o afastamento da configuração do instituto jurídico da compensação, na hipótese. Desse modo, não merece procedência a pretensão em configurar a aplicabilidade do art. 10 do Decreto-Lei n. 9.025/1976.

Tese Firmada: A negociação do passe de um atleta de futebol específico é uma obrigação de natureza infungível e de execução específica, não podendo ser utilizada para compensação privada de créditos em operações de câmbio.

Questão Jurídica: Operação de câmbio. Compensação privada. Negociação. Transferência de passe de atleta de futebol. Obrigação infungível. Natureza específica. Impossibilidade. Art. 10 do Decreto-Lei n. 9.025/1976.

Ementa: PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO SANCIONADOR. REGULAÇÃO DE OPERAÇÕES CAMBIAIS PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. MULTA POR ILÍCITO CAMBIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 489 E 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA. ARTS. 3º E 6º DO DECRETO Nº 23.258/33. DECRETO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 COM STATUS DE LEI ORDINÁRIA. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO PELO DECRETO S/N DE 25 DE ABRIL DE 1991, ANTE O PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS LEIS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 10 DO DECRETO-LEI N. 9.025/1946. ALEGADA NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO ART. 42 DO DECRETO 2.574/1998. ATO NORMATIVO QUE ESCAPA AO CONCEITO DE LEI FEDERAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. Na origem, o Clube de Regatas do Flamengo ingressou com ação ordinária (fls. 1/53) por meio da qual buscou a "cassação da decisão administrativa que determinou a imposição de multa" (fl. 52) pecuniária a que foi condenado no processo administrativo nº 0001028830, instaurado no âmbito do Banco Central do Brasil, ou, subsidiariamente, a fixação da "multa em patamares condizentes com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e, claro, em moeda nacional" (fl. 53). 3. No julgamento de remessa necessária e de apelações interpostas pelo Clube de Regatas do Flamengo (fls.1.109/1.142), pela União (fls. 1.165/1.177) e pelo Banco Central do Brasil (fls.1.299/1.319), o Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu parcial provimento à apelação do Clube de Regatas do Flamengo, para reduzir a multa aplicada para o percentual de 70% (setenta por cento) sobre o valor das operações, e deu parcial provimento à remessa necessária e apelações da União e do Banco Central do Brasil para determinar que na cobrança seja procedida a conversão dos valores para moeda nacional tomando como base o câmbio da moeda ao tempo de cada uma das operações. 4. Os recursos especiais interpostos pelo Clube de Regatas do Flamengo (fls. 1.572/1.599), pelo Banco Central do Brasil (fls. 1.606/1.617) e pela União (fls. 1.618/1.624) buscam inaugurar a jurisdição especial do Superior Tribunal de Justiça para a análise dos seguintes pontos controvertidos: (1) Negativa de prestação jurisdicional, suscitada pelo recurso especial do BACEN (violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/2015); (2) Prescrição para a imputação da multa administrativa, questão suscitada nos recursos especiais do BACEN e do C. R. do Flamengo; (3) A alegada revogação do Decreto n. 23.258/33 por Decreto Presidencial sem número, suscitada no recurso especial do C. R. do Flamengo; (4) negativa de vigência do art. 42 do Decreto 2.574/1998, pelo recurso especial do C. R. do Flamengo; (5) Redução do percentual da multa do patamar de 100% sobre o valor de cada operação para 70%, questão da violação ao art. 6º do Decreto n. 23.258/1933 suscitada pelo recurso especial do BACEN; (6) Violação ao art. 10 do Decreto-Lei n. 9.025/1946, suscitada pelos recursos especiais da União e do BACEN; (7) Dissídio jurisprudencial, suscitado pelo BACEN. 5. Afasta-se a alegada violação dos artigos 489, §1º, IV, e 1.022, II, do CPC/2015, porquanto o acórdão recorrido manifestou-se de maneira clara e fundamentada a respeito das questões relevantes para a solução da controvérsia. A tutela jurisdicional foi prestada de forma eficaz, não havendo razão para a anulação do acórdão proferido em sede de embargos de declaração. 6. Quanto ao tema da prescrição, observo que os fatos que deram ensejo à aplicação das multas administrativas se referem a operações praticadas no período de 1993 a 1999, e que, de acordo com precedente paradigmático do STJ, "antes da Medida Provisória 1.708, de 30 de junho de 1998, posteriormente convertida na Lei 9.873/99, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal. Assim, a penalidade acaso aplicada sujeitava-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos, segundo a jurisprudência desta Corte, em face da aplicação analógica do art.1º do Decreto 20.910/32" (REsp 1115078/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 06/04/2010). 7. A Medida Provisória n. 1.708/1998, em seu art. 4° dispôs que: "Art. 4º Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2º, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1º de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data". Portanto, as infrações ocorridas antes de 01/07/1995, com o prazo ainda em curso, estariam fulminadas em 01/07/2000. Operações realizadas após 01/07/1995 seguiriam normalmente os ditames da Medida Provisória. 8. De acordo com as instâncias ordinárias, o ilícito que ficou remanescente e mais antigo datou de 24/08/1995, e a notificação para defesa se deu em 30/06/2000, de modo que a conclusão adotada está em conformidade com o entendimento deste Superior Tribunal e Justiça, não merecendo reparos. 9. Sobre o ponto trazido pelo recorrente C. R. do Flamengo, no que tange à inexistência da obrigação que lhe foi imposta, o acórdão proferido pelo Tribunal de origem está em conformidade com a jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o Decreto 23.258/1933 foi recepcionado como lei e, por isso, não poderia ser revogado pelo Decreto s/nº editado em 1991 (AgRg no REsp 1177351/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 10/10/2014 e AgRg no REsp 1417170/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 15/04/2014). 10. Quanto à negativa de vigência ao artigo 42 do Decreto 2.574/1998, referido normativo escapa ao conceito de Lei Federal, por se tratar do regulamento infralegal da denominada "Lei Pelé" (Lei 9.615/1998); e, ademais, o recurso especial, nesse ponto, contém argumentos genéricos e que se encontram dissociados dos fundamentos aplicados pelo acórdão recorrido, situação que não permite a exata compreensão da controvérsia e impede o conhecimento do recurso especial. Aplica-se também à hipótese a Súmula 284/STF. 11. No que diz respeito à alegação de violação ao art. 6º do Decreto n. 23.258/1933, o recorrente centrou sua fundamentação na analogia promovida pelo TRF2 com a Lei 13.155/2015; ocorre que, como se percebe pela leitura da ementa, essa não foi a fundamentação central e única do acórdão recorrido. Também nessa hipótese, o recorrente apresentou argumentos vagos a respeito da suposta ofensa ao artigo 6º do Decreto 23.258/1933, que se encontram dissociados dos fundamentos aplicados pelo acórdão recorrido, deixando não atacadas questões nucleares que serviram de fundamentação ao provimento judicial. Aplicam-se ao ponto as Súmulas 283 e 284/STF. 12. A União e o Banco Central do Brasil (BACEN) sustentam ainda que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região violou o art. 10 do Decreto-Lei n. 9.025/1946, ao interpretar que o negócio celebrado entre o C. R. do Flamengo e o clube Real Madrid se constitui em dação em pagamento - e não em uma compensação. 13. A compensação, nos termos do art. 369 do CC/2002, como bem asseverado pelo acórdão recorrido, diz respeito a coisas fungíveis, que se compensam em um contexto de dívidas líquidas e vencidas. Na hipótese, a negociação do passe de um atleta de futebol não se enquadra em uma obrigação cujo objeto é fungível; pelo contrário, a prestação consistente em transferir o passe de um atleta de futebol específico é, por essência, uma obrigação de natureza infungível e de execução específica. Portanto, com razão o acórdão recorrido no ponto em que afastou a configuração do instituto jurídico da compensação, na hipótese dos autos. 14. Por fim, o alegado dissídio jurisprudencial suscitado no recurso especial do BACEN não foi comprovado nos moldes estabelecidos nos artigos 1.029, § 1º, do CPC/2015 e 255, § 1º do RISTJ, tendo em vista que não foi realizado o devido cotejo analítico, com a demonstração clara do dissídio entre os casos confrontados, identificando os trechos que os assemelhem, não se oferecendo, como bastante, a simples transcrição de ementas ou votos. 15. Recurso especial interposto pelo C. R. do Flamengo conhecido em parte e, nessa extensão, não provido. Agravo em recurso especial interposto pela União conhecido para não prover o recurso especial. Agravo em recurso especial interposto pelo BACEN conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negado provimento. (STJ. REsp 1.937.846-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022 - Publicado no Informativo nº 740)