STJ. REsp 1.936.743-SP

Enunciado: A questão controvertida principal consiste em saber se a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, enseja o dever de reparar os danos, considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna (portas de plataforma) para impedir o trágico evento. No caso, e à luz da própria causa de pedir da demanda, é incontroverso que o lamentável e fatídico acidente decorre de caso fortuito (mal súbito, convulsão por epilepsia), consubstanciando fortuito externo que, segundo o curso normal das coisas, não se tinha como antever ou prevenir que a passageira caísse justamente na linha férrea. Na hipótese em exame, a presença de funcionário na estação, não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem, de apenas 29 anos de idade, que, em linha de princípio, não estaria a precisar de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô. Segundo a doutrina, o fato de tratar-se de responsabilidade objetiva "não elimina a necessidade de demonstrar-se a presença do dano e do nexo causal entre o dano e a qualidade de agente público do autor do dano, ou a conexão com a prestação do serviço público. Desse modo, as situações que servem para afastar o nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa exclusiva de terceiro, da mesma forma servem para exonerar a responsabilidade do Estado pelos danos sofridos por particulares. Não basta, assim, que haja falha de conduta atribuível ao Estado ou a seus agentes. É necessário que se verifique no processo causal, claramente, a relação entre a atuação atribuída ao Estado e o dano do que se reclama indenização". O nexo de causalidade é o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato. Não há, portanto, no caso, como considerar, à luz da teoria da causalidade adequada, a conduta da ré causa específica e determinante para o evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea, sem que seja por fatores ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço pelo piso estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco não está abrangido pela esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço público. Ademais, não é compatível com o CDC o entendimento de que há um "dever específico de prevenir o evento letal por todos os meios de que possa conceber o conhecimento humano e de que esteja à sua altura fazê-lo e desde que ainda não seja caso de impossibilidade material". O defeito a que alude o art. 14, § 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço. Assim, o defeito previsto no artigo não pode dizer respeito a um risco inerente do serviço ou produto de gerar danos, presente na generalidade dos transportes públicos que utilizam do mesmo modal, mas a algo que escapa do razoável, discrepante do padrão de outros serviços congêneres ou de outros exemplares do mesmo produto. Além do mais, como máxima de experiência, não é a regra que trens de metrôs, inclusive em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social, tenham as denominadas "portas de plataforma" (Platform Screen Doors - PSD). O recente art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, incluído pela Lei n. 13.655/2018, explicitou o dever do magistrado de considerar as consequências práticas da decisão. Ao considerar o serviço defeituoso, estar-se-ia tacitamente a impor o dever, em violação da tripartição de poderes, de a Companhia instalar imediatamente a tecnologia mais moderna de segurança, sem qualquer necessário criterioso exame das repercussões econômicas e dos efeitos externos da decisão, como eventual abrupto aumento do preço da tarifa de transporte. Mutatis mutandis, o Enunciado n. 446, da V Jornada de Direito Civil do CJF, propõe que a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do CC deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade. Por último, cumpre consignar que o caso não guarda nenhuma relação com aquele julgado pela Segunda Seção, em sede de recurso repetitivo, REsp 1.210.064/SP, Tema n. 517. Isso porque não se trata de "omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população", imposta por regulação do serviço público, em que o transeunte, de fato, seguindo o curso normal das coisas, inequivocamente pode vir a ser surpreendido e atropelado pela composição. Na verdade, quanto à questão das portas de plataforma, que por ora ainda não são usuais na maioria dos metrôs, a questão é diferente, pois o acidente ocorreu bem no momento em que a composição se alinhava à estação e, como é de sabença, nas estações de metrô há faixa amarela de segurança, paralela à via férrea (atrás da qual, no mínimo, devem permanecer os usuários, ainda mais sentindo incontroverso mal-estar), sendo certo que a aproximação do usuário da composição/linha férrea deve ocorrer apenas após o efetivo alinhamento da composição à estação, seguido de abertura de portas do trem e, em regra, de aviso sonoro. Portanto, cabe ressalvar que o caso é diverso daquele que foi solucionado pelo recurso repetitivo, e que não se adota o fundamento de culpa exclusiva da vítima da sentença, mas de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

Tese Firmada: Considera-se fortuito externo a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, não ensejando o dever de reparação do dano por parte da concessionária de serviço público, mesmo considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna para impedir o trágico evento.

Questão Jurídica: Responsabilidade civil objetiva. Concessionária de serviços públicos de transporte. Queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito. Nexo de causalidade entre a conduta da concessionária e o evento danoso. Inexistência. Não adoção de tecnologia moderna "portas de plataforma" (Platform Screen Doors - PSD). Irrelevância. Caso fortuito externo caracterizado.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. MORTE EM ESTAÇÃO DE METRÔ DECORRENTE DE MAL SÚBITO. ACIDENTE EM RELAÇÃO DE CONSUMO TAMBÉM A ENVOLVER SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA, FUNDADA NA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO, A PRESCINDIR DA DEMONSTRAÇÃO DE CULPA DO FORNECEDOR DE SERVIÇOS. CONSTATAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. NECESSIDADE. ENTENDIMENTO DE HAVER DEVER ESPECÍFICO DE PREVENIR ACIDENTES POR TODOS OS MEIOS QUE POSSA CONCEBER O CONHECIMENTO HUMANO. DESARRAZOABILIDADE. SERVIÇO DEFEITUOSO: AQUELE QUE NÃO FORNECE A SEGURANÇA QUE O CONSUMIDOR PODE ESPERAR, CONSIDERANDO-SE OS RISCOS INERENTES E A ÉPOCA EM QUE FOI PRESTADO. INTERVENÇÃO JUDICIAL AFETANDO POLÍTICAS PÚBLICAS. INADEQUAÇÃO COM REPERCUSSÕES SOCIAIS IMPREVISÍVEIS. 1. A responsabilidade civil objetiva, fundada na teoria do risco, foi desenvolvida a partir da constatação de que a responsabilidade civil fundada na culpa e na ilicitude do ato, por vezes, gerava iniquidades, mostrando-se insuficiente para propiciar a reparação de prejuízos verificados e demonstrar que o agente responsável pela atividade foi o causador do dano. A teoria induz que aqueles que desenvolvem atividades potencialmente perigosas devem acautelar-se para que elas não venham a causar danos a outrem, porquanto, se ocorrerem, não poderão escusar-se do dever indenizatório, argumentando a inexistência de culpa. 2. Nas relações de consumo que envolvam serviço público, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal prevê a responsabilidade civil do Estado e das concessionárias de serviço público, sob a modalidade do risco administrativo. Malgrado se trate de responsabilidade civil objetiva, apenas pela teoria do risco integral - adotada no ordenamento jurídico brasileiro em casos excepcionais, como na responsabilidade civil acidentária ou infortunística, coberta pelo seguro social; no seguro obrigatório para os proprietários de veículos automotores (DPVAT); e no dano nuclear -, não há necessidade de exame da relação de causa e efeito entre o dano e a conduta/atividade omissiva ou comissiva daquele tido por causador. 3. O fato de o acidente estar abrangido pela responsabilidade objetiva não elimina a necessidade de demonstrar a presença do dano e do nexo causal entre o dano e a qualidade de agente público do autor do dano ou a conexão com a prestação do serviço público. Nessa linha de intelecção, quanto ao nexo causal, embora existam inúmeras teorias, a da causalidade adequada é a que se revela a mais adequada para justificar o nexo de causalidade no plano jurídico. Isso tanto pelo exame do direito positivo quanto pela concepção de que a causalidade adequada constitui o retrato mais próximo do modelo nomológico científico da explicação causal, pugnando que só há uma relação de causalidade apropriada entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente for de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida. 4. No caso, à luz da própria causa de pedir da demanda, é incontroverso que o fatídico acidente decorreu de caso fortuito (mal súbito, convulsão por epilepsia), consubstanciando fortuito externo, que, segundo o curso normal das coisas, não se tinha como antever, prevenindo que a passageira caísse justamente na linha férrea do metrô, pouco antes do alinhamento da composição à estação, onde a ausência de funcionário, aludida na exordial, não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem, que, em linha de princípio, não precisaria de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô. 5. A conduta da ré não é causa específica e determinante para o evento danoso, pois a queda de passageira na linha férrea decorrente exclusivamente de mal súbito, por fatores não ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço em razão de o piso estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco que não está abrangido na esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço público. 6. Não é compatível com o CDC o entendimento de que há um "dever específico de prevenir o evento letal por todos os meios de que possa conceber o conhecimento humano e de que esteja à sua altura fazê-lo e desde que ainda não seja caso de impossibilidade material". Isso porque o art. 14 do CDC estabelece, no § 1°, que "o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais [...] II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido", e, no § 2º, que "o serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas". O defeito previsto nesse artigo não pode dizer respeito a um risco de gerar danos inerente ao serviço, presente na generalidade dos transportes públicos que utilizam do mesmo modal, mas a algo que escapa do razoável, discrepante do padrão de outros serviços congêneres. 7. Como máxima de experiência, não é a regra que trens de metrôs, inclusive em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social, tenham as denominadas "portas de plataforma" (Platform Screen Doors - PSD), sendo certo que, na presente data, existe projeto (política pública) para que, no decorrer dos próximos anos, haja a sua implantação na maior parte das estações de metrô da capital paulista. Portanto, seria contraproducente e prejudicial ao consumidor punir o fornecedor de serviços que busca aprimorar a segurança, uma vez que o acórdão recorrido, em suma, aponta que o fato de haver algumas estações com implantação da tecnologia mais moderna significa que existe o dever de já tê-la implantado em todas - sem se ater a questões de oportunidade, de conveniência e de possível desequilíbrio econômico-financeiro do serviço público delegado, ocasionador de abrupto e relevante reajuste da tarifa do serviço público. 8. No julgamento da ADI n. 4.923, o relator, Ministro Luiz Fux, salientou que não se pode perder de mira que intervenções judiciais incisivas - ainda que inegavelmente bem-intencionadas - sobre marcos regulatórios específicos, de setores técnicos e especializados, podem ter repercussões sistêmicas deletérias para valores constitucionais em jogo, repercussões essas imprevisíveis no interior do processo judicial, marcado por nítidas limitações de tempo e de informação (ADI n. 4.923, relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 8/11/2017, processo eletrônico DJe-064 divulgado em 4/4/2018, publicado em 5/4/2018). 9. Recurso especial da ré provido, e recurso da litisdenunciada parcialmente provido para, restabelecendo o decidido na sentença, julgar improcedente o pedido formulado na inicial. (STJ. REsp 1.936.743-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/06/2022 - Publicado no Informativo nº 741)