STJ. REsp 1.972.098-SC

Enunciado: Trata-se de proposta do Ministério Público para interpretação a contrario sensu da Súmula 545/STJ para concluir que, quando a confissão não for utilizada como um dos fundamentos da sentença condenatória, o réu, mesmo tendo confessado, não fará jus à atenuante respectiva. Contudo, tal compreensão, embora esteja presente em alguns julgados recentes desta Corte Superior, não encontra amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545/STJ. Estes precedentes instituíram para o réu a garantia de que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão qualificada, parcial, extrajudicial, retratada, etc. Nenhum deles, porém, ordenou a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da sentença, até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular. Nesse sentido, o art. 65, III, "d", do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório). Ademais, viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador. Afinal, se a lei condicionasse a atenuação da pena à menção da confissão na sentença condenatória, haveria um pressuposto adicional que mudaria o momento constitutivo do direito subjetivo do réu. Da mesma forma, caso o art. 65, III, "d", do CP impusesse à confissão pressupostos adicionais, não previstos para as demais atenuantes, ou exigisse que a confissão produzisse certos efeitos práticos sobre a investigação criminal, não haveria que se falar em legítima expectativa à redução da pena por parte do acusado que não cumprisse todos os requisitos legais. Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça. Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral). Consequentemente, a existência de outras provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais. O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena. A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda. É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei. Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, "d", do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.

Tese Firmada: O réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.

Questão Jurídica: Proposta de alteração da jurisprudência. Súmula 545/STJ. Pretendido afastamento da atenuante da confissão, quando não utilizada para fundamentar a sentença condenatória. Descabimento. Ausência de previsão legal. Princípios da legalidade, isonomia e individualização da pena. Interpretação do art. 65, III, "d", do CP. Proteção da confiança (vertrauensschutz) que o réu, de boa-fé, deposita no sistema jurídico ao optar pela confissão.

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 545/STJ. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO, QUANDO NÃO UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR A SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 65, III, "D", DO CP. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA (VERTRAUENSSCHUTZ) QUE O RÉU, DE BOA-FÉ, DEPOSITA NO SISTEMA JURÍDICO AO OPTAR PELA CONFISSÃO. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O Ministério Público, neste recurso especial, sugere uma interpretação a contrario sensu da Súmula 545/STJ para concluir que, quando a confissão não for utilizada como um dos fundamentos da sentença condenatória, o réu, mesmo tendo confessado, não fará jus à atenuante respectiva. 2. Tal compreensão, embora esteja presente em alguns julgados recentes desta Corte Superior, não encontra amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545/STJ. Estes precedentes instituíram para o réu a garantia de que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão qualificada, parcial, extrajudicial, retratada, etc. Nenhum deles, porém, ordenou a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da sentença, até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular. 3. O art. 65, III, "d", do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório). 4. Viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador. 5. Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça. 6. Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral). 7. Consequentemente, a existência de outras provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais. 8. O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena. A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda. 9. É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei. 10. Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, "d", do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória. 11. Recurso especial desprovido, com a adoção da seguinte tese: "o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada". (STJ. REsp 1.972.098-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, QuintaTurma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 20/06/2022 - Publicado no Informativo nº 741)