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STJ. AREsp 1.408.660-SP
Enunciado: A controvérsia diz respeito à possibilidade de condenar o chefe do Poder Executivo Municipal ao ressarcimento de valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração de Projeto de Lei, quando o ato administrativo encaminhado à Câmara Municipal, com vista à desafetação e venda de área pública, desconsidera a legislação vigente e há provas da ocorrência de desvio de finalidade. Na espécie, o ex-prefeito foi condenado em ação popular à devolução dos valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração do Projeto de Lei que gerou Lei que transformou bem público de uso especial em dominical, autorizando a sua venda, diante da desafetação em desconsideração à legislação vigente e com desvio de finalidade. Porém, o dano supostamente causado pelo réu, corrigido nesta ação, foi aquele provocado ao patrimônio histórico e cultural da cidade de São Paulo, em razão do alegado desvio de finalidade provocado pelo réu. É com esta lesão que o demandado mantém vinculação direta e necessária, e é por ela que é juridicamente responsável. Entretanto, a partir do momento em que deflagra o processo legislativo, a tramitação em si do projeto de lei não ofende nenhum bem jurídico tutelado em abstrato, ou seja, não provoca dano. No máximo, a movimentação da máquina estatal implica custo econômico, relacionado ao regular exercício de atribuições típicas da Administração. Mas custo não é sinônimo de dano. Mesmo se pudesse falar em dano, prevalece no Brasil, dentre as diversas teorias da causalidade, a da causa direta e imediata (teoria da interrupção do nexo causal), especialmente em razão do disposto no art. 403 do CC/2002. Nesse cenário, o elemento anterior ao dano deve se apresentar como único e necessário para provocar direta e imediatamente o resultado. A conduta direta e imediata do demandado apresenta nexo causal apenas com a deflagração do projeto de lei. O rumo que este (o projeto) tomou depois não tem mais relação direta com aquela (a deflagração). Isto é, a partir da conduta do recorrente, múltiplos destinos poderiam ser vividos: rejeição imediata do projeto; tramitação mais célere; tramitação mais vagarosa; envio a distintos órgãos da casa legislativa; participação ou não da sociedade etc. Assim, ainda que se falasse em "dano" quanto à tramitação do projeto de lei, este não teria relação direta e imediata com a conduta do ex-prefeito, mas sim seria decorrente da concomitância de outras causas e eventos, inclusive oriundos da conduta de terceiros (os membros da casa legislativa municipal).
Tese Firmada: Não é possível a condenação de prefeito ao ressarcimento de valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração de Projeto de Lei, na hipótese em que o ato administrativo encaminhado à Câmara Municipal desconsidera a legislação vigente, e é praticado com desvio de finalidade.
Questão Jurídica: Ação popular. Prefeito. Ato administrativo. Encaminhamento de projeto de lei à câmara municipal. Inobservância da legislação vigente. Desvio de finalidade. Condenação ao ressarcimento de valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração de Projeto de Lei. Descabimento. Teoria da interrupção do nexo causal.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. VIA ELEITA. LEI DE EFEITOS CONCRETOS. POSSIBILIDADE. LESÃO PATRIMONIAL. DESNECESSIDADE. PREFEITO. INICIATIVA E SANÇÃO DA LEI. LEGITIMIDADE PASSIVA. ADVOCACIA PÚBLICA. ATUAÇÃO. RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS. DECISÃO EXTRA PETITA. TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI. DANO. NÃO OCORRÊNCIA. NEXO CAUSAL. CONDUTA DO AGENTE. AUSÊNCIA. 1. Não deve ser conhecido o agravo que não ataque especificamente todos os fundamentos da decisão agravada, tanto nos termos do art. 544, § 4º, I, do CPC/1973, quanto nos moldes dos arts. 932, III, do CPC/2015 e 253, parágrafo único, I, do RISTJ. 2. Para afastar a aplicação da Súmula 7 do STJ, não é bastante a mera afirmação de sua não incidência na espécie, uma vez que deve "a parte apresentar argumentação suficiente a fim de demonstrar que, para o STJ mudar o entendimento da instância de origem sobre a questão suscitada, não é necessário reexame de fatos e provas da causa" (STJ, AgRg no AREsp n. 2.007.955/PA, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, DJe de 20/05/2022). 3. Esta Corte tem reiterado "a lição do Professor Hely Lopes Meirelles, litteris: O objeto da ação popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. (...) Dentre os atos ilegais e lesivos ao patrimônio público pode estar até mesmo a lei de efeitos concretos, isto é, aquela que já traz em si as conseqüências imediatas de sua atuação (...)" (REsp n. 776.848/RJ, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe de 06/08/2009). 4. No caso, a Corte local, nos exatos termos da premissa acima exposta, registrou que "a Lei Municipal n° 15.397/11, ao transformar bem público de uso especial em dominical, autorizando a venda, diante da desafetação, não se revela norma geral e abstrata, mas sim lei de efeitos individual e concreto". 5. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 824.781, Rel. Min. Dias Toffoli, sob a sistemática da repercussão geral, Tema 836, fixou a seguinte tese: "Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe." 6. Segundo preceitua o art. 6º da Lei n. 4.717/1965, a ação popular será proposta em desfavor, entre outros, das 'autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos deste'. [...] No escólio de Rodolfo de Camargo Mancuso, a mens legislatoris daquele preceito é 'estabelecer um espectro o mais abrangente possível, de modo a empolgar no polo passivo não só o causador ou produtor direto do ato ou conduta sindicados, mas também todos aqueles que, de algum modo, para eles contribuíram por ação ou omissão, e bem assim os que dele se tenham beneficiado diretamente' (in Ação Popular, São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2015, 8ª edição, pág. 203) (AgInt no REsp 1.389.434/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 26/09/2017). 7. Hipótese em que o Tribunal seguiu exatamente a orientação acima citada, entendendo que a legitimidade do requerido é manifesta, visto que foi dele a iniciativa da deflagração do processo legislativo, além de ter sancionado o ato combatido, acrescentando que teria sido dele o desvio de finalidade da lei. 8. A partir do momento em que é deflagrado processo legislativo, a tramitação em si do projeto de lei não ofende nenhum bem jurídico tutelado em abstrato, ou seja, não provoca dano, sendo certo que, no máximo, a movimentação da máquina estatal implica custo econômico, relacionado ao regular exercício de atribuições típicas da Administração. 9. No caso, não deve ser mantida a condenação do réu "à devolução dos valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração do Projeto de Lei n° 271/11, e em decorrência dele, a serem apurados em liquidação (art. 509, I e II, do CPC)", porque custo econômico não é sinônimo de dano. 10. Prevalece no Brasil, entre as diversas teorias da causalidade, a da causa direta e imediata (teoria da interrupção do nexo causal), especialmente em razão do disposto no art. 403 do CC, de modo que, nesse cenário, o elemento anterior ao dano deve se apresentar como único e necessário para provocar direta e imediatamente o resultado. 11. Na espécie, a conduta direta e imediata do demandado apresenta nexo causal apenas com a deflagração do projeto de lei, pois o rumo que este (o projeto) tomou depois não tem mais relação direta com aquela (a deflagração), isto é, a partir da conduta do recorrente, múltiplos e diferentes caminhos poderiam ser percorridos: rejeição imediata do projeto; tramitação mais célere; tramitação mais vagarosa; envio a distintos órgãos da casa legislativa; participação ou não da sociedade etc. 12. Assim, ainda que se falasse em "dano" quanto à tramitação do projeto de lei, este não teria relação direta e imediata com a conduta do ex-prefeito, mas sim seria decorrente da concomitância de outras causas e eventos, inclusive oriundos da conduta de terceiros (os membros da casa legislativa municipal). 13. É igualmente descabida a condenação do réu na reparação dos custos pela atuação da Procuradoria-Geral Municipal neste feito, porque não há, in casu, nenhum pedido da inicial expressamente apresentado nesse sentido. Ao contrário do que constou no acórdão recorrido, não se poderia deduzir essa pretensão da leitura sistemática da inicial, pois no momento em que a exordial foi elaborada, a parte autora nem sequer poderia prever que haveria a atuação da PGM na presente lide. 14. Se a atuação da assessoria jurídica, no curso desta ação, foi tida por irregular, tal fato poderia até ensejar o dever de reparação, mas no bojo de sede própria, mediante a apresentação de pretensão autônoma, com a garantia de ampla defesa e contraditório. 15. Agravo do Município de São Paulo não conhecido. Agravo do particular conhecido, para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, dar parcial provimento ao apelo. (STJ. AREsp 1.408.660-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022 - Publicado no Informativo nº 745)