STJ. AgRg no HC 754.506-MG

Enunciado: A reforma introduzida pela Lei n. 13.964/2019 ("Lei Anticrime"), preservando e valorizando as características essenciais da estrutura acusatória do processo penal brasileiro, modificou a disciplina das medidas de natureza cautelar, especialmente as de caráter processual, estabelecendo um modelo mais coerente com as características do moderno processo penal. Após o início da vigência da mencionada lei, houve a inserção do art. 3º-A ao CPP e a supressão do termo "de ofício" que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal. Assim sendo, o art. 310 e os demais dispositivos do Código de Processo Penal devem ser interpretados privilegiando o regime do sistema acusatório vigente em nosso país, nos termos da Constituição Federal, que outorgou ao Parquet a relevante função institucional, dentre outras, de "promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei" (art. 129, I, CF), ressalvada a hipótese, que é excepcional, prevista no art. 5º, LIX, da Carta Política e do próprio Código de Processo Penal. Assim, a despeito da manifestação do Ministério Público em audiência de custódia, a prisão que venha a ser decretada por Magistrado, à revelia de um requerimento expresso nesse sentido, configura uma atuação de ofício em contrariedade ao que dispõe a nova regra processual penal. Não se desconhece a existência de um precedente da Sexta Turma deste Tribunal acerca do tema, validando a decretação da prisão preventiva mesmo diante de requerimento expresso do Ministério Público para aplicar apenas as medidas cautelares. De acordo com a maioria dos membros do órgão fracionário, a "A determinação do Magistrado, em sentido diverso do requerido pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou pelo ofendido, não pode ser considerada como atuação ex officio, uma vez que lhe é permitido atuar conforme os ditames legais, desde que previamente provocado, no exercício de sua jurisdição". Contudo, aduzem-se votos divergentes, os quais fundamentam o estudo da tese em questão, no sentido de que: (I) "o juiz não deveria, sob os auspícios do sistema acusatório, decretar a prisão, como a cautelar máxima, atendo-se, diversamente, ao pedido do dominus litis." (Ministro Olindo Menezes); e (II) a decisão do Magistrado "tem como limite o que foi requerido pelo titular da ação. Ir além do que foi pedido será permitir que o juiz tenha uma iniciativa incompatível com o sistema acusatório, substituindo ou corrigindo, a seu bel prazer, a vontade do órgão de acusação ou suprindo suas eventuais falhas ou omissões (que são omissões ou falhas ao olhar do próprio juiz)" (Ministro Sebastião Reis). Assim, tratando-se de pedido do Ministério Público limitado à aplicação de medidas cautelares ao preso em flagrante, é vedado ao juiz decretar a medida mais gravosa, a prisão preventiva, por configurar uma atuação de ofício. Por último, a manifestação posterior do Ministério Público favorável à manutenção da prisão preventiva, proferida em sede de habeas corpus originário, não supre a ilegalidade da prisão decretada de ofício em primeiro grau, por se tratar de ação de manejo exclusivo da defesa em benefício do réu.

Tese Firmada: Se o requerimento do Ministério Público limita-se à aplicação de medidas cautelares ao preso em flagrante, é vedado ao juiz decretar a medida mais gravosa - prisão preventiva -, por configurar uma atuação de ofício.

Questão Jurídica: Prisão em flagrante. Requerimento do Ministério Público para aplicação de medidas cautelares mais brandas. Magistrado que determina a decretação da prisão preventiva. Impossibilidade. Atuação de ofício. Constrangimento ilegal.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRÁFICO DE DROGAS. REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES MAIS BRANDAS. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A reforma introduzida pela Lei n. 13.964/2019 ("Lei Anticrime"), preservando e valorizando as características essenciais da estrutura acusatória do processo penal brasileiro, modificou a disciplina das medidas de natureza cautelar, especialmente as de caráter processual, estabelecendo um modelo mais coerente com as características do moderno processo penal. Após a vigência da mencionada lei, houve a inserção do art. 3º-A ao CPP e a supressão do termo "de ofício" que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal. 2. Assim, "A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. Magistério doutrinário. Jurisprudência" (STF, HC 186490, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-255 DIVULG 21-10-2020 PUBLIC 22-10-2020). 3. Tratando-se de requerimento do Ministério Público limitado à aplicação de medidas cautelares ao preso em flagrante, é vedado ao juiz decretar a medida mais gravosa, a prisão preventiva, por configurar uma atuação de ofício. "A competência é de acolher ou negar, não lhe cabe exceder o pedido do Parquet. Para além disso, a decisão figura-se como de ofício, que, de forma clara, tem sido vedada por esta Corte." (STF, HC 217196/DF, Relator o Ministro Gilmar Mendes). 4. Na hipótese em exame, na audiência de custódia, "o Ministério Público pugnou pela concessão da liberdade provisória mediante a aplicação de cautelares diversas da prisão, dentre elas o recolhimento domiciliar". Contudo, a Magistrada singular concluiu pela decretação da prisão preventiva, por entender que estariam presentes os requisitos legais que autorizam a medida extrema, configurando uma atuação de ofício e em contrariedade ao que dispõe a nova regra processual penal. 5. Agravo regimental provido. (STJ. AgRg no HC 754.506-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 22/08/2022 - Publicado no Informativo nº 746)