STJ. HC 730.721-SP

Enunciado: O caso trata de um paciente apontado como um dos principais beneficiários finais dos desvios de recursos públicos (cerca de 18 milhões de reais) e médico com posição de liderança na organização criminosa constituída para fraudar licitações e contratações públicas realizadas por diversos municípios do Estado de São Paulo, por intermédio, desde 2018, de associação relacionada ao serviço de saúde, inclusive com a instalação e administração de hospitais de campanha destinados ao enfrentamento da pandemia de Covid-19. Tudo num complexo e estruturado esquema criminoso, voltado à prática de lavagem de capitais, de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Mesmo depois da deflagração da Operação Contágio, em 20/04/2021, teria havido distribuição de dinheiro pela organização criminosa, com armazenamento de valores em local tido como bunker (a Polícia Federal chegou a apreender mais de 463 mil reais); teria ocorrido a orientação pelos líderes da organização para que os sócios formais das empresas de fachada se ocultassem. Os desvios de recursos públicos estariam continuando mesmo após a nomeação de interventor judicial na associação. O paciente e outro investigado teriam tentado a destruição ou ocultação de provas, ao apagarem todos os registros de conversas do aplicativo Whatsapp com o intuito de destruir evidências. Nesse sentido, estão presentes indícios suficientes de autoria e de materialidade delitiva e há motivação idônea, concreta e contemporânea, para o decreto prisional, seja pela necessidade de interromper o ciclo delitivo da organização criminosa, seja para evitar a reiteração delitiva, ou mesmo a fim de assegurar a conveniência da instrução criminal. Tais particularidades demonstram a gravidade real dos fatos, a periculosidade social do paciente e a reiteração delitiva, havendo, portanto, motivação idônea e contemporânea para o decreto prisional.

Tese Firmada: A necessidade de interrupção do ciclo delitivo de associações e organizações criminosas é fundamento idôneo para justificar a custódia cautelar e a garantia da ordem pública.

Questão Jurídica: Operação "Contágio". Organização Criminosa. Diversos crimes. Prisão preventiva decretada. Gravidade real dos fatos. Insuficiência de medidas cautelares diversas. Novos crimes mesmo após a deflagração da operação. Necessidade de interrupção do ciclo delitivo da organização criminosa. Motivação idônea e contemporânea. Manutenção da custódia.

Ementa: HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CONTÁGIO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE CAPITAIS. PECULATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL AO LADO DE OUTRAS PROVIDÊNCIAS. INADEQUAÇÃO DA VIA USADA PARA IMPUGNAR A DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INEVIDÊNCIA DE ILEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E CONTEMPORÂNEA. PRECEDENTES. PARECER ACOLHIDO. 1. Quanto à alegada inadequação da via processual usada pelo Parquet para impugnar a decisão do Juízo Federal e alcançar a decretação da prisão preventiva do paciente e dos demais, além de outras providências quando das investigações, não houve debate nem decisão na Corte Regional sobre a matéria. É inadmissível a pretendida supressão de instância. 2. De todo modo, não percebi a existência de manifesta ilegalidade no ponto a justificar eventual concessão da ordem de ofício e, assim, declarar a ilegalidade do decreto prisional, a teor do que já foi decidido pela Terceira Seção (AgRg nos EAREsp n. 1.240.307/MT, Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 23/3/2021) e do contido no art. 593, II e § 4º, do CPP. 3. Diz a jurisprudência que a necessidade de interrupção do ciclo delitivo de associações e organizações criminosas, tal como apontado no caso concreto, é fundamento idôneo para justificar a custódia cautelar para a garantia da ordem pública. Precedente. 4. Vale lembrar que não cabe, em sede habeas corpus, proceder ao exame da veracidade do suporte probatório que embasou o decreto de prisão preventiva. Isso porque, além de demandar o reexame de fatos, é suficiente para o juízo cautelar a verossimilhança das alegações, e não o juízo de certeza, próprio da sentença condenatória. Precedente do STF. 5. Caso em que o paciente é apontado como um dos principais beneficiários finais dos desvios de recursos públicos (cerca de 18 milhões de reais) e médico com posição de liderança na organização criminosa constituída para fraudar licitações e contratações públicas realizadas por diversos municípios do Estado de São Paulo, por intermédio, desde 2018, da Associação Metropolitana de Gestão - AMG, relacionadas ao serviço de saúde, inclusive a instalação e administração de hospitais de campanha destinados ao enfrentamento da pandemia de Covid-19. Tudo num complexo e estruturado esquema criminoso, voltado à prática de lavagem de capitais, de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. 6. Mesmo depois da deflagração da Operação Contágio, em 20/4/2021, teria havido distribuição de dinheiro pela organização criminosa, com armazenamento de valores em local tido como bunker (a Polícia Federal chegou a apreender mais de 463 mil reais); teria ocorrido a orientação pelos líderes da organização, entre os quais o paciente, para que os sócios formais das empresas de fachada se ocultassem. Os desvios de recursos públicos estariam continuando mesmo após a nomeação de interventor judicial na AMG. E paciente e outro investigado teriam tentado a destruição ou ocultação de provas, ao apagarem todos os registros de conversas do aplicativo whatsapp com o intuito de destruir evidências. 7. Tais particularidades demonstram a gravidade real dos fatos, a periculosidade social do paciente e a reiteração delitiva, havendo, portanto, motivação idônea e contemporânea para o decreto prisional. 8. É entendimento desta Casa que as condições favoráveis do agente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada; e que é inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública. 9. Isso não impede, porém, que o Juízo a quo reavalie a necessidade da prisão preventiva em outra oportunidade, em atenção ao parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal. Daí poderá examinar os alegados relevantes fatos novos supervenientes à prisão. Proceder, aqui e agora, a tal análise configuraria nítida supressão de instância. 10. Ordem denegada. (STJ. HC 730.721-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, SextaTurma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022 - Publicado no Informativo nº 746)