STJ. RHC 154.979-SP

Enunciado: A colaboração premiada, hoje prevista em vários diplomas legais punitivos, foi introduzida no Brasil pela Lei n. 8.072/1990 (arts. 7º e 8º, parágrafo único), e tem sempre para o colaborador o objetivo personalíssimo de obter uma redução ou mesmo isenção de pena, como está claro na Lei n. 12.850/2013, que inclusive prevê que o MP poderá deixar de oferecer a denúncia (art. 4º, §§ 2º e 4º), o que, até mesmo pela excepcionalidade da norma penal, ou pré-processual penal, não se aplica às pessoas jurídicas, cuja responsabilidade penal se limita aos crimes ambientais (art. 225, § 3º - CF), e menos ainda em relação aos seus executivos, pessoas físicas, que têm o direito personalíssimo de, segundo a suja conveniência, admitir contra si a prática de crimes com o referidos propósitos penais. Segundo a Lei n. 12.850/2013, não se mostra possível o enquadramento de pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de crime de organização criminosa. Também não seria razoável qualificá-la como ente capaz de celebrar o acordo de colaboração nela previsto, menos ainda em relação aos seus dirigentes. O fator vontade do imputado vem previsto de forma expressa na lei, ao dispor que "Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor " (art. 4º, § 7º). Destaca-se que "o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, em voto da relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 127.483/PR, assentou o entendimento de que a colaboração premiada, para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo necessário que a ele se aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização" (APn 843/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 06/12/2017, DJe 01/02/2018). Nessa compreensão, rememora-se que acordo de leniência não é acordo de colaboração premiada. Ou se tem uma colaboração premiada, baseada, por exemplo, na Lei n. 12.850/2013, com todas as suas regras gerais (de matiz voltada para o Direito Penal), ou um acordo de leniência, seja o da Lei n. 12.846/2013 ou mesmo o da Lei n. 12.529/2011, caso se pretenda a atuação em âmbito cível e administrativo.

Tese Firmada: Pessoa jurídica não possui capacidade para celebrar acordo de colaboração premiada, previsto na Lei n. 12.850/2013.

Questão Jurídica: Acordo de colaboração premiada. Lei n. 12.850/2013. Celebração por pessoa jurídica. Incapacidade. Ausência de voluntariedade e possibilidade de responsabilização penal.

Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. TESE DE FALTA DE JUSTA CAUSA. ILEGITIMIDADE DE PESSOA JURÍDICA CELEBRAR ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA (LEI 12850/2013). POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO DO ACORDO POR DELATADO. EXIGÊNCIA DE VOLUNTARIEDADE E POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL. NÃO VERIFICAÇÃO DESSES REQUISITOS PARA PESSOA JURÍDICA. PROVIMENTO DO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EFEITO EXTENSIVO. 1. A colaboração premiada, hoje prevista em vários diplomas legais punitivos - Lei 7.492/1986 - art. 25, § 2º; Lei 8.137/1990 - art. 16, parágrafo único; Lei 9.034/1995 - art. 6º (revogada pela Lei 12.850/2013); Lei 9.613/1998 - art. 1º, § 5º; Lei 9.807/1999 - art. 13; Lei 11.343/2006 - art. 41; e Lei 12.850/2013 - art. 3º-A usque 7º) -, foi introduzida no Brasil pela Lei 8.072/1990 (arts. 7º e 8º, parágrafo único), e tem sempre para o colaborador o objetivo personalíssimo de obter uma redução ou mesmo isenção de pena, com está claro na Lei 12.850/2013, que inclusive prevê que o MP poderá deixar de oferecer a denúncia (art. 4º, §§ 2º e 4º), o que, até mesmo pela excepcionalidade da norma penal, ou pré-processual penal, não se aplica às pessoas jurídicas, cuja responsabilidade penal se limita aos crimes ambientais (art. 225, § 3º - CF), e menos ainda em relação aos seus executivos, pessoas fisicas, que têm o direito personalíssimo de, segundo a suja conveniência, admitir contra si a prática de crimes com o referidos propósitos penais. 2. A Lei 12.850/2013 estipula que "o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados" (art. 4º, caput). 3. Dispõe também que "o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor" (art. 4º, § 6º). 4. Como, de lege lata, não se mostra possível o enquadramento de pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de crime de organização criminosa, também não seria razoável qualificá-la como ente capaz de celebrar o acordo de colaboração nela previsto, menos ainda em relação aos seus dirigentes. 5. O fator vontade do imputado vem previsto de forma expressa na lei, ao dispor que "Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor " (art. 4º, § 7º). 6. Destaca-se que "o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, em voto da relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 127.483/PR, assentou o entendimento de que a colaboração premiada, para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo necessário que a ele se aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização" (APn 843/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/12/2017, DJe 01/02/2018). 7. A interpretação das leis penais e processuais penais merece relevante atenção, por tratarem, em maior ou menor extensão, do direito de liberdade do cidadão. Essas normas, salvo se para beneficiar o investigado/acusado, ou em casos de normas efetivamente sem conteúdo penal, devem ser interpretadas de maneira a obedecer ao máximo o princípio da legalidade, sem extensões ou restrições em seu conteúdo. 8. Nessa compreensão, ou se tem uma colaboração premiada, baseada, por exemplo, na Lei 12.850/2013, com todas as suas regras gerais (de matiz voltada para o Direito Penal), ou um acordo de leniência, seja o da Lei 12.846/2013 ou mesmo o da Lei 12.529/2011, caso se pretenda a atuação em âmbito cível e administrativo. O que importa, ao fim e ao cabo, é que se observe a lei respectiva e seu conteúdo. Acordo de leniência não é acordo de colaboração premiada! 9. A forma e o rito constituem garantias do acusado e limites de poder. Em última análise, deve-se garantir que não ocorra a situação onde a ameaça de possível prisão (cautelar ou em virtude de condenação definitiva) pressione imputados delatados em prévio "acordo empresarial" (no qual eventualmente vai constar a cúpula gestora da sociedade) a aderir à uma verdadeira "colaboração por arrastamento", sob pena de macular a voluntariedade necessária à avença e, por consequência, a própria ação penal daí decorrente. 10. Diante do reconhecimento da ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público e a empresa colaboradora, nulos também são os termos de adesão ao referido acordo. Restando nulificadas as "colaborações premiadas por adesão", e como aparentemente os referidos acordos restaram isoladas nos autos, sem notícia de outros elementos de convicção a instruir a denúncia, de rigor o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa. Precedentes. Prejudicadas as demais teses defensivas. 11. Recurso em habeas corpus provido para declarar a ineficácia da colaboração premiada celebrada entre o Ministério Público de São Paulo e a empresa Comércio e Construtora Camargo Corrêa, bem como os termos de adesão ao referido acordo, celebrados por Alessandro Vieira Martins e Emílio Eugênio Auler Neto, anulando-se ainda as provas que, diretamente, derivam do mencionado acordo e dos termos de adesão. Trancamento da ação penal n. 0004047-03.2019.8.26.0050 em relação ao recorrente (art. 648, I - CPP), com e feito extensivo (art. 580 - CPP). (STJ. RHC 154.979-SP, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), SextaTurma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 15/08/2022 - Publicado no Informativo nº 747)