STJ. REsp 1.698.997-SP

Enunciado: A controvérsia cinge-se em determinar se, em contrato garantido por hipoteca, o credor pode requerer a falência do devedor caso reconhecida a insuficiência do bem dado em garantia. O Tribunal de origem considerou que, em contrato garantido por hipoteca, não é possível ao credor requerer a falência do devedor, mas somente a constrição do imóvel hipotecado. Ponderou-se que, no presente caso, o bem hipotecado foi "tido por idôneo pelas instituições financeiras credoras, cujo zelo e rigor na avaliação da idoneidade de garantias contratuais dispensam comentários". Não é essa, todavia, a melhor interpretação para o dispositivo. O bem hipotecado é sujeito a vicissitudes que podem alterar de modo substancial o seu valor de mercado. Além disso, a evolução da dívida em face do prolongado inadimplemento do devedor, em cotejo com a inequivalente valorização do bem, são circunstâncias que devem ser consideradas. Note-se que o Código Civil prevê a possibilidade de vencimento antecipado da dívida à luz dessa realidade. Sem qualquer descompasso com esse silogismo, o art. 655, § 3º, do CPC/1973 (com a redação da Lei n. 11.382/2006) não previu que a penhora deveria recair obrigatoriamente sobre o bem hipotecado. Apenas estabelecia que a constrição incidiria, "preferencialmente", sobre o bem dado em garantia. A jurisprudência do STJ, seja interpretando a norma do art. 655, § 1º, do CPC/1973, seja interpretando o art. 835, § 3º, do CPC/2015 - que corresponde àquele -, em conformidade com o princípio da maior efetividade da execução, entende que a determinação legal de que a penhora incida sobre o bem hipotecado tem natureza "relativa, devendo ser afastada tal regra quando constatada situação excepcional, notadamente se o bem dado em garantia real se apresenta impróprio ou insuficiente para a satisfação do crédito da parte exequente" (AgInt no REsp n. 1.778.230/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 19/11/2019). Em tal contexto jurídico, a efetivação de penhora sobre o bem hipotecado, por si, não impede que o credor hipotecário, exequente, requeira a falência do devedor com fundamento no art. 94, II, da Lei n. 11.101/2005. Isso porque, se o referido bem, atualmente, não for suficiente para quitar a dívida - inexistindo pagamento, depósito ou ainda a indicação de outros bens à penhora, pelo devedor -, estará caracterizada a execução frustrada disciplinada no referido dispositivo. A inidoneidade do bem penhorado - ainda que objeto de garantia real - pode revelar-se em momento ulterior ao da constrição ou da hipoteca, o que deve ser aferido pelo juiz para avaliar a suficiência da garantia durante todo o trâmite processual, bem assim para fundamentar o decreto de falência do devedor com amparo no art. 94, II, da Lei n. 11.101/2005. Sob esse enfoque, a legislação processual determina a penhora de tantos bens quantos bastem para o pagamento da dívida total - principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios (arts. 659, caput, do CPC/1973 e 831 do CPC/2015) -, e permite a substituição do bem penhorado quando infrutífera a alienação judicial (arts. 656, VI, do CPC/1973 e 848, VI, do CPC/2015), outrossim admitindo que a penhora seja ampliada ou transferida após a avaliação para bens mais valiosos quando o valor dos penhorados for inferior ao respectivo crédito (arts 685, II, do CPC/1973 e 874, II, do CPC/2015).

Tese Firmada: Em contrato garantido por hipoteca, a efetivação de penhora sobre o bem dado em garantia, por si só, não impede que o credor requeira a falência do devedor com fundamento no art. 94, II, da Lei n. 11.101/2005.

Questão Jurídica: Contrato garantido por hipoteca. Constrição do bem dado em garantia. Insuficiência. Pedido de falência. Cabimento.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO AUTOR. EXECUÇÃO FRUSTRADA. ART. 94, II, DA LEI N. 11.101/2005. BEM HIPOTECADO. PENHORA. INSUFICIÊNCIA. PEDIDO DE FALÊNCIA. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Ofensa ao art. 535 do CPC/1973 descaracterizada, tendo em vista que o Tribunal de origem apreciou e decidiu fundamentadamente as questões invocadas pelas partes. 2. O art. 94, II, da Lei Federal n. 11.101/1995 autoriza a decretação da falência do devedor que, "executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal". 2.1. A expressão "bens suficientes" contida no dispositivo evidencia que não basta a tempestiva indicação de qualquer bem, sendo necessária a garantia integral do juízo da execução, bastante para satisfazer a obrigação judicialmente exigida. 3. A efetivação de penhora sobre o bem hipotecado, por si, não impede que o credor hipotecário, exequente, requeira a falência do devedor com fundamento no art. 94, II, da Lei n. 11.101/2005. Isso porque se o referido bem não for suficiente para liquidar a integralidade da dívida - inexistindo pagamento, depósito ou ainda a indicação de outros bens à penhora, pelo devedor -, resta caracterizada a execução frustrada disciplinada no referido dispositivo. 3.1. A inidoneidade do bem penhorado, ainda que objeto de garantia real, pode revelar-se em momento ulterior ao da constrição ou da hipoteca, o que deve ser aferido pelo juiz para avaliar a suficiência da garantia durante todo o trâmite processual, bem assim para fundamentar o decreto de falência do devedor com amparo no art. 94, II, da LRJF. 4. Recurso especial parcialmente provido. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA RÉ. FALÊNCIA. EXECUÇÃO FRUSTRADA. ART. 94, II, DA LEI N. 11.101/2005. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ POR PARTE DO AUTOR. VALOR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREJUDICIALIDADE. 1. Reformado o acórdão impugnado em decorrência do parcial provimento do recurso especial interposto pelo ora recorrido e determinado o retorno dos autos ao segundo grau para adequado exame da suficiência do bem penhorado e da procedência do pedido de falência à luz da tese jurídica ora adotada acerca do art. 94, II, da Lei n. 11.101/2005, descabe apreciar as alegações deduzidas pela recorrente, ré, sobre litigância de má-fé do autor e valor dos honorários advocatícios arbitrados em segundo grau. 2. Recurso especial prejudicado. (STJ. REsp 1.698.997-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022 - Publicado no Informativo nº 748)