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STJ. HC 711.194-SP
Enunciado: As medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não são penalidades judiciais impostas ao devedor, pois, se assim fossem, implicariam obrigatoriamente em quitação da dívida após o cumprimento da referida pena, o que não ocorre. Por esse motivo, é correto dizer que essas medidas também não representam uma superação do dogma da patrimonialidade da execução, uma vez que são os bens - e apenas os bens - do devedor que respondem pelas suas dívidas. Não se deve confundir, todavia, patrimonialidade da execução com a possibilidade de imposição de restrições pessoais como método para dobrar a recalcitrância do devedor. De fato, essas medidas devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores. A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, a propósito, é questão inédita nesta Corte, pois os precedentes até aqui examinados se circunscreveram aos pressupostos para deferimento de medidas dessa natureza, mas não às hipóteses de manutenção e de verificação de efetividade após o transcurso de determinado período. Feitas estas considerações. é correto afirmar que não há uma formula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais. No que tange ao bloqueio de passaporte, observa-se o peculiar e injustificado interesse que os devedores que afirmam estar em situação de miserabilidade, de insolvência ou de qualquer modo impossibilitados de adimplir as suas dívidas, possuem especificamente na posse desse documento. Isso porque ou bem o devedor realmente se encontra em situação de penúria financeira e não reúne condições de satisfazer a dívida (e, nessa hipótese, a suspensão do passaporte será duplamente inócua, como técnica coercitiva e porque o documento apenas ficará sob a posse do devedor no Brasil, diante da impossibilidade de custear viagens internacionais) ou o devedor está realmente ocultando patrimônio e terá revogada a suspensão tão logo quite as suas dívidas.
Tese Firmada: Não há um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração da medida coercitiva atípica, que deve perdurar por tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.
Questão Jurídica: Medidas executivas atípicas. Medidas coercitivas. Apreensão de passaporte. Limitação temporal. Inexistência de duração pré-estabelecida. Verificação caso a caso.
Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. DEVOLUÇÃO DE PASSAPORTE APREENDIDO HÁ DOIS ANOS COMO MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA PARA COMPELIR DEVEDOR A ADIMPLIR OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA. DEFICIENTE INSTRUÇÃO DO HABEAS CORPUS, QUE NÃO RETRATA A REALIDADE DOS FATOS PROCESSUAIS. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DE BOA-FÉ, ETICIDADE E COOPERAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DA INSTRUÇÃO ADEQUADA DO WRIT. ÔNUS DO PACIENTE. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. INUTILIDADE, INEFICÁCIA, DESNECESSIDADE OU CARÁTER PENALIZADOR DA MEDIDA. ÔNUS PROBATÓRIO DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE COTAS SOCIAIS DAS PESSOAS JURÍDICAS DE QUE É SÓCIO O DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA EXPRESSÃO ECONÔMICA, DESEMBARAÇO E SUSCETIBILIDADE DE PENHORA. PENHORABILIDADE NÃO DEDUTÍVEL DOS ELEMENTOS EXISTENTES, SOBRETUDO DIANTE DA EXISTÊNCIA DE DIVERSAS OUTRAS EXECUÇÕES FISCAIS E TRABALHISTAS. ÔNUS DA PROVA DO DEVEDOR. OFERECIMENTO À PENHORA DE RENDIMENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO. INSIGNIFICÂNCIA NO CONTEXTO DA DÍVIDA, QUE, DESSE MODO, SOMENTE SERIA ADIMPLIDA APÓS MAIS DE CINCO DÉCADAS. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DO PASSAPORTE SOB ESSE FUNDAMENTO. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. MANUTENÇÃO DA PATRIMONIALIDADE DA EXECUÇÃO. INCÔMODOS PESSOAIS AO DEVEDOR QUE O CONVENÇAM A ADIMPLIR E NÃO SOFRER ESSAS RESTRIÇÕES. POSSIBILIDADE. DURAÇÃO DA RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PRÉ-FIXAÇÃO. MEDIDA QUE DEVE PERDURAR PELO TEMPO NECESSÁRIO PARA VERIFICAÇÃO DA EFETIVIDADE DA MEDIDA. 1- O propósito do presente habeas corpus é definir se é manifestamente ilegal ou teratológico o acórdão que indeferiu o pedido de devolução do passaporte do paciente, apreendido há dois anos como medida coercitiva atípica destinada a vencer a sua renitência em adimplir obrigação de pagar quantia certa decorrente de condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, cuja execução se iniciou há dezessete anos. 2- Conquanto não admita ampla dilação probatória, o habeas corpus deve ser suficientemente instruído pelo paciente, a quem cabe, em homenagem aos deveres de boa-fé, eticidade e cooperação, colacionar toda a prova documental necessária à compreensão da controvérsia e à adequada reconstrução dos fatos relevantes ao julgamento. 3- Ao paciente que pretende a retomada de seu passaporte apreendido como medida coercitiva atípica, impõe-se o ônus de provar a inexistência de esgotamento das medidas executivas típicas, de índole essencialmente patrimoniais e expropriatórias, bem como que a medida coercitiva atípica deferida seria inútil, ineficaz, desnecessária ou se revestiria de mera penalidade pelo inadimplemento da obrigação. 4- Descabe cogitar a possibilidade de penhora de cotas sociais das pessoas jurídicas de que o paciente é sócio, como razão suficiente para a devolução do passaporte do devedor, sem que existam evidências de que as referidas cotas possuem expressão econômica, estão livres e poderão ser objeto de penhora válida, ônus que igualmente cabe ao paciente. 5- O oferecimento à penhora de parte dos rendimentos advindos de aposentadoria e pensão por morte recebidos pelo devedor somente será relevante para o fim de viabilizar o desbloqueio de seu passaporte se os valores obtidos a partir dessa modalidade executiva forem suficientes para o adimplemento integral da obrigação em tempo razoável. 6- As medidas coercitivas atípicas não modificam a natureza patrimonial da execução, mas, ao revés, servem apenas para causar ao devedor determinados incômodos pessoais que o convençam ser mais vantajoso adimplir a obrigação do que sofrer as referidas restrições impostas pelo juiz, de modo que a retenção do passaporte do devedor deve perdurar pelo tempo necessário para que se verifique, na prática, a efetividade da medida e a sua capacidade de dobrar a renitência do devedor, sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio. 7- Na hipótese em exame, os elementos obtidos neste habeas corpus e nos demais processos e recursos que envolveram a paciente e os demais co-executados que foram submetidos ao exame desta Corte demonstram que: (i) trata-se de dívida de honorários advocatícios sucumbenciais inadimplida desde 2006, ou seja, há mais de dezessete anos; (ii) o esgotamento das medidas executivas típicas está suficientemente evidenciado; (iii) há indícios suficientes de ocultação patrimonial da paciente e dos demais co-executados, sua filha e seu genro; (iv) é absolutamente razoável inferir que as cotas sociais das pessoas jurídicas de que a paciente é sócia não possuem expressão econômica, não estão livres e não são suscetíveis de penhora, inclusive diante da existência de inúmeras outras execuções fiscais e trabalhistas; (v) os rendimentos de aposentadoria e pensão oferecidos à penhora são insignificantes diante do valor da dívida, que, nesse contexto, somente seria quitada daqui a mais de cinquenta anos; (vi) o oferecimento de bem à penhora após dezesseis anos de execução infrutífera, ainda que claramente insignificante diante de seu contexto patrimonial e nitidamente insuficiente para adimplir a dívida, é evidência de que a retenção do passaporte do devedor está lhe causando o necessário incômodo pretendido por ocasião do deferimento da medida coercitiva atípica. 8- Ordem denegada. (STJ. HC 711.194-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd.Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/06/2022, DJe 27/06/2022 - Publicado no Informativo nº 749)