STJ. AREsp 1.325.652-RJ

Enunciado: No caso, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu ação civil pública em razão de repasses indevidos efetuados por fundação a entidade fechada de previdência complementar que assistia os então empregados celetistas daquela, no período de 1991 a 2007, a título de previdência complementar de servidores incluídos no regime estatutário (RJU - Regime Jurídico Único) após a edição da Lei n. 8.112/1990, postulando pela: a) reparação do erário; b) proibição de concessão de novos benefícios e cancelamento dos concedidos nos últimos 5 (cinco) anos. O Tribunal de origem condenou a fundação a cessar as contribuições para a entidade de previdência complementar e a entidade fechada de previdência complementar a: restituir os valores indevidamente recebidos; se abster de conceder novos benefícios, ressalvados os casos em que tal direito foi adquirido antes da edição da Lei n. 8.112/1990 e; cancelar os benefícios complementares indevidamente concedidos a estatutários após a edição da Lei n. 8.112/1990 e há menos de 5 (cinco) anos antes do ajuizamento da ação. Este comando judicial vulnerou parcialmente os princípios da segurança jurídica e boa-fé. Observa-se que o fundamento central para a condenação de cancelamento de benefícios e abstenção na concessão de novos se deu em razão do fato de haver coparticipação no financiamento por parte da fundação. Ocorre que essa situação não mais se perpetuaria, porque a fundação foi condenada a se abster de efetuar qualquer pagamento a título de contribuição para a entidade fechada de previdência complementar na condição de patrocinadora, além do fato de ter-se garantido a restituição do que foi indevidamente pago. Ou seja, o interesse público principal perseguido com esta ação (impedir o custeio irregular de previdência complementar por parte da Administração e restituir parte dos valores mal empregados) foi garantido com parcela das condenações. As demais obrigações impostas (de cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões), por sua vez, estão muito mais ligadas à relação estabelecida entre a entidade de previdência complementar e seus filiados, que ostenta outra natureza. A ingerência judicial nesse liame entre assistidos e entidade de previdência complementar, notadamente na profundidade com que foi imposta, pressuporia estar muito mais claro, agora no plano concreto, que os impactos da manutenção dos benefícios poderiam violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito. Com isso, revelar-se-ia a relevância social da intervenção e só assim se justificaria cogitar que não deveriam prevalecer, no particular, a boa-fé dos assistidos e a confiança legítima de que receberiam o retorno das suas contribuições em forma de benefícios. Mas, no caso, esse potencial impacto geral, transindividual e de efeitos coletivos deletérios, não foi o fio condutor da fundamentação externada no juízo a quo. Não houve menção sequer se a entidade de previdência complementar, só com seu próprio caixa ou com as contribuições já recolhidas dos associados, seria capaz de honrar com o pagamento dos benefícios. Diante desse cenário, não se justifica determinar a abstenção na concessão de novos benefícios, porque vulnera diretamente o princípio da confiança legítima que os assistidos tinham de que, após meses/anos de contribuição, receberiam contrapartida futura. Menos ainda, justifica-se a determinação de cancelamento de benefícios de assistidos que já estavam experimentando a fruição de acréscimo patrimonial e, de repente, sem direito de defesa, quiçá sem nem saber o porquê, teriam ceifada parcela da renda. Nesse último caso, a ofensa à segurança jurídica é até mais evidente. A preocupação geral com a manutenção da própria solidariedade do regime de previdência complementar, que justificaria a legitimidade, em abstrato, do MPF, não foi demonstrada em concreto nas decisões da origem. Não tendo sido revelada de maneira flagrante a relevância social quanto ao cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões, não cabia a intervenção judicial no caso, sob pena de violação dos princípios acima citados. Se as consequências desta ação puser em xeque a própria existência da entidade fechada de previdência complementar, poderá a Superintendência Nacional de Previdência Complementar atuar para dirimir todas essas questões de maneira holística e estrutural, nos termos da Lei n. 12.154/2009. É essa autarquia, no desempenho das suas atribuições técnicas, que melhor terá condições de direcionar as soluções aos problemas vistos em sua totalidade (benefícios concedidos antes de 1990, benefícios concedidos após a instituição do Regime Jurídico Único, associados ainda não beneficiados e com expectativa e direitos, associados ainda não beneficiados e com direito adquirido, etc) em caso de inviabilidade da manutenção dos benefícios.

Tese Firmada: Não é possível, em ação civil pública ajuizada pelo MPF, a ingerência judicial no liame entre assistidos e entidade de previdência complementar, notadamente a proibição de concessão de novos benefícios e o cancelamento de benefícios complementares indevidamente concedidos, sem que exista prova concreta de que a manutenção desses poderia violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito.

Questão Jurídica: Ação civil pública. Ministério Público Federal. Ingerência judicial no liame entre assistidos e entidade de previdência complementar. Proibição de concessão de novos benefícios e cancelamento de benefícios complementares. Direitos individuais homogêneos. Relevância social. Inexistência.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. COPARTICIPAÇÃO DA FUNASA. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. NECESSIDADE. PARCELA DA PRETENSÃO. PRESCRIÇÃO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIOS. DESCABIMENTO. 1. É entendimento pacífico nesta Corte Superior que o julgador não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos invocados pelas partes quando, por outros meios que lhes sirvam de convicção, tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. O Ministério Público detém legitimidade ativa para a propositura de ações civis públicas, visando à tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis e divisíveis, quando socialmente relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada. 3. Hipótese em que a pretensão da inicial tem o desígnio de promover a reparação de danos ao erário, tratando-se, portanto, de tutela difusa, e impedir a concessão de novos benefícios, além de cancelar os concedidos nos últimos 5 (cinco) anos, o que, ao menos em tese, poderia manter a higidez dos pagamentos realizados àqueles que já recebem benefícios, protegendo, portanto, direito individual homogêneo. 4. Quanto à reparação do dano, não haveria nenhuma margem de dúvida em relação à pertinência subjetiva do MPF, decorrente dos arts. 127 e 129 da CF, e, mesmo com relação à parcela do pedido referente aos direitos individuais homogêneos, também se extrai a legitimidade em abstrato, porque a discussão é socialmente relevante, já que da saúde financeira da CAPESESP dependem milhares de associados indeterminados. 5. Esta Corte Superior entende que a pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente de ato de improbidade, como é o caso dos autos, prescreve em 5 (cinco) anos. 6. Não há, no particular, nenhuma informação em concreto, nem mesmo alegação da parte interessada (MPF), no sentido de que a recorrente tenha respondido à ação de improbidade, não existindo, muito menos, notícia de que tenha sido reconhecida, judicialmente, a prática de ato ímprobo doloso, pelo que deve ser reconhecida a prescrição de parte da pretensão. 7. As conclusões adotadas pelo Tribunal de Contas da União não vinculam o Poder Judiciário, em razão da consagrada independência de instâncias. Precedentes. 8. Não obstante o tempo decorrido entre a criação do Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais (1990) e a efetiva instituição do regime de previdência complementar destes servidores (2012), o fato é que, exatamente por essa razão, inexistia autorização para que o gestor público continuasse a repassar valores para manter a entidade fechada de previdência complementar que existia antes da Lei n. 8.112/1990. 9. Os valores pagos de maneira irregular pela FUNASA à entidade de previdência privada devem ser por esta última devolvidos, respeitada a prescrição quinquenal. 10. No caso, as demais obrigações impostas à parte recorrente (de cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões), por sua vez, estão muito mais ligadas à relação estabelecida entre a entidade de previdência complementar e seus filiados, que ostenta outra natureza para além do interesse público, e devem ser revistas. 11. A ingerência judicial no liame entre os assistidos e a entidade de previdência complementar, notadamente na profundidade com que foi imposta na origem, pressuporia estar muito mais claro, agora no plano concreto, que os impactos da manutenção dos benefícios poderiam violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito, de maneira que revelar-se-ia a relevância social da intervenção. Só assim se justificaria cogitar que não deveriam prevalecer, no particular, a boa-fé dos assistidos e a confiança legítima de que receberiam o retorno das suas contribuições em forma de benefícios. 12. Na espécie, esse potencial impacto geral, transindividual e de efeitos coletivos deletérios não foi o fio condutor da fundamentação externada no juízo a quo, não havendo sequer menção se a recorrente, só com seu próprio caixa ou com as contribuições já recolhidas dos associados, seria capaz de honrar com o pagamento dos benefícios. 13. Não se justifica determinar a abstenção da concessão de novos benefícios, porque isso (a abstenção) vulnera diretamente o princípio da confiança legítima que os assistidos tinham de que, após meses/anos de contribuição, receberiam contrapartida futura, menos ainda se justifica a determinação de cancelamento de benefícios de assistidos que já estavam experimentando a fruição de acréscimo patrimonial e, de repente, sem direito de defesa, talvez até desconhecendo o motivo para tanto, teriam ceifada parcela da renda, pois, nesse último caso, a ofensa à segurança jurídica seria até mais evidente. 14. Se as consequências desta ação comprometer a própria existência da CAPESESP, poderá a Superintendência Nacional de Previdência Complementar atuar para dirimir todas essas questões de maneira holística e estrutural, nos termos da Lei n. 12.154/2009. 15. Agravo conhecido para dar parcial provimento ao recurso especial. (STJ. AREsp 1.325.652-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 4/10/2022 - Publicado no Informativo nº 752)