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STJ. REsp 1.836.910-SP
Enunciado: A regulação de sinistro consiste em uma atividade complexa e multidisciplinar, realizada pelos ajustadores de perdas em conjunto com os peritos nomeados pelas seguradoras. A atividade é feita, em regra, por empresas terceirizadas, isto é, constitui a soma da expertises da seguradora e da empresa que fará, por delegação da seguradora, as vezes de regulador. No caso, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública em face de Companhia de Seguros, sustentando que a seguradora adota, para celebração de contrato, questionário de avaliação de risco, e que realiza investigações sobre as circunstâncias de sinistros que lhe sejam comunicados pelo segurado, todavia, apurada eventual inexatidão das respostas, a indenização securitária é recusada ou reduzida, sem que seja dado acesso às provas apuradas ou a contraposição a elas. Segundo a doutrina, "a regulação do sinistro não tem recebido maior atenção no direito positivo brasileiro, diferentemente do que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, nos quais costuma ser objeto de alguma disciplina legal. O Código Civil de 2002, no capítulo relativo ao contrato de seguro (arts. 757 a 802), não dispõe a respeito do procedimento. O mesmo se diga em relação ao Código Civil de 1916 e ao Dec.-lei n. 73/66, este ainda em vigor. [...] Deste modo, torna-se objeto de disposições contratuais e de normas administrativas emitidas pelo ente regulador". O art. 2º do Decreto-Lei 73/1966, que criou a Susep, estabelece no art. 36 que compete à Susep: a) baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; b) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; c) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do CNSP e aplicar as penalidades cabíveis. O rito da regulação do sinistro não se encontra disciplinado em lei no direito brasileiro, e há princípio inteligível estabelecendo em lei essa atribuição à Susep de formular política pública, o que, nesses casos, pode mesmo se configurar necessário em vista do fato de que a rapidez com que são editadas as regras é a mesma com que elas podem ser revogadas ou modificadas, caso produzam resultados contrários aos pretendidos. Estes efeitos, em muitos casos, não poderiam ser obtidos se fosse necessário o processo legislativo (e muito menos em decisões judiciais com manto de coisa julgada). Ademais, o Judiciário não está devidamente aparelhado para formular políticas públicas, inclusive sopesando todos efeitos de eventual decisão, e consoante precedente da Segunda Turma do STJ, não é papel do Judiciário promover a substituição técnica por outra concepção defendida pelo julgador, sendo "incabível substituição da discricionariedade técnica pela discricionariedade judicial" (AgInt no REsp n. 1.823.636/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 16/9/2021). Nessa linha de intelecção, o art. 41 da vigente Circular Susep n. 621/2021 estabelece que nos contratos deverão ser informados os procedimentos para comunicação, regulação e liquidação de sinistros, incluindo a listagem dos documentos básicos previstos a serem apresentados para cada cobertura, e o art. 43 estabelece que deve constar o prazo máximo para liquidação de sinistros, limitado a trinta dias, contados a partir da entrega de todos os documentos básicos previstos no art. 41. Já o art. 46, na mesma linha das Circulares revogadas, estabelece que, caso o processo de regulação de sinistros conclua que a indenização não é devida, o segurado deverá ser comunicado formalmente, com a justificativa para o não pagamento dentro do prazo previsto no art. 43 (30 dias). Igualmente, expor todos os documentos obtidos no procedimento de regulação, a toda evidência, representaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora e de sua parceira reguladora (Know-how de ambas), trazendo desequilíbrio concorrencial, riscos de ocasionar dissabores, danos morais e materiais a segurados e terceiros beneficiários de seguro, e também dificultando sobremaneira a eficiência da regulação de seus contratos de seguros (facilitação de fraudes). Nessa perspectiva, não cabe ao Judiciário substituir-se ao legislador, violando a tripartição de Poderes e suprimindo a atribuição legal da Susep ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo.
Tese Firmada: Em caso de recusa de cobertura securitária, não cabe ao Poder Judiciário, em ação civil pública, impor a obrigação de a seguradora fornecer todos os elementos coligidos no procedimento de regulação de sinistros, e não apenas a mera justificativa.
Questão Jurídica: Contrato de seguro. Recusa de cobertura securitária. Dever de informação. Regulação de sinistro. Atribuição da Susep.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL, DIREITO SECURITÁRIO E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MANEJADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CAUSA DE PEDIR APONTANDO VÍCIO, À LUZ DO CDC, DE REDAÇÃO DE CLÁUSULAS DE CONTRATOS DE ADESÃO DA RÉ, ALÉM DE QUE HÁ DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO DO FORNECEDOR. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA À COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO JUDICANTE. INVIABILIDADE. REGULAÇÃO DE SINISTRO. VOLTADA À REVELAÇÃO, QUANTIFICAÇÃO E CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO INDENIZATÓRIA. ATIVIDADE ESSENCIAL AO SETOR. REGULAÇÃO PELA SUSEP ABRANGENDO O TEMA LITIGIOSO. COMUNICAÇÃO FORMAL, EM CASO DE RECUSA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA, DO MOTIVO. LIVRE INICIATIVA E LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS PREVENDO EXCLUDENTES DE COBERTURA. UTILIZAÇÃO DE GRIFOS. CARACTERIZAÇÃO DO DEVIDO DESTAQUE. 1. Há legitimidade para o Ministério Público ajuizar ação civil pública vindicando o reconhecimento de abusividade de cláusula de contratos de seguro atuais e futuros, por alegada ausência de destaque acerca de hipóteses que impliquem perdas de direitos, com alegado descumprimento do adequado dever de informação por ocasião da recusa de coberturas securitárias. Isso porque: (a) há direitos individuais homogêneos referentes aos eventuais danos experimentados por aqueles que firmaram contrato alegadamente com cláusulas sem o devido destaque; (b) há direitos coletivos resultantes da suposta ilegalidade em abstrato da conduta da ré, a qual atinge igualmente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais da ré; (c) há direitos difusos relacionados aos consumidores futuros, coletividade essa formada por pessoas indeterminadas e indetermináveis. 2. A Corte Especial, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.243.887/PR, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n. 7.347/1985, primeira parte, perfilhou o entendimento de ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. 3. A regulação de sinistro é uma atividade voltada à revelação (existência e conteúdo), quantificação e cumprimento da obrigação indenizatória que exsurge da obrigação de garantia a cargo do segurador. A operação pode ser assim sintetizada: a) uma vez ocorrido e avisado o sinistro, cabe ao segurador apurar os fatos para o cumprimento da obrigação de garantia, o que se desenvolve pela regulação do sinistro; b) constitui procedimento conduzido pelo segurador para determinar a existência de sinistro coberto e a extensão da cobertura, com a mensuração da extensão dos danos e o cálculo da quantia a ser paga ao segurado; c) consiste numa atividade complexa, na qual o fato comunicado como sinistro será confrontado com a realidade e com as coberturas contratadas; d) a comparação entre o dano e o interesse segurado permitirá conhecer o prejuízo, relevando o prejuízo indenizável; e) apura-se o valor a indenizar em conformidade com a extensão dos danos, o interesse e o capital segurado; f) todas as etapas formam um processo único e contínuo e nem sempre podem ser totalmente distinguidas, sobrepondo-se eventualmente, sem prejuízo da precisa definição das finalidades de cada uma delas. 4. A atividade é essencial para o setor, uma vez que, a par de constituir obrigação acessória de fazer do segurador, por vezes necessária até mesmo para salvamentos para redução das consequências danosas do sinistro, é fundamental para prevenir e reprimir fraudes que oneram o custo dos prêmios. 5. Por um lado, o Decreto-Lei n. 73/1966, que criou a Superintendência de Seguros Privados, estabelece, no art. 36, que compete à Susep: a) baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; b) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; c) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do CNSP e aplicar as penalidades cabíveis. Por outro lado, no julgamento da ADI n. 4.923, relator Ministro Luiz Fux, o Plenário do STF entendeu que não há um modelo de Estado único imposto pela Constituição e que a moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica ou formal axiológica, chancela a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis (intelligible principles) [isto é, oriundos da própria lei de criação da Autarquia, como é o caso, ou de lei posterior], capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração; além de que não se deve perder de mira que intervenções judiciais incisivas - ainda que inegavelmente bem intencionadas - sobre marcos regulatórios específicos de setores técnicos e especializados podem ter repercussões sistêmicas deletérias para valores constitucionais em jogo, repercussões essas imprevisíveis no interior do processo judicial, marcado por nítidas limitações de tempo e de informação (ADI n. 4.923, relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 8/11/2017, processo eletrônico DJe-064 divulg. em 4/4/2018, public. em 5/4/2018). 6. O art. 41 da vigente Circular Susep n. 621/2021 estabelece que nos contratos deverão ser informados os procedimentos para comunicação, regulação e liquidação de sinistros, incluindo a listagem dos documentos básicos previstos a serem apresentados para cada cobertura. O art. 43 estabelece que deve constar o prazo máximo para liquidação de sinistros, limitado a trinta dias, contados a partir da entrega de todos os documentos básicos previstos no art. 41. Já o art. 46, na mesma linha das circulares revogadas, estabelece que, caso o processo de regulação de sinistros conclua que a indenização não é devida, o segurado deverá ser comunicado formalmente, com a justificativa para o não pagamento dentro do prazo previsto no art. 43 (30 dias). 7. A seguradora sustenta que, ao final da regulação, informa aos segurados expressamente, em carta, o motivo da negativa, dando conhecimento da hipótese que ensejou a recusa, inclusive com indicação da cláusula contratual em que se funda - o que é incontroverso nos autos, inclusive à luz das contrarrazões recursais. Como reconhece o próprio autor da ação na peça inicial, as seguradoras não fornecem documentação que ele pretende seja imposta tão somente à ré, ocasionando claro desequilíbrio concorrencial e custos administrativos exclusivos à demanda. Ainda, apresentar todos os documentos obtidos no procedimento de regulação, a toda evidência, representaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora e de sua parceira reguladora (know-how de ambas), arriscando ocasionar dissabores, danos morais a segurados e a terceiros beneficiários de seguro, como também dificultando sobremaneira a eficiência da regulação dos contratos de seguro (facilitação de fraudes), a par de, em muitos casos, gerar riscos pessoais a terceiros que prestaram informações ao regulador e a seus funcionários. 8. Conforme entendimento sufragado pela Terceira Turma, não só o consumidor merece proteção, como também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (arts. 1º, IV; 170, IV, parágrafo único; e 174 da CF). (REsp n. 1.846.502/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 26/4/2021). 9. O autor da ação, malgrado tenha instaurado inquérito civil público com base em "delação anônima", não colacionou aos autos um único contrato pactuado contendo cláusula contratual limitadora de direitos do consumidor sem destaque, nem mesmo requereu fosse determinado pelo Juízo, em distribuição dinâmica do ônus da prova, que a demandada trouxesse aos autos os seus contratos de adesão. O próprio Juízo de primeira instância, ainda mais que condenou a ré sem ter aferido a veracidade das afirmações, poderia, de ofício, ter determinado que ela juntasse contrato, uma vez que as decisões judiciais devem ser motivadas e a lei processual se preocupa em que se traga aos autos todos os elementos probatórios que possam permitir ao magistrado decidir do modo mais adequado possível. 10. É possível enfrentar o mérito do pedido exordial para julgamento de improcedência, pois, nas contrarrazões recursais oferecidas ao REsp, o próprio Ministério Público estadual admitiu que há a utilização de grifos no texto das excludentes de cobertura, isto é, o destaque. Isso porque pode ser dado de várias formas, como, por exemplo, com caracteres de cor diferente das demais cláusulas, tarja preta em volta da cláusula, redação em corpo gráfico maior que o das demais estipulações, tipo de letra diferente das outras cláusulas. 11. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. REsp 1.836.910-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022 - Publicado no Informativo nº 752)