STJ. AgRg no RHC 160.947-CE

Enunciado: No caso, o Tribunal de origem considerou que as condutas de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado, com aplicação de imunizante diverso do reservado e sem a realização de agendamento subsumir-se-iam, em tese, aos tipos penais previstos nos arts. 312 e 317, § 2º, do Código Penal. Essas condutas não se amoldam aos tipos em questão, em especial porque ausentes os elementos objetivos (verbos nucleares) contidos no art. 312 do Código Penal. Não houve apropriação, tampouco desvio de doses de vacina contra a covid-19, já que destinadas à população em geral, grupo em que se enquadram os pacientes, uma vez que tinham o direito de ser vacinados (embora em local ou momento diverso). A saúde é um direito de todos, direito social que é assegurado pelo art. 6º da Carta Constitucional. De igual forma, é atípica a conduta de corrupção passiva na forma do § 2º (modalidade privilegiada) do art. 317 do Código Penal, porquanto, na modalidade privilegiada do tipo em questão, criminaliza-se, de maneira mais branda, a conduta do agente que pratica ato de ofício, com violação de dever funcional a pedido de alguém que exerce algum tipo de influência sobre sua atuação, sem solicitação ou recebimento de vantagem ilícita. A pandemia de covid-19 gerou uma situação de pânico e angústia, levando o país a uma crise sanitária sem precedentes. O desespero tomou conta de muitos, provocando a prática de condutas moralmente reprováveis, noticiadas diariamente pela imprensa, de tentativa de burla à ordem estabelecida pelos planos nacionais, estaduais ou municipais. As condutas de desrespeito às regras de vacinação, embora moralmente reprováveis, não caracterizam ilícito penal, em especial em face do princípio da legalidade (inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal), que estabelece que somente pode haver responsabilização criminal por condutas previamente criminalizadas, adequada e claramente descritas pelo legislador. Assim, por falta de previsão legal, são atípicas a conduta de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado e/ou com aplicação de imunizante diverso do reservado e/ou de submeter-se à vacinação contra covid-19 sem a realização de agendamento.

Tese Firmada: São atípicas as condutas de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado e/ou com aplicação de imunizante diverso do reservado e/ou de submeter-se à vacinação sem a realização de agendamento.

Questão Jurídica: Covid-19. Vacinação em local diverso do agendado. Vacinação com aplicação de imunizante diverso do reservado. Vacinação sem a realização de agendamento. Condutas atípicas.

Ementa: INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E DA RESERVA LEGAL. PECULATO-DESVIO E CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19. ATIPICIDADE. 1. A pandemia de covid-19 ensejou grave crise sanitária, econômica e social que levou à prática de condutas moralmente reprováveis. 2. Não há crime sem prévia previsão legal. A prática de crime exige o enquadramento típico em conduta previamente definida como crime, vedada a interpretação extensiva ou analógica. 3. Os crimes de corrupção passiva e ativa configuram uma exceção à teoria monista do concurso de pessoas, sendo tipos penais autônomos. 4. São atípicas, por falta de previsão legal, a conduta de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado e/ou com aplicação de imunizante diverso e a conduta de submeter-se à vacinação contra covid-19 sem a realização de agendamento. 5. Agravo regimental conhecido e desprovido. (STJ. AgRg no RHC 160.947-CE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022 - Publicado no Informativo nº 752)