STJ. REsp 1.929.450-SP

Enunciado: A controvérsia situa-se em torno da responsabilidade civil por perda de uma chance, especialmente a viabilidade de indenização da chance perdida em razão da dificuldade de obtenção de elementos probatórios em prazo hábil para impugnação de alegadas doações inoficiosas que teriam diluído a participação social do falecido genitor das recorrentes em favor dos demais filhos. Na perda de uma chance, há prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso imputado. Repara-se a chance perdida, e não o dano final. No caso, a alegação central é de que teriam sido realizadas diversas doações pelo seu pai, ao longo da vida, beneficiando os seus irmãos unilaterais, caracterizando-se como inoficiosas. Pugnaram, assim, pela reparação de danos oriundos da conduta da empresa, que deixou de apresentar dois livros societários em ação de exibição de documentos, os quais comprovariam ter o falecido pai delas doado somente aos seus outros irmãos cotas de sua participação societária. Os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade civil por perda de uma chance, no caso concreto, foram bem sintetizados no acórdão de origem: "(i) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação declaratória de nulidade de doações inoficiosas; (ii) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação de sonegados; (iii) a existência de nexo de causalidade entre o extravio de dois livros e as chances de vitória nas demandas judiciais." No entanto, o tribunal de origem concluiu que ainda que a companhia tivesse cumprido a decisão judicial que determinou a exibição dos livros, a situação hereditária das autoras dificilmente seria modificada. Isto é, consignou-se que não há nexo de causalidade entre o extravio dos dois livros da companhia e o insucesso no ajuizamento de ações declaratória de nulidade de doações, por inoficiosas, ou de sonegados, por ausência de colação.

Tese Firmada: Não se aplica a teoria da perda de uma chance para responsabilizar empresa que deixou de apresentar seus livros societários em prazo hábil para subsidiar impugnação de alegada doação inoficiosa por um de seus sócios, na hipótese de não restar comprovado o nexo de causalidade entre o extravio dos livros e as chances de vitória na demanda judicial.

Questão Jurídica: Responsabilidade civil. Doações inoficiosas. Ação declaratória de nulidade. Extravio de elementos probatórios. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ausência de nexo causal. Teoria da perda de uma chance. Não cabimento.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE. DOAÇÕES INOFICIOSAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. Controvérsia: Polêmica central em torno da responsabilidade civil da empresa demandada por perda de uma chance, especialmente a viabilidade de indenização da chance perdida, em razão da dificuldade de obtenção de elementos probatórios em prazo hábil para impugnação de alegadas doações inoficiosas que teriam diluído a participação social do falecido genitor das recorrentes em favor dos demais filhos. 2. Recurso especial da demandada: Prejudicado o recurso especial da empresa demandada, em face da ausência de impugnação contra a decisão monocrática que negara provimento ao seu recurso especial, tendo a irresignação ficado restrita às demandantes. 3. Negativa de prestação jurisdicional: Todas as questões foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada, sem omissões, contradições nem erros de fato. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando encontra motivação satisfatória para dirimir o litígio. 4. Cerceamento de defesa: Não configura cerceamento de defesa, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento antecipado da lide quando o Tribunal de origem entender adequadamente instruído o processo, declarando a prescindibilidade de produção probatória, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já provado de forma documental. Além disso, a necessidade de produção de provas deve ser aferida pelo magistrado de origem com base no acervo fático-probatório constante dos autos, não sendo possível a revisão nesta instância especial, à luz do Enunciado n.º 7/STJ. 5. Julgamento "citra petita": Não é considerado julgamento "citra petita", conforme a jurisprudência desta Corte, quando o órgão julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial, tampouco deixa de apreciar providência jurisdicional pleiteada pelo autor da ação, respeitando o princípio da congruência. 6. Decisão surpresa: A proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, visa impedir que o julgador rompa com o modelo de processo cooperativo instituído pelo novo regramento processual civil, ao suscitar fundamentos jurídicos não ventilados pelas partes, o que não ocorreu na presente hipótese. 7. Responsabilidade por perda de uma chance: Reparação da chance perdida de obtenção de um determinado proveito (ou evitar um perda). Chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível. Reparação da chance perdida, e não do resultado final. Doutrina e jurisprudência. 8. Pressupostos da perda de uma chance no caso concreto: Os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade civil por perda de uma chance foram bem sintetizados no acórdão recorrido: "No caso concreto, para que se possa indenizar a chance perdida do ajuizamento de ação judicial, imprescindível verificar os seguintes pressupostos: (i) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação declaratória de nulidade de doações inoficiosas; (ii) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação de sonegados; (iii) a existência de nexo de causalidade entre o extravio de dois livros e as chances de vitória nas demandas judiciais." 9. Doação inoficiosa: Doação inoficiosa é aquela que excede a parte disponível do doador, com herdeiros necessários, prejudicando a sua legítima. Nulidade absoluta do excesso da doação (art. 549 do CC). A pretensão de redução da doação inoficiosa deve ser veiculada no prazo prescricional das ações pessoais, tendo por termo inicial a data do negócio jurídico impugnado. Doutrina e jurisprudência do STJ. 10. Prescrição: O Tribunal de Justiça reconheceu a existência da prescrição em relação a pretensão restituitória de participação acionária em decorrência de suposta invalidade das doações por inoficiosas. Rever o entendimento lançado no acórdão recorrido, acerca da ocorrência ou não da causa interruptiva da prescrição, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no Enunciado n.º 7/STJ. 11. Chance perdida no caso concreto: Escorreita análise fática feita pelo acórdão recorrido da não demonstração dos pressupostos necessários ao reconhecimento da chance perdida pelas demandantes, ora recorrentes, de ajuizamento de ação judicial. A revisão desses fundamentos do exigiria necessariamente o reexame de provas, o que é vedado nesta fase recursal (Súmula n.º 7/STJ). 12. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA DEMANDADA PREJUDICADO E RECURSOS ESPECIAIS DAS DEMANDANTES DESPROVIDOS. (STJ. REsp 1.929.450-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022 - Publicado no Informativo nº 754)