STJ. AREsp 1.640.785-MS

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a examinar se a verificação no sistema do INCRA de que tenha havido a sobreposição da propriedade com a área indígena inviabiliza a certificação de georreferenciamento, ainda que o processo de demarcação de terra indígena não tenha sido concluído. A certificação de imóveis rurais foi criada pela Lei n. 10.267/2001, sendo exigida para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados no Decreto n. 5.570/2005. A Lei n. 10.267/2001 determina que caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobreponha a qualquer outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atenda às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. O procedimento de georreferenciamento integra o registro e dele emanam consequências, pois a certificação do memorial descritivo do imóvel consta da matrícula. Trata-se de ato cadastral que visa alcançar a identidade física no território. No caso, houve pedido de certificação de georreferenciamento de imóvel mas o INCRA constatou a ocorrência de sobreposição com área sob gestão da FUNAI e, diante de manifestação desfavorável à certificação, o requerimento foi acertadamente indeferido. Tal constatação de sobreposição independe do procedimento de demarcação das terras indígenas, em especial nos casos em que estas tenham sido nitidamente invadidas. As normas legais e infralegais são claras acerca da presunção de veracidade dos estudos e das informações fornecidas pela FUNAI. E, na espécie, a área onde está localizado o imóvel se sobrepõe a Terra Indígena já declarada de posse permanente de grupo indígena por Portaria do Ministro da Justiça. Assim, o fato de tramitar procedimento demarcatório das terras indígenas não afasta a possibilidade de que a propriedade seja da União. As terras ocupadas pelos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). Não pode a Administração ser compelida a certificar situação imobiliária em descumprimento da lei e Constituição, pois são nulos os títulos particulares sobre terras indígenas, a teor do § 6º do art. 231 da Constituição Federal.

Tese Firmada: A sobreposição da propriedade rural com área indígena, ainda que o processo de demarcação não tenha sido concluído, inviabiliza a certificação de georreferenciamento.

Questão Jurídica: Certificação de georreferenciamento de imóvel rural. Sobreposição a terra indígena. Processo demarcatório não concluído. Inviabilidade.

Ementa: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICAÇÃO DE GEORREFERENCIAMENTO DE IMÓVEL RURAL. SOBREPOSIÇÃO A TERRA INDÍGENA. INVIABILIDADE. DECLARAÇÃO DE POSSE INDÍGENA PERMANENTE EM PORTARIA DO MINISTRO DA JUSTIÇA. RECURSOS DO INCRA E DO MPF PROVIDOS. I - Edson Borges e Maria Conceição de Almeida Leite Barros impetraram mandado de segurança contra o Presidente do Comitê de Certificação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, da Superintendência Regional de Mato Grosso do Sul, com o intuito de obter um provimento judicial que determine a certificação da área georreferenciada de propriedade dos impetrantes, denominada "Fazenda Água Branca", localizada no Município de Aquidauana/MS, objeto do processo administrativo n. 54290.000169/2012-12. II - Alegou-se que, em que pese tenham apresentado todos os documentos necessários, sobreveio decisão da autoridade impetrada negando a certificação pretendida, ao argumento de que existia declaração da FUNAI indicando que a área apontada estaria sobreposta à reserva indígena Taunay/Ipegue, ocupada tradicionalmente pelo povo Terena. Alegaram, no entanto, que a terra indígena Taunay/Ipegue ainda não teria sido efetivamente demarcada, porquanto, a par de não haver sido concluído o processo administrativo demarcatório, a questão seria objeto de discussão judicial, nos autos do Processo n. 0003009-41.2010.403.6000. III - O Juízo de primeira instância concedeu parcialmente a segurança, para afastar o motivo apresentado pelo INCRA para o indeferimento do pedido administrativo dos impetrantes, e determinar à autoridade impetrada que dê prosseguimento ao processo administrativo n. 54290.000169/2012-12, não considerando como óbice à certificação do georreferenciamento do imóvel denominado 'Fazenda Água Branca', a existência de processo demarcatório ainda em curso. IV - O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento aos recursos do Ministério Público e do INCRA, mantendo a decisão concessiva. V - O caso não atrai a incidência do óbice contido no Enunciado Sumular n. 7/STJ, porque a questão debatida no recurso especial é estritamente jurídica, acerca da possibilidade de que, havendo sobreposição com terra indígena, seja a Administração Pública compelida à realização do georreferenciamento. Incumbe, no caso, a este Superior Tribunal de Justiça uniformizar a interpretação de lei federal, em especial, no que tange ao art. 176, §5°, da Lei n. 6.015/1973. VI - O cerne do caso consiste em verificar se há ofensa ao art. 176, §5°, da Lei n. 6.015/1973, no caso de verificação no sistema do INCRA de que tenha havido a sobreposição da propriedade com a área indígena e se tal sobreposição inviabiliza a realização do georreferenciamento, mesmo diante da tramitação do processo de demarcação de terra indígena. VII - A certificação de imóveis rurais foi criada pela Lei n. 10.267/2001, sendo exigida para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como para efetivação de registro, em qualquer situação de transferênciade imóvel rural, nos prazos fixados no Decreto n. 5.570/2005. VIII - A Lei n. 10.267/2001 determina que caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobreponha a qualquer outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atenda às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. IX - O procedimento de georreferenciamento integra o registro e dele emanam consequências, pois a certificação do memorial descritivo do imóvel consta da matrícula. Trata-se de ato cadastral que visa alcançar a identidade física no território. X - No caso, houve pedido de certificação de georreferenciamento de imóvel pelos recorridos-impetrantes, mas o INCRA constatou a ocorrência de sobreposição com área sob gestão da FUNAI e, diante de manifestação desfavorável à certificação, o requerimento foi acertadamente indeferido. Tal constatação de sobreposição independe do procedimento de demarcação das terras indígenas, em especial nos casos em que estas tenham sido nitidamente invadidas. XI - As normas legais e infralegais são claras acerca da presunção de veracidade dos estudos e das informações fornecidas pela FUNAI. E, na espécie, a área onde está localizado o imóvel Fazenda Água Branca se sobrepõe à Terra Indígena Taunay-Ipégue, inclusive já declarada de posse permanente do grupo indígena Terena, pela Portaria 497/2016, do Ministro da Justiça. Assim, o fato de tramitar procedimento demarcatório das terras indígenas não afasta a possibilidade de que a propriedade seja da União. XII - As terras ocupadas pelos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). Não pode a Administração ser compelida a certificar situação imobiliária em descumprimento da lei e Constituição, pois são nulos os títulos particulares sobre terras indígenas, a teor do § 6º do art. 231 da Constituição Federal. XIII - Equivocou-se o Tribunal de origem ao manter a sentença determinando o seguimento ao processo administrativo n. 54290.000169/2012-12, desconsiderando o óbice à certificação do georreferenciamento do imóvel "Fazenda Água Branca", diante do fato de que o imóvel está sobreposto à Terra Indígena Taunay-Ipégue. XIV - Agravos do INCRA e do Ministério Público Federal conhecidos para dar provimento aos recursos especiais, para denegar a segurança. (STJ. AREsp 1.640.785-MS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 27/10/2022 - Publicado no Informativo nº 755)