STJ. REsp 1.699.184-SP

Enunciado: Na teoria das obrigações, a resilição se sobressai como uma de suas formas de extinção, integrando o tema geral do "poder de desligamento nas relações contratuais". Com efeito, a doutrina assevera que por encerrar um "poder contratual" mais severo, o exercício da resilição dá ensejo a situações mais suscetíveis ao abuso de direito, principalmente quando não fundamentada no inadimplemento da outra parte. De fato, a prerrogativa de "sair e se desligar", unilateralmente, de uma relação jurídica contratual, por si só, é causa de frustração da expectativa legítima de manutenção da relação jurídica no tempo, de obtenção de ganhos e proveitos que haviam sido projetados quando da constituição do contrato. Em julgamento da Quarta Turma, também ficou consignado que os contornos traçados pelo ordenamento sobre este tema nunca pretenderam a aniquilação do instituto, visando, tão somente garantir que a resilição unilateral seja responsável, impondo-se a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando for contrário aos interesses de uma das partes. (REsp 1.555.202/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 16/03/2017). No mesmo rumo, a doutrina afirma que a resilição não pode ser levada a efeito pela parte que agiu culposamente. "Isto posto, se o contratante se encontrava em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo) ao tempo da onerosidade excessiva, terá que suportar todos os riscos do novo cenário ambiental. Haveria abuso do direito (art. 187, CC) por parte do contratante que exige o direito a resolução com base na norma violada". Pelo exposto, parece distante da razoabilidade cogitar-se que o interesse exclusivo de uma das partes no desfazimento de um contrato seja bastante à conclusão pela regularidade da resilição. Na hipótese em análise, a resilição configura abuso de direito, não podendo dela surtir os efeitos esperados, uma vez que fora manifestada quando a arrendatária já se encontrava em estado de inadimplência e somente após ter sido judicialmente compelida à satisfação das obrigações que já havia descumprido. Perceba-se que, não bastasse manifestar-se sobre a pretensão de resilir o contrato após estar inadimplente, a executada, ofereceu à penhora o bem objeto do arrendamento mercantil, que não era de sua propriedade. Deve ser destacado, o fato de o bem arrendado ter permanecido na posse da arrendatária, por todo o tempo, condição inquestionavelmente contrária à intenção de efetivamente resilir. Ademais, na hipótese, a espécie de leasing celebrado entre as partes foi o leasing financeiro. No rumo dessas ideias, a doutrina leciona que o arrendamento mercantil financeiro não confere "qualquer direito ao arrendatário de pretender devolver a coisa e resilir unilateralmente o contrato, salvo se pagas todas as prestações do negócio e ressarcido o arrendador de todos os prejuízos sofridos".

Tese Firmada: No arrendamento mercantil, a resilição não poderá ser exercida se o contratante se encontrar em mora, devendo, nesses casos, o devedor, suportar todos os riscos de sua inadimplência, sob pena de configurar-se abuso do direito por parte do contratante que pretende resilir.

Questão Jurídica: Arrendamento mercantil. Extinção dos contratos. Resilição. Impossibilidade no caso de mora. Abuso de direito.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. NATUREZA COMPLEXA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. TEMPO DO PAGAMENTO E EXIGIBILIDADE DA PRESTAÇÃO. VENCIMENTO ANTECIPADO DA OBRIGAÇÃO. ROL LEGAL EXEMPLIFICATIVO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE DA PREVISÃO. ARRENDAMENTO FINANCEIRO. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS. RESILIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NO CASO DE MORA. ABUSO DE DIREITO. 1. No contrato de arrendamento mercantil (leasing), o arrendante adquire determinado bem e o entrega ao arrendatário, em contrapartida ao pagamento de aluguéis. Findo o prazo contratual, o arrendatário poderá prorrogar o contrato, devolver o bem ao arrendador ou adquirir a propriedade deste, pelo valor de mercado ou pelo montante residual garantido (VRG), previamente definido no contrato. 2. O arrendamento mercantil é contrato complexo, com características de locação, promessa unilateral de venda e financiamento. O pagamento dos aluguéis pelo arrendatário durante a vigência do contrato de arrendamento, por si só, não confere ao devedor adimplente a propriedade do bem arrendado, uma vez que cumpre tão somente a função de remunerar o uso do bem pelo período em que se encontra na posse do devedor. 3. Não basta a denominação legal para um documento ser considerado título executivo, sendo indispensável que, por seu conteúdo, se revele uma obrigação certa, líquida e exigível, que revelarão ao órgão judicial os elementos necessários à abertura da atividade executiva, em situação de completa definição dos limites objetivos e subjetivos do direito a realizar. 4. O contrato de arrendamento mercantil é título executivo extrajudicial. Havendo inadimplência do arrendatário, o arrendador poderá cobrar as prestações contratuais por meio da ação de execução por quantia certa, sempre que o contrato satisfizer as exigências do art. 784, II e III, do CPC. O tempo do pagamento é o momento que se mostra adequado o cumprimento de determinada obrigação, tornando-se exigível a prestação. 5. O art. 333 do CC disciplina o vencimento extraordinário da dívida, possibilitando sua exigência antes do termo originalmente pactuado. A lei não estabelece qual o número de parcelas inadimplidas é capaz de gerar a antecipação, sendo possível às partes estabelecer que a impontualidade de uma única parcela gere tal efeito. Ademais, é exemplificativo o rol do dispositivo, podendo a autonomia da vontade eleger outras situações de antecipação. 6. Não é abusiva a cláusula contratual que prevê o vencimento antecipado do contrato. 7. No contrato de arrendamento mercantil financeiro o interesse do arrendatário consiste em usufruir o bem e o interesse da arrendadora consiste em obter ganho na operação financeira de arrendamento. Para isso, a arrendadora mobiliza capital de imediato e somente obterá os resultados almejados por ocasião do final do contrato, apenas se mostrando conveniente ao arrendador na hipótese em que o negócio jurídico se aperfeiçoa, não sendo maculado pelo inadimplemento. 8. A resilição é relevante forma de extinção dos contratos para as relações jurídicas contratuais que se projetam no tempo. Constitui-se como poder de unilateralmente interromper os negócios em momento diferente do que foi originariamente previsto pelos contratantes. 9. O direito potestativo de resilição unilateral não pode lesar a legítima expectativa de confiança da outra parte, que acreditou na consistência da relação jurídica, mormente na hipótese de longa relação contratual, cuja abrupta interrupção pode significar consequências sociais e econômicas ruins não razoáveis. 10. A resilição não poderá ser exercida se o contratante se encontra em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo), devendo, nesses casos, o devedor, suportar todos os riscos de sua inadimplência, sob pena de configurar-se abuso do direito por parte do contratante que pretende resilir. 11. Na hipótese, a resilição configurou abuso de direito, não podendo dela surtir os efeitos esperados, uma vez que fora manifestada quando a arrendatária já se encontrava em estado de inadimplência e somente após ter sido judicialmente compelida à satisfação das obrigações que já havia descumprido. 12. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022 - Publicado no Informativo nº 755)