STJ. REsp 2.028.232-RJ

Enunciado: A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP exerce, nos procedimentos de liquidação extrajudicial, dúplice função, a primeira consubstanciada no órgão processante do procedimento de liquidação - tal como ocorre com o Banco Central na hipótese de liquidação de instituições financeiras - e outra, como o próprio liquidante da sociedade empresária, com responsabilidade de realização do ativo e pagamento dos credores (arts. 97 e 106 do Decreto-Lei n. 73/1966). Assim, após decretada a liquidação extrajudicial da sociedade seguradora, a SUSEP poderá nomear agente público para conduzir o respectivo processo, na qualidade de liquidante, de maneira similar à função do administrador judicial na falência, nos termos do art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966. A exegese consentânea com a disciplina legal orienta-se no sentido de que a SUSEP, pelo exercício das funções de liquidante e órgão processante previstas na legislação de regência, auferirá a remuneração equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado da sociedade seguradora em liquidação. Em caso de nomeação de agente público para conduzir o procedimento, eventual remuneração deve ser subtraída dessa comissão, porquanto a legislação aplicável não prevê outra forma de remuneração de tais agentes. Idêntica exegese é determinada pelo art. 82 do Decreto n. 60.459/1967. Dessarte, é imperiosa a inferência no sentido de que a comissão referida pelo art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966, em verdade, constitui a única importância devida pela sociedade liquidanda à SUSEP pelo exercício de suas atividades. Assim, ao prever a legislação que os valores pagos aos agentes encarregados de executar a liquidação devem ser extraídos da comissão, não está a transferir à SUSEP a incumbência do pagamento, pelo singelo motivo de que a disciplina legal já supõe estarem incluídas as importâncias no montante relativo à comissão. Ademais, nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, instrumento que cria a SUSEP, autarquia responsável pela execução da política pública elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP e pela fiscalização da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras, não há previsão específica da comissão como fonte geral de custeio da autarquia, o que culmina por confirmar seu caráter de retribuição pelos serviços específicos prestados no procedimento de liquidação extrajudicial. Quanto ao custeio de caráter geral como agente fiscalizador do mercado supervisionado, dá-se por intermédio do recebimento das verbas referidas nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, mas a específica atividade de processamento e liquidação das sociedades seguradoras conta com retribuição específica, consubstanciada na comissão prevista no art. 106 do mesmo diploma legal. Isso porque a aplicação da Lei n. 6.024/1964 às sociedades seguradoras de capitalização e às entidades de previdência privada, todavia, pela própria dicção legal, somente ocorre no que for cabível, é dizer, se houver regulação própria pela lei especial - Decreto-Lei n. 73/1966 - que seja incompatível com o conteúdo normativo da Lei n. 6.024/1964, prevalecerá a disciplina especial. Verifica-se, portanto, que o critério para a solução da antinomia, no caso em questão, decorre da aplicação do princípio da especialidade. Por conseguinte, a incompatibilidade normativa soluciona-se pela aplicação da norma que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinadas características que são especiais. O conflito entre os critérios cronológico e de especialidade resolve-se priorizando a regulamentação particular. A Lei n. 6.024/1974 dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Porém, o Decreto-Lei n. 73/1966 cuida do processo de liquidação de um tipo específico de instituição financeira (equiparado pelo art. 18, § 1º, da Lei n. 4.595/1964), cujo agente fiscalizador - a SUSEP - é diverso daquele que atua no sistema financeiro - o Banco Central do Brasil. Em consequência, não é aplicável à hipótese - por se referir à liquidação de sociedade seguradora de capitalização - o art. 16, § 2º, da Lei n. 6.024/1974, que prevê a fixação dos honorários do liquidante pelo Banco Central do Brasil - aqui, a SUSEP -, pagos por conta da liquidanda. Vale referir, finalmente, que também a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) tem similar disposição em seu art. 24, § 1º, ao prever que o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência, o que equivale, nesta última hipótese, ao ativo apurado no processo de liquidação.

Tese Firmada: Nos procedimentos de liquidação extrajudicial, os valores pagos ao agente público nomeado para conduzir o procedimento, na qualidade de liquidante, devem ser descontados da comissão devida à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Questão Jurídica: Sociedade seguradora de capitalização. Liquidação extrajudicial. Comissão paga à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966. Limitação a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado na liquidação. Impossibilidade de aplicação da disciplina prevista na Lei n. 6.024/1974. Princípio da especialidade.

Ementa: DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE SOCIEDADE SEGURADORA DE CAPITALIZAÇÃO. COMISSÃO PAGA À SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP. ART. 106 DO DECRETO-LEI N. 73/1966. LIMITAÇÃO A 5% (CINCO POR CENTO) SOBRE O ATIVO APURADO NA LIQUIDAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DISCIPLINA PREVISTA NA LEI N. 6.024/1974. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. SOBREPOSIÇÃO AO PRINCÍPIO CRONOLÓGICO. "LEX POSTERIOR GENERALIS NON DEROGAT PRIORI SPECIALI" . RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP exerce, nos procedimentos de liquidação extrajudicial, dúplice função, de entidade processante e liquidante das sociedades de seguro. 2. O art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966 prevê o pagamento da comissão de 5% (cinco por cento), incidente sobre o ativo apurado na liquidação, como remuneração dos serviços prestados pela SUSEP no procedimento. 3. Os valores pagos aos agentes nomeados pela SUSEP e encarregados da gestão e execução da liquidação devem ser extraídos da referida comissão, que funciona como limite máximo a ser suportado pela liquidanda. Idêntica exegese é determinada pelo art. 82 do Decreto n. 60.459/1967. 4. Não se aplica à presente causa a disciplina prevista para a liquidação de instituições financeiras, prevista na Lei n. 6.024/1974. O princípio da especialidade constitui critério para a superação de antinomias aparentes, e a incompatibilidade normativa soluciona-se pela aplicação do comando que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinadas características especiais. O conflito entre os critérios cronológico e de especialidade resolve-se priorizando a regulamentação particular. 5. A própria dicção normativa determina a aplicação da disciplina da Lei n. 6.024/1974 às sociedades seguradoras de capitalização naquilo que for compatível (art. 3º da Lei n. 10.190/2001). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ. REsp 2.028.232-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 17/10/2022 - Publicado no Informativo nº 755)